Para sempre amor
O nevoeiro se dissipava na curva o rio, impossível prever as tramas do destino.
Uma luz delgada e insone aparecia nas brechas cinzas da neblina, o parto matinal da natureza.
O badalar de um campanário próximo anunciava os fins dos anos sessenta.
Novas esperanças, promessas seculares, a maioria que não será cumprida se repetem em ladainhas na passagem do ano.
Marcelo, sob os efeitos caleidoscópicos do neón brindava à saúde do noivado com Helena.
Eles se conheceram há dois anos passados na Praia do Sonho no litoral catarinense e apaixonaram-se perdidamente.
No luau ele lhe declamara uma poesia que dizia mais ou menos assim: “um dia vou acreditar neste sonho, deixar que as águas me levem, me deitem na praia, permitindo que o vento me embale até a manhã de sol chegar.
E, quando meus olhos se abrirem encontrarão os teus anilados olhares a me sorrir.”
Da bela fantasia romântica daquela noite surge a magia, a afeição e a necessidade
de estarem sempre juntos.
Pouco tempo depois a data marcante, inesquecível: a solenidade do matrimônio.
A comemoração com os familiares e amigos, sem pompas, mas agradável selou o enlace dos enamorados.
Alguns anos mais e nascem Alice e Fernando, gêmeos univitelinos, saudáveis e belos.
Nos semblantes dos pais e avós a expressão exultante: - obrigado meu Deus, são encantadores.”
Mas, inexorável, o tempo passa, a vida imperceptivelmente se esvai e o destino se põe a pregar peças: algumas agradáveis outras não...
Helena fora buscar os exames com o mastologista ( há tempos constatara um nódulo na mama esquerda).
- Bom dia senhorita, tenho consulta marcada com o Dr Cássio.
- Um momento, ah!...sra. Helena? Pode adentrar ao consultório, por favor!
- Bom dia Dr. Cássio, como tem passado?
- Bom dia sra. Helena, estou com o resultado de seus exames. Sinto lhe informar que as indicações foram positivas: carcinoma maligno.
- Ai meu Deus...
- Se acalme, pela progressão terá de submeter-se a uma mastectomia e posteriormente a várias sessões de quimioterapia.
Deixou o consultório arrasada, como transmitir a notícia à Marcelo?
Os olhos marejados de lágrimas, o envelope nas mãos trêmulas dispensaram maiores explicações ao marido.
- Acalme-se querida, tudo dará certo, vamos proceder de acordo com as indicações médicas e rezar muito para que Deus nos auxilie e dê forças nesta amarga hora.
A intervenção cirúrgica ocorreu dias depois, tudo conforme prevista.
Helena iniciou as sessões de quimioterapia – uma das mais importantes armas contra o câncer.
Marcelo acompanhava-a à clínica nestas ocasiões pois após as sessões ela sentia-se muito mal, fraca,enjoada e deprimida.
E ainda tinha umas 25 para terminar parte do tratamento.
Certo dia Marcelo ouviu uns gritos aterrorizantes vindos do banheiro da suíte do casal.
Abriu a porta e deparou-se com Helena sentada no beiral da cama olhando fixamente para o espelho a sua frente.
Uma lâmina fria parecia lhe ultrapassar a garganta: estava mudo, petrificado!
- Helena querida, disse ao recuperar as forças, tudo bem, vamos vencer querida!
Ela havia perdido todos os cabelos e chorava copiosamente.
Marcelo deitou-a na cama, cobriu-a e disse: meu bem, preciso sair um instante, volto em seguida, saiu...
Após algum tempo Helena ouviu o ranger da porta do quarto e inquietou-se ao ver Marcelo.
- O que significa isto querido?
- É solidariedade que também chamo de amor!
Ele havia raspado todo o cabelo e abraçava-a com ternura.
* História verídica passada em nossa pequena cidade.
Os nomes dos personagens são fictícios
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