Tentação ( parte XV ) ( continuação do capítulo anterior )

Três meses já haviam se passado, desde que Marcos e Mário tinham sido convocados para a guerra. Ninguém tinha tido notícias dos dois, aliás pouco se sabia do que acontecia na frente de batalha. Os jornais da capital sempre noticiavam o que o governo informava, mas não falava em número de mortos e feridos. No interior só tinham as notícias atrasadas vindas através de algum viajante que tinha ido à capital, ou que houvesse trazido os jornais, que eram considerados verdadeiras relíquias e guardados como tal.
Ana Luiza convocava os escravos todas as noites e sob a luz dos lampiões rezava a ladainha e todos contritos, oravam aos céus pedindo a proteção para os dois. Os escravos já haviam incorporado as figuras dos santos católicos e faziam um sincretismo com a sua crença, atribuindo a um, o poder do trovão, a outro, o poder das águas que lavava todas as chagas da humanidade. E assim, louvavam as suas santas entidades sem confrontá-las com o fervor da oração católica. Eles tinham a percepção de que Deus era único e dentro dessa visão,conciliavam as diferenças e uniam as suas forças à dos católicos.
No final das orações todos tomavam café com leite com angu e iam dormir.



Março havia chegado espantando aquele calor intenso, mas as chuvas caíam implacavelmente. O rio estava volumoso e suas águas passavam com rapidez, até descerem com violência depois da curva, numa cachoeira.
Da Casa Grande podia-se ouvir o barulho das águas que despencavam-se de uma altura de mais de vinte metros. Não havia mais aquele remanso, onde em outras épocas do ano, as pessoas se banhavam. As obras de captação da água prosseguiam, grande parte do canal já estava preparado. Como Moacir havia proposto, estava sendo feito, conforme cavavam a vala, logo em seguida era colocada a telha no fundo, enquanto nas laterais do V, as ripas de madeira eram postas e presas com betume, sobre uma camada de pedras finas recobertas com areia e pó de pedra. Nessa época de chuva intensa, as obras paravam, mas serviam como um teste hidráulico, porque as valas se enchiam com as águas da chuva que ali ficavam represadas, sem sofrer quedas dos reforços laterais. Tudo estava sendo feito como haviam previsto e faltava ainda um terço do preparo do canal para que ele chegasse ao seu final.


Era uma tarde de domingo, as crianças brincavam na frente da casa, sob o craveiro, junto com Maria Rosa. O céu escureceu, negras nuvens se formaram. Os cães começaram a latir como se prenunciassem o temporal. Os raios, coriscos e trovões denunciavam que a chuva já estava caindo em algum lugar ali por perto, talvez na Pedra Bonita, porque lá para aqueles lados é que se concentravam os raios.
Maria Rosa levou as crianças para dentro de casa, As galinhas se recolheram nos poleiros, os pássaros foram para as galhadas do craveiro numa expectativa de grande temporal. Até os cachorros pararam de latir e se recolheram debaixo do alpendre, sob a charrete.


Silveira havia mais de dois meses não ficava a sós com Maria Rosa, embora sentisse sempre o olhar dela a persegui-lo. Sua vida parecia estar sob controle, e esperava passar a época das chuvas para ir ao Rio de Janeiro. Estava em paz com sua consciência e evitava se expor, afinal Ana Luiza não era nenhuma ingênua e poderia perceber qualquer movimento em falso, por sua vez Maria Rosa parecia também ter se acalmado e estar mais prudente e aceito a rotina com as crianças.
Enquanto isso acompanhava as obras de captação da água e contratara dois especialistas para instalar o moinho que seria acionado pela água do canal. Um deles lhe vendeu e ficou de instalar, tão logo a água do canal chegasse perto do moinho, um carneiro hidráulico, uma novidade importada dos Estados Unidos e que estava sendo muito usado nas fazendas americanas. Era uma bomba que elevava a água até uma caixa instalada no telhado da fazenda, movida somente pela diferença de pressão hidráulica nela exercida. Mesmo antes da chuva chegar, o leito do rio começou a transbordar, indicando que muita chuva havia caído na sua cabeceira.


A água começou a subir rapidamente e Silveira saiu para convocar os escravos para separar as porcas paridas e colocá-las junto com as crias num lugar mais alto e protegido, no curral.
A água subiu e isolou a Casa Grande, parecia aos que ali estavam, que moravam numa ilha dentro do rio, embora protegidos. Foi muita correria e dificuldades para separar as porcas e crias e quando Silveira quis voltar para casa, não conseguiu, a correnteza era muito forte e a lamparina já estava dando sinais de que ia se apagar, quando ele ouviu um sussurro : - Venha comigo, patrãozinho, não fique aí, porque senão vai adoecer...

                                     
 (continua no próximo capítulo)

 
elzio
Enviado por elzio em 09/03/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4179474
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