Quem vem para o jantar
Isabel estava noiva.
Devia estar feliz, mas não estava. Andava de um lado a outro tentando entender se o casamento era o fim a que se destinaria ou a que se desatinaria.
Naquele dia ela retornou da lida na roça, esquentou água para por na tina onde tomaria o banho e esperou. Começou a pensar em tudo o quanto tinha vivido em seus 25 anos e com esse pensamento se benzeu e agradeceu o fato de estar noiva e não ficar para titia como a Mariana que não tinha nem namorado.
Precisou da ajuda do pai para por a água quente na tina e depois completou com a fria. Colocou a mão para verificar a temperatura e um frêmito lhe perpassou pelo braço direito fazendo os pelos eriçarem. A água não estava boa, mas não tinha paciência de ficar misturando a quente e a fria até que sentisse o prazer da temperatura natural de seu corpo.
Despiu-se e olhou com pesar para suas pernas feias, tortas e muito brancas. Lembrou-se do filho do vizinho que as ficava acarinhando até que ela segurava as mãos dele em seus joelhos não deixando o rapaz prosseguir naquela subida sôfrega. Balançou a cabeça para afugentar tais lembranças, ergueu as sobrancelhas e entrou na tina.
Tinha acabado de fechar os olhos quando deu pelo esquecimento do sabão e teve que sair da água para pegá-lo. Aquele instante de apoiar-se no chão e erguer-se a lembrou de um momento íntimo, anos depois, em que ela e ele se descobriram no arroio que cortava as terras do pai. Parou por um instante e não soube por que tinha tantas lembranças naquele dia. Não podia ficar pensando nessas coisas uma semana antes do casamento, era uma profanação.
Serenou o ânimo e voltou para a tina.
Sua mãe sempre lhe dizia que não era para ela andar para trás, pois isso era o que aconteceria sempre em sua vida. Eles ficavam correndo de ré, os dois, quando crianças, para verem quem caía primeiro e não se podia olhar para trás. Isabel assimilou isso como uma verdade, e para o resto de sua vida. Não iria para trás nunca mais. Onde ele estaria?
Mergulhou as orelhas para ouvir a água e partiu de seu mundo real para aquele só seu, dentro da banheira. Imóvel, escutou alguns pequenos pingos surdos que caíam e que nunca soube de onde.
Ali ela estava totalmente só. Mas feliz. Decerto que seu noivo pensava assim também, senão, não tinha pedido ela em casamento. Seu vestido era lindo e estava pronto e lembrou quando o filho do vizinho desabotoou um a um dos botões de seu vestido de domingo e ela deixou que lhe caísse aos pés como um arrepio de amor.
Se fosse morrer, poderia ser daquele jeito; praticamente indolor e sem ouvir nada para não sentir saudades dele.
Quem tinha lhe apresentado o noivo tinha sido ele. Ironia? Nunca soube. Mas soube que arrebatou o coração de um e arrebentou o do outro que partiu de madrugada deixando-lhe o corpo beijado e suado. Para nunca mais voltar.
Agora estava com 25 anos. Casaria ou não? Se não casasse, nem para freira serviria e como contar sem chorar ao noivo seu passado contundente? Então lembrou que quando o outro a abraçava proporcionava a sensação de que ela poderia enfrentar um mundo de impossibilidades, as quais agora se apresentavam na forma de recordações.
Assustou-se com a possibilidade daquele aprisionamento voluntário na banheira e se deixou ficar; do mesmo jeito que ficava nos braços dele depois do amor no meio do mato. Sentiu seu cheiro e abriu os olhos.
Uma onda de tristeza e abandono tomou conta de todo o seu ser e desejou ardentemente nunca tê-lo feito o amor maior de sua vida.
E decidiu que quando o noivo chegasse para o jantar em família, lhe dedicaria a vida se preciso fosse e que também faria tudo o que estivesse em seu alcance para a sua felicidade. Beijou a aliança da mão direita, levantou e saiu da tina. Esta resolução lhe deu a força que precisava para esquecer o outro.
Naquela noite que ficou na varanda a esperar pelo noivo, sentiu que tudo voltava ao início e que nunca em toda a sua vida haveria de livrar-se daquele amor periclitante, pois que este também chegava para o jantar.