Tentação (parte XII)
( continuação do capítulo anterior )
Em grande parte da manhã, Silveira ficou no quarto. Sentou-se numa cadeira e ficou à cismar, sem ânimo de se levantar. Ana Luiza, preocupada, lhe trouxe um chá quente com torradas, imaginando que fosse um mal estar decorrente do peso que ele havia levantado. Mas o peso que ele carregava tinha outra origem, era o peso na consciência. Não lhe saía da cabeça, a imagem que ele tinha formado de que Maria Rosa usava a magia negra.
- ( sim, devia ser isso, ele haveria de estar hipnotizado, ela manipulava seu pensamento, sabia de antemão onde ele iria passar, do que ele gostava, e até dos carinhos que mais apreciava... aquilo só poderia ser um feitiço, alguma mandinga africana que tivesse o poder de subjugar as pessoas...)
- Em que você está pensando, senhor meu marido, interrompeu Ana Luiza.
- Acho que o senhor Adalberto ficou sentido comigo, preciso ir lá para ver a senhora sua avó e pedir desculpas a ele, não me sinto bem em ser grosseiro com as pessoas... A senhora quer me acompanhar até lá? Deixamos as crianças aqui e voltaremos no dia seguinte...
- Mas e a sua coluna, senhor Silveira ?
Pego de surpresa, Silveira conseguiu se sair bem, dando uma desculpa elogiosa.
- Os remédios que a senhora me aviou foram milagrosos...
Ela riu toda satisfeita e foi se preparar para a breve viagem.
Saíram depois do almoço, levaram um bolo de laranja para a mãe de Ana Luiza, feito pela Pulcena que se revelara muito boa cozinheira.
Iam na charrete, de mãos dadas e trocando olhares, como se fossem dois namorados. Quando pararam numa sombra, Silveira desceu, foi dar a mão para que Ana Luiza também apeasse da charrete e deram uma ligeira caminhada para descongestionar a musculatura e sentaram-se em baixo de um pau d'arco todo colorido de vermelho, o chão estava coalhado de flores, fazendo um tapete para que se sentassem. Silveira beijou as faces de Ana Luiza e puxou-a contra o seu corpo. Ela precisava desse afago e desabafou:
- Pensei até que já não gostava mais de mim...
- Não me fale assim, senhora, essas palavras me machucam. Tenho pela senhora uma verdadeira veneração.
- Mas eu quero muito mais, eu quero amor, paixão, a veneração me afasta do senhor...
- Tens razão, tenho muito mais que a simples veneração, eu amo a senhora com toda a força do meu coração.
Chegaram à Fazenda das Pedras quando começava a cair os primeiros pingos de chuva. Havia muito tempo que não chovia e o capim já estava queimado pelo rigor do sol. Quando a chuvarada caiu, Ana Luiza exclamou:
- Adoro esse cheiro da terra úmida, parece que ele é o agradecimento da terra pela água que ela esperava há tanto tempo...
Aquela mistura de água, terra, ar e fogo, levaram a Silveira às preocupações que assaltaram sua mente. Ele voltou inconscientemente a franzir o cenho, e começou a enrolar a ponta do bigode. Ana Luiza que era muito observadora, perguntou:
- O que o preocupa, meu senhor ?
- Nada que seja importante, respondeu Silveira, que segurou a sua mão e entraram na sala.
( continua no próximo capítulo)