Funeral
Hoje estou assim, vestindo sorrisos longos espalhados por toda face, com um corte especial para camuflar a dor existente em meus olhos. Pés cobertos pelas marcas do caminhar, marcados pelas incertezas do quase sempre. Calo em meu peito a dor que destrincha o peito e o grito que entala na garganta. Enfeito o nó com uma fita de seda para que tudo esteja em harmonia e a aparência seja mantida. Adorno minha cabeça com meias verdades de que tudo está e vai bem, e ao amanhecer este quadro se converterá em festa. A culpa que sussurra em meus ouvidos faz com que a dor palpite em meu peito. Sinto-a pulsar, sem a deixar invadir a mente, o corpo e a alma. Mantenho o aparente controle da situação. E em minhas mãos repousa a inércia de um caminhar congelado pelo tempo e suas consequências inevitáveis. E aqui dentro as coisas envelhecem, enquanto que fora elas parecem reviver. Por que eu sou o gelo que me conserva, e o fogo que me prova diariamente. Meu julgamento é uma guilhotina de pensamentos e palavras afiadas posta sobre minha própria garganta, calando não só a minha voz, mas a vida em mim esvaída aos poucos. Estou vestido para a vida, mas já estou morto para ela a muito tempo. Neste luto, minha alma está condenada a viver pela eternidade enquanto ela o existir. Sou o réu, o juiz e o próprio júri neste tribunal onde a culpa impera. Não há inocentes. Não há culpados. Não há defesa eficiente contra a argumentação da morte. Morte do peito, enquanto fora se vive. Do contrário de outras vidas, aqui não se morre apenas uma vez, e o viver é sempre o mais difícil.