Tentação (parte VIII )   (continuação do capítulo anterior)  
 
Cofiando o seu bigode, Silveira foi direto ao assunto:
- Senhora Ana Luiza, o que é mais importante para a senhora, a família dos seus pais ou a nossa família?
- Não estou entendendo onde o senhor quer chegar, senhor Silveira...
- É isso mesmo que a senhora minha mulher entendeu... A nossa família agora sou eu, a senhora e os nossos dois filhos, os demais são colaterais.
- Não queira me jogar contra os meus pais e a minha avó, senhor meu marido, o senhor bem sabe o quanto eles são importantes para mim.
- Bem sei que eles são importantes, mas quando eles são mais importantes para a senhora, minha mulher, do que para mim e nossos filhos, isso cria um conflito de interesses. Eu estou afastado dos nossos filhos e não quero continuar assim, estou disposto a levá-los para a Solidão se a senhora minha mulher insistir em continuar aqui.
- Isso não permitirei senhor Silveira.
- Então que volte imediatamente comigo...
- O senhor está me constrangendo, o senhor sabe que sou necessária aqui, eu sou importante para eles nessa hora.
- Já lhe ofereci e trouxe até aqui a escrava, a senhora também é importante lá...
 
Sem argumentos plausíveis Ana Luiza começou a chorar. Silveira recomeçou a cofiar o seu bigode, retorcendo a ponta dos pelos.
- Então, como vamos resolver?
- O senhor me dê mais uma semana que eu vou arrumar alguém de confiança que fique com a minha avó.
- Então tudo bem, a senhora pode ficar, procure alguém da sua confiança, estamos acertados, na semana que vem eu volto para buscá-la, mas eu vou voltar hoje para casa, pegar a charrete e vou levar meus filhos amanhã.
 
Ana Luiza parecia não conhecer Silveira, ela nunca tivera uma discussão séria com ele e achava que o dominava facilmente, mas agora está ele ali, diferente, lutando bravamente por aquilo que ele estava achando certo. Era um outro Silveira, determinado e argumentando de igual com ela. O que fazer?  Não queria dar o braço a torcer, mas também não abriria mão de ficar junto das crianças.
- Vou falar com a minha avó e com os meus pais e já volto.
E saiu, chorando e inconformada. Ela nunca tinha sido acuada, sempre tivera tudo em suas mãos e decidia o que achava melhor para ela, mas agora o seu casamento estava em risco, e ela não iria por tudo a perder somente para manter a sua opinião vitoriosa.
Poucos minutos depois ela voltou escudada por seus pais. Ela não falou, quem falou foi o sogro.
 
- Bom dia, senhor meu genro, o senhor me conhece bem, sabe que eu não gosto de interferir na vida dos senhores, sei que esse é um momento difícil para todos nós, mas venho com um propósito de pacificar os ânimos. Desde que a senhora minha sogra sofreu o acidente, tudo ficou muito difícil para nós, e foi por isso, que percebendo essa dificuldade, a nossa Ana Luiza veio para nos ajudar...
Aproveitando a ligeira pausa que o senhor Adalberto fez, antes que ele continuasse, foi que Silveira, parou de enrolar o seu bigode, e disse:
- Senhor Adalberto, como o senhor bem sabe, temos a maior admiração e respeito pela sua família e estaremos sempre dispostos a ajudar, mas o senhor bem sabe também que quando para ajudarmos aos outros  nos prejudicamos, cria-se um conflito. Vim aqui dizer para Ana Luiza o quanto ela está fazendo falta agora em nossa casa. Ainda ontem sofremos um confisco por parte do governo que nos levou os nossos dois mais valiosos escravos, e dois dos meus garanhões árabes com selas e apetrechos, para servirem na guerra do Paraguai. Também era um momento em que eu precisava de apoio... Depois que casamos e tivemos filhos, o nosso núcleo familiar é lá na Solidão, e foi isso o que vim dizer para a senhora Ana Luiza... O senhor me desculpe por expor as nossas divergências aqui na sua casa, mas eu me propus a ceder aquela escrava para ajudar nas necessidades desse momento difícil...
O senhor Adalberto ouviu tudo sem pestanejar e ferido no seu orgulho aristocrático, respondeu:
- Não precisamos de sua escrava, Senhor Silveira, leve sua família, quando o senhor, sua senhora e seus filhos precisarem de nós, estamos à disposição.
Na tensão do momento, Silveira simplesmente respondeu:
- Muito obrigado, estarei esperando na varanda...  
                     
(continua no próximo capítulo)
elzio
Enviado por elzio em 02/03/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4167737
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