Tentação (parte VI)    (continuação do capítulo anterior)
 
Pode deixar, mãezinha, nós vamos voltar e seremos livres, vamos ter um soldo do exército para comprar vocês, que serão livres também.
Abatida, Pulcena chorava copiosamente. Beirando os quarenta e cinco anos, ela estava com uma aparência de ter sessenta. Seus cabelos encarapinhados, já estavam  pintados de branco, enquanto Ubirajara, com seu porte atlético, mantinha a aparência da sua idade verdadeira.
O inferno astral baixara sobre a Solidão, não havia quem não estivesse chocado com a situação. Os jovens, que pouco contato haviam mantido com Silveira, o impressionaram pela atitude altiva e independente.
 
Enfim, era aquela guerra idiota, que começou quando o Brasil resolveu intervir no Uruguai que estava em guerra civil para depor seu presidente, Aguirre, e empossar o seu rival, Venâncio Flores. Foi quando o ditador do Paraguai, Solano Lopez, incentivado por aqueles que viam no Brasil posições homogênicas e pelas invasões de terras paraguaias por fazendeiros brasileiros, capturou o navio brasileiro Marquês de Olinda, estopim para se deflagrar a guerra.
Silveira, embora beneficiário do sistema, quando lhe foi dada  a sesmaria pelo imperador, mantinha-se independente em suas críticas, via a política externa do Brasil equivocada, acreditava na autonomia dos povos, para resolver sozinhos os seus conflitos e abominava as intervenções bélicas dos mais fortes.
Agora estava ali o resultado, os dois garotos que iriam lutar por uma causa desconhecida, para matarem ou serem mortos, devido à arrogância dos governantes mal preparados. Enfim, os filhos dos condes, marqueses e barões não iriam para a guerra e esses pobres jovens, inocentes, seriam levados como buchas de canhões... A corda sempre estoura para os mais fracos.
 
A noite caiu, acenderam-se as lamparinas e todos foram se recolher. No seu quarto, Silveira não conseguia dormir, estava inquieto, seus planos estavam se desmantelando na sua frente, a convocação dos gêmeos era um exemplo disso, ainda por cima o confisco de dois dos seus melhores cavalos árabes, era a mostra da prepotência que vinha exatamente daqueles que eram pagos para nos proteger. O próprio capitão fora pessoalmente ao curral escolher os animais e selecionou dois garanhões árabes, seus melhores reprodutores. E saiu da fazenda montado em um deles, o outro ficou para o tenente,  enquanto Mário e Marcos montaram em animais comuns, cedidos por eles...
 
Na hora em que mais precisava de Ana Luiza, do seu aconselhamento imparcial, da sua serenidade, lá estava ela fazendo companhia para a sua avó senil, uma aristocrata cheia de preconceitos e autoritarismos.
O sistema preconceituoso, que contaminava de geração para geração, assim acontecia também com a dona Augusta, mãe de Maria Luiza, enraizada nos seus valores falidos, e com o seu pai, senhor Adalberto, que oprimido pela sogra e pela mulher, cedia aos seus menores caprichos e exigências. Era um fraco, pusilânime.
Tudo fazia para que Ana Luiza rompesse essa cadeia de preconceitos da aristocracia decadente e que não chegasse aos seus filhos esses falsos valores da sociedade, mas até nisso estava se sentindo impotente.
 
Silveira saiu do seu quarto, lamparina na mão, e foi até à cozinha procurar alguma coisa para comer, talvez um café com leite e um pedaço de bolo. Com o vendaval que passou sobre a Fazenda da Solidão, não se preocupara em se alimentar e estava a procura de algo que o saciasse.
Levada pelos mesmos motivos, Maria Rosa também foi parar na cozinha. Tinha ficado em companhia da mãe que só parou de chorar quando dormiu.
- Também perdeu o sono, patrãozinho?
- O dia de hoje foi ruim para todo mundo, a convocação dos seus irmãos me abalou muito. Estou muito triste e fico imaginando o que os seus pais estão passando. ..
- O tempo resolve, patrãozinho, eu confio muito neles, eles são espertos e aprenderam muito com papai. Eles sabem resolver seus problemas. O  que as pessoas têm que passar, os outros não passam por eles...
- Maria Rosa, prepara um café com leite para nós, vá buscar o bolo, pão e manteiga...
Ela preparou a mesa e ele elogiou:
- Você é muito sensata, precisava ouvir o que você me disse, Muito obrigado...
Ficaram lado a lado e serviram-se de bolo, pão e manteiga e tomaram o café com leite.
Suas mãos se tocaram e uma corrente de energia percorreu seus corpos e Maria Rosa beijou Silveira com ardor.
- Meu senhorzinho, meu amor, me leve para a cama, preciso do senhor...
Silveira, com as pontas do polegar e indicador, torceu a ponta do bigode, olhou para ela profundamente e lhe disse:
- Vamos, vamos para o quarto de hóspedes...         

                             
                                                   (continua no próximo capítulo)
elzio
Enviado por elzio em 28/02/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4164166
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.