Tentação


Preâmbulo
Esse é um folhetim que será postado diariamente (dentro da possibilidade do autor, naturalmente) , que se passa em meados do século XVIII, no qual, o personagem Silveira, vive as relações e os confrontos do poder, sobre os escravos e a família, no qual esse poder é confrontado com outros poderes, como o da sedução, o social e o conceitual da religião, assim como a discriminação racial, com a qual até hoje convivemos. 

 
Silveira ficara satisfeito, a Fazenda da Solidão estava com a pastagem formada, com uma capineira de dar inveja. Os animais, aproveitando da boa forragem, estavam gordos e com o pelo brilhante. Na seva, ele multiplicara os porcos, as duas fêmeas e o macho que adquirira, formaram mais de cem cabeças. As vacas leiteiras eram todas selecionadas e também se multiplicaram. Plantava milho, cana, feijão, e na várzea, o arrozal.Tinha um pomar de dar inveja: abieiro, mangueiras, laranjeiras, limoeiros, abacateiros, e duas jabuticabeiras que deram as suas primeiras floradas naquele ano.
 
Para quem não era do ramo, o resultado foi excepcional, porque na década anterior, tinha recebido do imperador, a sesmaria, onde instalara a fazenda, em recompensa por serviços prestados. Era um bom comerciante e isso o ajudou muito, afinal, quem produz tem que vender e ter lucro.
 
Casara-se com a filha do fazendeiro vizinho, a Dona Ana Luiza, que assim ele a tratava até aquela data, com toda formalidade. Pensava como ela, que casamento era para toda a vida, como fazem os pombos que moravam na cumeeira da casa. Esse negócio de trocar de mulher, ou procurar mulher fora do casamento, não era coisa que ele aprovava. Recebera esse aconselhamento do seu pai, que era um sujeito sério e cumpridor dos seus deveres e assim era ele também.
 
Agora estava com um problema sério para resolver. Ele trabalhara somente com um ajudante para tocar a fazenda, um negro alforriado chamado João Machado, o Machadão. Como os dois não estavam dando conta, ele fez acordo com terceiros, que plantavam, colhiam e recebiam uma parcela da produção. Mas essa prática estava gerando muitos problemas e ele resolveu comprar uns escravos para tocar a fazenda.
Precisaria de seis homens adultos e uma mulher para ajudar Ana Luiza a cuidar da casa e dos seus dois filhos.
 
Mas o valor de um escravo era alto, dependendo da idade, compleição física e qualificações, poderia corresponder à quantia equivalente a seis vacas leiteiras, então seria preciso dispor da venda de mais de trinta vacas para se poder comprar os seis escravos. Por outro lado, os jornais, sempre estavam falando na abolição da escravatura, influenciados pelos pensadores ingleses e franceses, que viam na prática escravagista uma agressão aos direitos humanos e por isso, ele já tinha avaliado com o seu sogro, se seria oportuno comprar escravos ou contratar mão de obra italiana de uma leva de imigrantes que havia chegado ao Brasil. Para qualquer das hipóteses ele precisaria de dispor de acomodações para essa gente. Foi o que ele fez, preparou quartos em forma de meia água para abrigar dez pessoas. Essas casas ficavam em posição estratégica, na entrada da fazenda, ponto obrigatório de quem quisesse chegar à sede, já que no outro lado havia a proteção natural do rio.
 
Silveira separou sete mil contos de reis, colocou-os na algibeira e seguiu para o Rio de Janeiro, montado numa besta boa de sela.
Entre o cais Faroux e o Mercado Municipal, ficava o entreposto onde eram vendidos os escravos. Expostos aos pretendentes, homens mulheres e crianças, ficavam com os dorsos nus, mostravam os dentes e gengivas como forma de se apresentar como mercadorias saudáveis.
 
Silveira, acompanhado de um comerciante seu amigo, escolheu um lote especial porque havia uma lei que obrigava a venda de grupos familiares, para evitar a separação do marido, da mulher e dos filhos, uma forma de preservar a família.O grupo era composto de um casal e três filhos. O casal na faixa de quarenta anos e os filhos, dois rapazes gêmeos de dezenove anos e uma moça de dezoito anos. Juntamente com a família estavam mais três negros, os três com idades variáveis entre vinte e trinta anos.
Os filhos gêmeos, eram muito parecidos e seria difícil não confundi-los, eram negros como ébano, muito parecidos com os pais. A jovem, diferentemente deles, era uma mulata clara, demonstrando que não era filha do mesmo pai.
No total eram oito negros, mas o preço bem negociado, ficou pelo valor dos seis pretendidos, ótimo negócio.
 
Silveira foi ao mercado, comprou roupa para todos, adquiriu mais oito animais e arreios e voltou para a fazenda acompanhado pelos oito escravos.
Durante o caminho, Silveira seguia em silêncio na frente do grupo e os demais o seguiam, mas todas as vezes em que olhava para trás, percebia que o olhar da mulatinha estava fixo nele. Fizeram a primeira parada no pé da Serra de Petrópolis, os animais já estavam cansados e um dos negros, o Jurandir, se adiantou para tratar deles, sem que Silveira mandasse, para ele isso foi um bom sinal.
 
A estalagem era muito simples, mas limpa, era a escala natural de quem ia para o interior. Jantaram uma sopa, arroz e um guisado de frango com batatas. Era a mesma comida para todos. Não conversaram muito, observavam como se estivessem estudando o novo patrão e foram para os seus quartos que eram cabanas isoladas no meio do arvoredo.
De madrugada, Silveira acordou e encontrou a moça deitada ao seu lado.
- O que você está fazendo aqui, menina?
- Quero saber se o Sinhorzinho está precisando de alguma coisa...
- Vá para o seu quarto, garota, não estou precisando de nada, se precisar eu chamo.
 
Silveira não dormiu mais, a figura da moça da qual nem se lembrava do nome, com seus grandes olhos castanhos e cabelos negros,  e lisos como dos índios, marcara presença no seu imaginário. Ele agora era"proprietário" dela e dos outros, porque não usá-la como mulher, como a maioria dos fazendeiros fazia? Seus princípios morais e religiosos logo se manifestaram e começou aquela batalha entre certo e errado, entre o bem e o mal. Ela já era produto de uma situação dessas, talvez seu pai verdadeiro tenha sido o antigo proprietário, e se pôs no lugar daquele que se fazia de pai, tendo que conviver com sua mãe e aquela chaga...
 
De manhã, no café, como se nada tivesse ocorrido, ele se sentou na cabeceira da mesa onde os escravos estavam se servindo e como se um deles fosse também, foi perguntando o nome de cada um e conferindo com o que estava registrado no documento de aquisição. Verificou que todos tinham um mesmo sobrenome e admirado perguntou se o sobrenome igual pertencia à mesma tribo africana que lhes dera origem.   
Jurandir, o mais falante foi quem respondeu:
- Não, somos todos parentes, eu, Moacir e Ubiratam somos irmãos do Ubirajara, que é marido da Pulcena. Os filhos, são Mário e Marcos e a moça, Maria Rosa.
Meio sem graça, Silveira respondeu:
- Uma família unida... Porque vocês foram vendidos?
- Dona Bete ficou viúva, vendeu a fazenda e foi para a cidade, perto dos filhos  e pedimos para sermos vendidos porque não queríamos ficar com o novo proprietário, conhecido por sua fama de homem mau.
 
Silveira disse como pretendia aproveitá-los e que eles teriam um tratamento digno mas que não iria admitir negro fujão.
Todos se entreolharam mas nada disseram.
Jurandir e Bira selaram os animais e seguiram viagem.
Na parada do almoço, Pulcena preparou arroz e um guisado de lombo com batatas, enquanto Maria Rosa fez uma limonada, usando a água transparente de um riacho.
Silveira observou que Maria Rosa, em paralelo, fez uma infusão de ervas silvestres e guardou-a numa garrafa.
 
Seguiram viagem e acamparam já de noite, para descansar à beira do Rio Paraiba. Se tudo corresse bem no dia seguinte chegariam à Fazenda da Solidão. Quando acabaram de jantar, Maria Rosa olhou profundamente nos olhos de Silveira e disse com toda a meiguice:
- Sinhorzinho, tome esse chá para que possa dormir com os anjos...
O chá que mais parecia um refresco, tinha um gosto ácido, mas saboroso, aparentando a erva cidreira.
Ele agradeceu, elogiou e cada grupo foi para seu canto onde dormiriam sobre as mantas.
Ele  acordou em plena escuridão, com Maria Rosa nua, a seu lado, acariciando-o. Quis mandá-la embora, mas ela sussurrou  no seu ouvido:
- psiu, não faça barulho, quieto...
Silveira tocou nos seus seios e sentiu suas pernas se abrirem umedecidas e quentes como lavas de um vulcão.
Todos os seus princípios foram por terra, a tentação venceu!
    
                                  (segue no próximo capítulo)

elzio
Enviado por elzio em 22/02/2013
Reeditado em 20/07/2013
Código do texto: T4153731
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