Amantes
Não tenho o costume de olhar para trás, principalmente enquanto estou caminhando, acho feio e posso a qualquer momento me “testar” com uma placa. Acredito que olhar para trás não é sinal de boa coisa. Pessoas que o fazem constantemente têm medo de estarem sempre à frente de um sequestrador, um ladrão ou um passado ao qual não conseguem se desprender.
Maldito dia em que ouvi um assovio por trás dos meus ombros – também não sou de procurar os donos desses assovios.
Foi por um daqueles corredores escuros que esbarrei em três pessoas ligeiramente despreocupadas com o próximo toque de recolher. Altas, morenas e gargalhavam ao longo do estreito espaço ao qual passamos as quatro encolhendo-nos e curvando-nos umas das outras.
Olhei uma vez. O som era confuso e ecoava, vinha de baixo ou de muito longe ou, talvez, fosse coisa da minha cabeça.
Olhei pela segunda vez.
Há, mais ou menos, um ano procuro por olhos verdes parecidos com aqueles que me abandonaram na última primavera – não gosto da primavera, a única coisa que me fazia aturar esta estação alérgica eram eles.
A terceira. Sim, a terceira, a mais alta, a mais escondida às sombras dos corredores, possuía os olhos que eu tanto quis enxergar.
- Oi – disse acompanhado de um sorriso torto e sem jeito.
De repente estávamos conversando ao lado das árvores, de mãos dadas e planejando o futuro. Comprar uma casa de dois andares com vista para o mar de Copacabana, ter dois filhos, cujos nomes já haviam sido escolhidos. Andávamos de bicicleta nas trilhas secretas. Partilhávamos os melhores beijos, carinhos, brigas, charutos e vinhos ao lado da lareira. Toda noite lembrava-lhe como seus olhos eram lindos.
Minha avó quando queria me acalmar das dores dos tombos, passava-me um remédio ardente e eu acreditava que em “um piscar de olhos” a dor passaria. Bom, eu pisquei os olhos muitas vezes.
Mas foi ali naquele momento e corredor que a dor sumiu. Meus olhos piscaram e tudo desapareceu.
Nunca mais vi aqueles olhos que tanto me fizeram fantasiar; mas não fico triste, meus machucados também não doem mais e agora eu podia piscar sem esperar que a cada segundo minhas cicatrizes sumissem milagrosamente.