AMORES EXCLUSOS

Deus me deu uma missão nesta vida: “Vai e pratica o Amor Incondicional, mostra ao mundo que é possível viver a minha Lei nos diversos relacionamentos!”

Fiquei muito contente, sai saltitante de alegria da Sua presença. Oba, pensava eu, vou conquistar o mundo com toda facilidade! Vou amar a tudo e a todos, afinal, todos gostam de ser amados, e de amor o meu coração está repleto.

Assim, com tanta confiança, iniciei a minha missão. Realmente, no início até que foi legal, posso dizer, maravilhoso. Amava a Natureza em toda sua extensão, do micro ao macroscópico, do perto ao longe, aos noturnos e aos diurnos, ao próximo, principalmente. Mas, de toda a Natureza, foram as mulheres que me encantavam. Principalmente algumas que de dentro possuíam uma essência espiritual que me seduzia a alma. Eu chegava aos arroubos, aos píncaros da paixão. O amor assumia a cor avermelhada do romantismo. Ah, como era deliciosa essa paixão romântica, esse enlevo, o aconchego dos abraços, o arrepio das carícias, a maravilha dos beijos. Era uma pena que esse êxtase não fosse permanente, logo ele perdia sua força, e quão mais rápido isso acontecia, quanto mais frequente eu ficasse perto dessa figura adorada. Mas não tinha importância, quando esse êxtase terminasse com uma pessoa, logo em seguida surgiria naturalmente por outra pessoa, era só uma questão de paciência.

Mas existia uma característica do amor romantizado que logo eu iria perceber a sua força diabólica, contrária a inclusividade própria do amor incondicional: a exclusão! Eu reconheci logo sua malícia e não deixei me envolver a ponto de desconsiderar o amor incondicional. Logo que eu percebia, no auge da paixão, que queria manietar e controlar a pessoa amada em função dos meus desejos e interesses, eu lançava mão do truque que Jesus nos ensinou: amar ao próximo como a si mesmo. Era certeiro! Ora, eu não quero ser algemado nem controlado por ninguém, como poderia fazer isso com outra pessoa? E também tem outro aspecto da máxima importância. A essência do amor por outra pessoa, é ter o prazer de fazer essa pessoa feliz, independente de como ela queira estar, pode ser até ao lado de outra pessoa. O amante incondicional deve ter a competência de amar, também aquela pessoa, que o objeto de sua paixão elegeu para amar. É uma versão sentimental do oferecer a outra face a quem lhe bate no rosto.

Acontece que as minhas amadas não têm nas suas vidas a prática do amor incondicional. Ficam presas ao amor romântico e exigem do parceiro a exclusividade, com toda energia e emoção. Este é o problema! Como eu não posso e não devo ficar preso a um único relacionamento, mesmo não querendo abandonar nenhuma de minhas parceiras, sou por elas abandonado sem piedade, quando percebem que eu não posso dar a exclusividade que elas exigem. Até mesmo os frutos do nosso amor, os filhos, são envolvidos nas emoções delas e da mesma forma passam a me repudiar.

Agora eu sei que nenhuma das tarefas que o Pai dá para nós é fácil. Sigo pela vida sozinho, enquanto pensava viver com harmonia com quantas pessoas o Pai colocasse ao alcance do meu coração, todas vivendo em fraternidade, em clima de mútua ajuda, inclusive com os companheiros que elas sentissem necessidade de incluir na nossa família ampliada, na família universal, aquela que habitará o Reino de Deus. Não encontrei até agora nenhuma cidadã desse Reino, ninguém, que também como eu, aplicasse em sua vida os princípios do amor incondicional. Termino por ficar surpreso, planto amor incondicional e colho amores exclusos!!

Ontem quando passava no meu carro pelas imediações do Campus Universitário, cruzo com o meu filho que vem subindo a ladeira a pé, mochila às costas, em direção ao seu curso. Ele não me viu. O primeiro impulso é parar o carro, o chamar, abraçar e dar carona até seu destino, mas meu coração dolorido se recusa a fazer isso. Todas as vezes que o encontro, não canso de o abraçar, de dizer que o amo, de fazer convites para sair comigo... nunca aceita! Absorveu de sua mãe toda a ojeriza das pessoas que eu amo e que fez ela me excluir da sua vida. Ele também me exclui da sua vida! Dois amores exclusos, meu filho e sua mãe!

Hoje, tentei abraçar minha filha, que se mantinha calada e estática à minha presença. Mesmo assim a beijei e abracei... nada disse, nada reagiu... entristecido avalio que o mesmo processo de exclusão que hoje toma conta do meu filho, começa a fazer os estragos no coração da minha filha. Ela absorve os mesmos sentimentos de ojeriza que sua mãe tem pelas pessoas que amo... não percebe que ontem ela era a vítima, hoje se coloca no papel de algoz. Serão mais dois amores exclusos, ela e a mãe?

Percebo agora como eu fui ingênuo ao aceitar a missão que o Pai me deu com tanta alegria e satisfação. Jamais imaginei que o processo seria tão doloroso! Lembro da missão de amor que o Pai também deu a Jesus, e eu não conseguia compreender como foi que ele conseguiu cumprir a tarefa a custa de tanto sangue! Hoje, eu me sinto percorrendo um calvário parecido com o dEle, só que a custa de muitas lágrimas. O dEle foi na via pública, assistido por tantas pessoas que ele ajudou e curou, fustigado pelo chicote até chegar ao local da crucificação. O meu se passa na solidão do meu lar, assistido apenas pelas lembranças de tantas pessoas que amo e quero comigo, fustigado pela saudade até o destempero das lágrimas.

Jesus ainda teve uma morte rápida, não conviveu muito tempo com os verdugos e mal-agradecidos; eu não tenho essa sorte, devo me arrastar pelo caminho que o Pai me ofereceu, com essa carga de saudade no peito, sofrendo a repugnância de quem tanto amo, de quem ensinei a amar, mas não consegui ensinar o truque do incondicional, e portanto, agora sofro as consequências dos amores exclusos.

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 21/02/2013
Código do texto: T4151407
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