CADEIRA DE RODAS
 
 
Miguel, um jovem lutador pela vida não media esforços para alcançar seus objetivos. Acordava cedo e costuma falar aos quatro cantos que “Deus ajuda quem cedo madruga”. Filho de pais pobres havia colocado na cabeça que a todo custo venceria na vida. Economizava tudo e sempre visava o dia de amanhã.
Aos dezessete anos conheceu a linda Janete, uma morena dos cabelos negros e longos, descendente de índios, tinha uma vontade de vencer na vida que somente era superada por Miguel. Janete teve uma vida difícil junto com os irmãos e a mãe, já que foi criada sem o pai que depois do quarto filho foi embora de casa.
Namoraram por três anos e aos vinte anos casaram. Apesar dos votos contrários dos pais de Miguel ele não atendeu apelo de ninguém, queria a todo custo ser feliz ao lado de Janete. A pequena festa ocorreu na casa dos amigos em comum, tudo muito simples, mas a alegria do novo casal e dos amigos sobrepujava qualquer coisa em contrário.
Aos vinte e seis anos, Miguel conseguiu seu primeiro emprego como engenheiro eletricista, o profissional júnior, mas estava contente, já ganhava o suficiente para comprarem uma boa casa, logo sairiam do aluguel, já poderia dar uma melhor condição de vida para Janete e os três filhos do casal. Janete por seu lado decidiu se dedicar totalmente aos filhos e marido, se anulando, segundo ela o homem era o chefe da família e ela assim aceitaria.
Em pouco tempo, já estavam numa bela casa de um condomínio classe média alta, um carro popular para cada um, os filhos estudando, tudo ia de “vento em popa”. Agora planejavam viajar com os filhos e conhecerem outros estados da federação. Queriam proporcionar a eles próprios e aos filhos uma bela viagem de férias.
Miguel vai a procura de uma agência de turismo que pudesse oferecer um daqueles pacotes, com tudo incluso, era mais conveniente e menos desgastante. Pediu algumas dicas de amigos e foi até uma renomada agência, lá chegando é recepcionado por Suzy, uma loira estonteante, que gentilmente lhe indicou uma cadeira e Miguel começou a contar dos seus planos.
Em pouco mais de meia hora de conversa, Miguel saiu da agência sorridente e feliz, mas não era com as férias da família. Ele fora envolvido por Suzy que o convenceu a terem um caso, e ainda pior, viajarem juntos para o Caribe. Miguel havia ficado louco, esquecido da mulher, filhos e o rumo que sempre traçou para sua vida.
Em pouco tempo Miguel deixou de ser aquele marido exemplar para o maior mentiroso da cidade. Em casa, dizia que fazia horas extras, sempre estava ausente etc. disse para Janete que não poderia mais viajar em virtude do trabalho e para completar a destruição do casamento, Miguel acertou um prêmio da loteria, ganhando um valor que mudaria completamente sua vida e de toda sua família.
Mas como estava envolvido com Suzy o homem pirou de vez, começou a beber, chegar pelas madrugadas, novos amigos, noitadas sem parar, deixou o emprego e passava o dia dormindo e a noite toda na rua. Viajava sozinho, não dava mais satisfação à Janete, não ligava para os filhos e em pouco tempo havia se transformado do pai e marido exemplar ao maior canalha em todos os sentidos.
Janete não suportando mais tanta humilhação e a ausência do marido e pai dos seus filhos, de forma radical, decidiu separar e ir viver somente com seus filhos, não havia sequer uma noite que ela tivesse paz. Miguel chegava pela madrugada, bêbado, se jogava sobre a cama de qualquer jeito, às vezes quase violentando-a sexualmente. Vomitava no chão da casa, uma verdadeira loucura a vida da pobre Janete.
Quando disse a Miguel que iria embora de casa e levaria seus filhos o homem ficou louco, a espancou, humilhando-a na frente dos vizinhos, foi uma confusão daquelas dignas de programas de TV sensacionalista, parecia aquelas brigas contratadas. Mas Janete estava decidida e foi, levando consigo um pouco de dinheiro das suas economias, os três filhos e a roupa do corpo. Miguel transtornado, juntou todas as roupas que encontrou em casa, fez uma grande fogueira no quintal e ateou fogo, não restando nada.
Janete contou com a ajuda de uma tia, que muito a apoiou, inclusive, cuidando das crianças enquanto Janete foi em busca de um emprego. Logo estava trabalhando e decidida a lutar por sua vida e dos seus filhos. À noite, quando chegava em casa sempre se reunia com os filhos, oravam juntos, normalmente choravam e pediam com muita fé que Deus intervisse em suas vidas, tirando-os daquele sofrimento.
Miguel continuou nas suas noitadas, a cada dia mais dependente do álcool, gastando todo o seu dinheiro. Com falsos amigos, prostituição, todos os dias na sua visão eram feriados, nada mais fazia, apenas se embriagava e curtia adoidado sua vida.
Janete continuou firme nos seus sonhos, os filhos foram crescendo e a vida ficando menos sofrida. Foi estudar, fez um cursinho pré-vestibular se preparou e passou para medicina, tornando-se referência para muitos que lutavam pela vida. Foi homenageada, recebeu ajuda de várias pessoas que viam na sua pessoa algo diferente, uma guerreira, aquela que nasceu para brilhar.
Enquanto Janete crescia, Miguel se afundava e o pior estava para acontecer. Certa noite ao retornar das suas baladas, embriagado, Miguel perdeu a direção e bateu fortemente com seu veículo em um muro de pedras, destruindo uma casa de luxo e sua vida. Dos ferimentos sofridos um foi muito violento, fraturou a coluna cervical, ficando paraplégico. Quinze dias em coma, quando acorda seus familiares ao seu redor parecendo que ali se despediam dele, já que o dinheiro havia acabado, foi necessário vender alguns bens para custear sua enfermidade, além de ter que pagar a reconstrução da casa que ele destruíra com seu veículo.
Havia muito tempo que seu filhos com Janete não queriam nem ouvir falar dele, muito menos visitá-lo numa situação dessas. Ficou por longos oito meses hospitalizado, saindo do hospital para a casa dos seus pais. Destruído, agora não podia mais andar com sua pernas, estava em uma cadeira de rodas. Seus sonhos já não existiam mais, os amigos sumiram, as mulheres bem longe estavam, agora era somente ele e uma profunda dor de arrependimento por tudo que havia feito, inclusive contra Janete e seus filhos. Em sua cadeira de rodas vivia a refletir sobre sua vida, pelo mal que fizera para Janete e seus filhos. Vivia a chorar e pedir perdão.
Passado algum tempo, ao chegar em casa e descer do seu carro, Janete é interpelada por uma velha senhora, a qual ela nem se recordava mais, era a mãe de Miguel. Com certa dificuldade pela idade disse que queria lhe falar um minuto, Janete no primeiro momento não queria lhe ouvir, mas pelo forte apelo aceitou.
A mãe de Miguel conta-lhe todos os detalhes do acidente, de como está sua vida, e pede ajuda de Janete para colaborar com a fisioterapia de Miguel, já que era médica e muitos amigos tinha, podendo contribuir para aliviar a dor do seu filho. Janete foi dura na resposta: “e a minha dor quem me ajudou a aliviar? Onde ele estava quando tive que cuidar de três filhos, trabalhar, estudar, passar necessidades viver noite e dia sem a certeza de poder alimentar meus filhos. Não quero saber da vida do seu filho, que ele seja feliz o colha tudo que ele plantou”.
Janete se despediu e entrou em casa, ao fechar a porta desabou em lágrimas, foi amparada pelos filhos que apenas observavam escondidos, já que nem quiseram atender a porta para receber a vó que também os abandonou. O filho de mais idade disse: “mãe, se a senhora quiser perdoar o papai fique a vontade, mas nós não o perdoaremos, ele foi muito cruel conosco, ele que sofra e coma de toda maldade que ele plantou, que busque nas prostitutas ajuda para sua dor”. Janete apenas continuou no seu silêncio, mesmo tendo sofrido muito não guardava qualquer mágoa, queria apenas esquecer o seu dolorido passado.
Após alguns meses acompanhando a distancia o sofrimento do ex-marido, decidiu ajudá-lo, indicando-lhe um amigo que passou a realizar as sessões de fisioterapia, mas deixou claro para seus filhos que era somente aquilo, que jamais poderia ter qualquer outro sentimento com relação ao pai deles, mesmo vivendo sozinha. Em nove meses Miguel veio a falecer de pneumonia, sofreu muito, tanto pela doença como pela dor de arrependimento por tudo que fez contra sua família.
Durante dois anos Janete e seus filhos frequentaram uma sociedade de ajuda à famílias, juntos buscaram apagar de suas mentes as dores suportadas pela falta de amor do pai e ex-marido, um homem que se transformou em alguém cruel e desumano, que não soube administrar o dinheiro que ganhou, se deixando contaminar por bajulações e desejos banais, sendo envolvido por falsos amigos e mulheres aparentemente inocentes, mas que na busca do dinheiro destroem a família de qualquer um que atravesse o seu caminho.
Quando se nega o amor, seja ele de pai, companheiro ou amigo, entra-se por um caminho estreito e perigoso, porque poderá precisar do mesmo amor e não receber quando mais necessitar. Essa é a lei da vida, colhe-se o que se planta