SONHOS DESFEITOS
Andava como se estivesse correndo, sempre! Aliás, não andava. Corria. Para cá e para lá, de lá para cá. Eram tantos os afazeres, os compromissos...responsabilidades de uma mãe solteira que se impunha dar o melhor para sua filha.
Sentia-se mais que responsável pela vida que colocara no mundo, exigia-se acertar. Precisava ver sua filha crescer, ser feliz. Queria vê-la bem !
Talvez, quem sabe, um pai para ela fosse o ideal. Pedia tanto ... Mas não haveria de ser um pai qualquer, teria que ser alguém com caráter, com sonhos ... alguém que conseguisse ver a beleza da vida, sem no entanto deixar de ter os pés no chão. Enquanto pensava nisso ia trocando correspondência com seus colegas poetas, escritores (uma forma de amenizar a solidão, já que sua vida consistia em trabalhar em período integral numa empresa, ao fim do dia visitar clientes para vender Avon, Christian Gray, DeMillus ... depois cuidar da filha, da casa e próximo as 23 horas deitar, exausta e sentindo-se terrivelmente só. Até que descobriu a correspondência (ainda não eram tempos de internet ...) redescobriu a poesia... Já não doía tanto a solidão. Era suportável.
E dentre seus correspondentes, um acabou mudando a forma com que se comunicava. De amiga, passou a chamá-la de querida, depois de amada. E apareceu para conhecê-la, pediu-a em casamento, mostrou-se o pai ideal para sua filha. Entre eles pareceu nascer uma simpatia imediata. Ela via a pequena mais feliz. Decidiu amá-lo, o que não foi difícil. Naturalmente apaixonou-se. Foram felizes por alguns anos, até que o alcoolismo dele viesse a tona sem jamais ter sido imaginado por ela. Dia após dia, no decorrer dos anos seguintes, foi vendo seus sonhos desmoronarem. A admiração que a levara a amá-lo ia se perdendo... até a completa desilusão, quando o único sentimento restante era a compaixão humana.
E então, sua filha adolescente cobrando, criticando. Não aceitando mais o pai que tanto havia pedido, desejado.
Dores, lágrimas e a vida seguindo sem rumo, sem esperança, sem vontade, sem volta ...
Só lhe restava continuar correndo. Era novamente uma mãe solteira, agora mais machucada, mais descrente. Correr talvez fosse uma forma de fugir de si mesma, dos problemas, dos próprios pensamentos. Assim, exausta, conseguia dormir e esquecer. E ter forças para no dia seguinte continuar vivendo.