As dúvidas do amor
O céu estava lindo, a lua entrelaçada de mistérios. Era a noite de despedida dos alunos de arquitetura da minha faculdade, que partiriam rumo a Chicago, no programa de intercâmbio. Sem dúvida uma noite inesquecível. Eu sempre soube que ia me apaixonar por alguém, mas não imaginei que fosse assim tão cedo.
Eu acabara de iniciar o estágio numa multinacional, estava ainda no terceiro período da faculdade, mas já estagiava. Quem me indicou a essa vaga de estágio foi a Antônia, uma amiga que eu fiz lá na faculdade, mas que certamente levarei pra vida toda. Segundo ela, eu era a pessoa ideal para a vaga, e os gestores lá da empresa também acharam.
A Antônia sempre foi muito popular. A mãe dela diz que ela é assim desde pequena, uma meiga. Todos lá da empresa fizeram questão de homenageá-la. Todos, sem exceção. Ao terminar o expediente seguimos a uma casa de shows ali próxima ao trabalho. A Antônia nos esperava na porta com um amigo dela, o Miguel.
Imediatamente nos apresentou e não só ele, como todos ao redor, perceberam meu desconforto ao vê-lo de perto. A Antônia já havia me mostrado umas fotos dele, mas e daí? Eram fotos. Pessoalmente ele era muito mais bonito, atraente, simpático e todos esses detalhes que a gente não percebe na fotografia.
Ele era alto, atlético, cabelo louro escuro, lindo, todo lindo. A pele era branquinha como uma neve, e fazia um belo contraste com os lábios vermelhinhos. E eu não conseguia parar de olhar e já não me importava mais em ser discreta.
A Antônia seguiu conosco para a mesa e eu não conseguia nem andar direito. Na cadeira, cruzava e descruzava as pernas. E ele fazia questão de me encarar. Sabia que eu que me irritava, mas até que estava gostando daquele jeitinho desconcertado. Resolveu então puxar assunto, perguntou o que eu fazia da vida e iniciamos uma conversa. Ele disse que não ficaria até o final por motivos pessoais, mas anotou seu telefone num papel e pediu pra que eu ligasse. Que ousado.
De longe a Antônia sacou tudo. Discretamente levantou e disse no meu ouvido pra eu não deixar de ligar. E assim que cheguei em casa, eu liguei.
Ele sugeriu que acompanhássemos a Antônia até o aeroporto, e eu aceitei. Chegando lá, entregamos a ela um porta retrato com a foto que tínhamos tirado na noite anterior, nos despedimos e ela embarcou.
O Miguel então sugeriu que tomássemos um café, mas eu nem quis ir. Não queria estar muito disponível a ele. Então ele me deixou num táxi, segui pra casa.
Recebi então um torpedo dele, me chamando pra sair. Respondi que realmente estava saindo, mas pra comprar umas ferramentas de trabalho e ele disse que me acompanharia. Feito isso, assistimos a um filme, tomamos um sorvete e fomos embora.
Depois nos encontramos outras três vezes, mas somente na quarta e última, nos beijamos. Nesse momento meu coração batia forte e cada vez mais forte. Lembro até hoje e certamente lembrarei até o último dia da minha vida.
Após essa noite não nos vimos mais. Eu soube por uma amiga que ele estava se envolvendo com uma menina da academia, mas nem achei que fosse algo sério. Mas ele me ligou, disse que queria conversar, que tudo o que aconteceu foi bom, mas que estava começando um namoro e por isso não nos veríamos mais. E não nos vimos. Eu chorei dias, meses, fiquei magra. Magérrima. Esperava que tivéssemos futuro, mas não tivemos.
Decidi então seguir minha vida e comecei a sair com o Bernardo. Ele era inteligente, de família, boa pinta... E chato! Me dava sono, se achava o mais poderoso, o mais esperto, o mais boa pinta. Mas não era nada disso!
Fiquei sozinha e sozinha só pensava nele, só queria ele ao meu lado. Lembrava-me da burrice de não ter aceitado seus inúmeros convites pra sair. Que talvez fosse naquele momento a preferência dele e ela apenas uma possibilidade, mas uma possibilidade que mostrou pra ele que poderia ser mais que isso e que passou a ocupar um lugar que deveria ser meu. Eu me achava patética por nunca ter tido coragem de dizer o que eu pensava, sentia.
Minhas amigas me julgavam, me chamavam de maluca e diziam sempre que era com o Bernardo que eu deveria estar e que ele me amava. Como se estar nessas condições fosse opção minha.
Eu esperei o homem da minha vida durante sete anos e por uma ironia do destino, nos encontramos em um lugar que jamais imaginei encontrar alguém: no museu. Eu estava lá a trabalho e muito cansada. Era um projeto novo e que me tirava o sono. Eu vestia uma camisa de manga roxa, calça jeans e sapatilhas na cor bege.
Quando ele passou minhas colegas de trabalho suspiravam fundo e me cutucavam pra eu olhar o que elas chamavam de deus grego. Foi ali que o vi passar. Elas não sabiam desse meu amor, muito menos que eu era apaixonada por alguém. E mais uma vez, deixei o ir. No término do projeto, já pronta pra ir embora as meninas resolveram comer. Irritei-me. Estava cansada, queria minha casa, banho e uma cama. Sentei num banquinho, esperei-as comer. Ele passou por mim mais uma vez e eu nem quis saber se ele tinha ou não me visto. Pulei na frente dele e ele surpreso, perguntou o que eu fazia ali. Ficou feliz em me ver, saber que eu tinha sido promovida, achou que eu tivesse bem. Não sabia que eu ainda era apaixonada e eu nem falei nada. Só queria sentir aquele perfume, cheirinho de roupa limpa e olhar aquele sorriso bonito, aquela boca vermelha que eu amava.
O Miguel já estava indo embora, e como estava vindo pra casa de um amigo que mora próximo a minha casa, me ofereceu carona. Eu aceitei. Não podia mais uma vez deixar o amor da minha vida ir embora. Viemos conversando e ele perguntou se eu tinha alguém. Respondi que não e bem vi que ele sorriu, planejando algo. Só que não. Ele me deixou no metrô e eu vim embora sem muitas esperanças.
Por incrível que pareça, eu não lembrava o número dele e na tentativa de apagá-lo da minha vida, me livrei de tudo que me fizesse lembrar dele. Deixei muitas amizades, evitava passar perto da rua dele.
Só que o destino mais uma vez nos aproximou. Dessa vez nos vimos no ponto de ônibus. Só que as coisas aconteceram diferentes e dessa vez, foi ele que não me deixou passar. E eu transbordei mais ainda de amor, claro.
O Miguel me deu de novo seu telefone e naquele momento percebeu que eu ainda sentia pelo menos uma atração física por ele.
Ele sempre foi uma pessoa muito decidida e direta. Não gostava de enrolação. Ou era ou não era. E como eu sabia que era mais uma vez uma escolha dele, eu decidi fazer tudinho da forma dele.
Ele me chamou então pra conversarmos em um lugar lindo, calmo, fresquinho. Ele disse que sabia do meu amor por ele e que naquele momento também queria ficar comigo. Disse que tinha mudado e que eu estava muito bonita, com um corpo muito bonito. Beijou-me novamente e foi muito melhor que antes. Muito mesmo! Nesse mesmo dia ele tinha que encontrar a mãe em um centro comercial e como estávamos próximo, fui com ele. Ela disse que eu era muito bonita e eu nem estava. Era um dia de sol quente, eu vestia uma camisa de oncinhas, bermuda branca e cabelo preso. Estava definitivamente molambenta!
O Miguel me chamou pra jantar. Ele era amante de comidas japonesa e eu nunca tinha comido. Esse dia foi bem engraçado, ele queria que eu comesse um 'Hot Philadélphia', mas eu fiquei com medo de não gostar e destruí aquela bolinha de arroz envolvida com fita preta. Resolvi comer pizza. Ele riu.
Apesar do tempo não tínhamos tanto assunto assim. Parecíamos não ter nada a ver um com o outro. Mas não era bem isso. A verdade é que eu morria de medo de me envolver novamente e acontecer de novo o que já tinha acontecido.
O Miguel também não estava muito seguro comigo, porque o tempo todo eu pisava nele, dizia que ele era o culpado pela minha infelicidade e amava ouvir aquela voz baixinha me dizendo que tinha mudado e que dali pra frente às coisas seriam diferentes. Mas eu só queria pisar nele e nada mais. Ele se irritava muito comigo e já não aguentava mais dizer as mesmas coisas, aquilo deixava o cansava.
Namoramos três meses e eu achava que as coisas iam bem até um dia descobrir que ele não estava satisfeito comigo, com minhas desconfianças e nas formas protocolares de um namoro, terminamos. Umas desculpas dele e algumas justificativas minhas. Eu fiquei muito triste, mais pela beleza do namoro do que pelo término. Mais pelo que as pessoas pensariam da gente, do que pelos meus sentimentos.
A euforia que vivi durante todos esses anos passou, mas eu ainda tenho um pouco de curiosidade em saber quais são os verdadeiros sentimentos dele, mas quando pensei em perguntar, ele me beijou. E então eu entendi que o que nos mantinha era a dúvida.