Voando com Deus - Capítulo 3
Para que eu fique ainda mais apavorada, agora eu posso ver as sombras dos sequestradores. Pela conversa que estão tendo, eles estão com uma pessoa, tentando decidir o que irão fazer com ela.
– Mas ela viu nossos rostos! – Sussurra um deles – Não podemos deixá-la simplesmente ir embora.
– Então vamos fazer o que fazemos com a maioria... – Diz o outro, no mesmo tom de voz – Vamos levá-la ao...
– Isso é uma péssima ideia! Ele não vai gostar de nada disso... Nós não deveríamos ter feito nada! Nem sabemos se ela sabe a respeito de quem procuramos. Eu falei para você que tínhamos de falar com o chefe primeiro, mas não... Você tinha de decidir fazer o contrário, não é mesmo?
– Acontece que não temos outra escolha! Não podemos matá-la, nem deixá-la aqui – Ele faz uma pequena pausa enquanto o outro resmunga – Então, está decidido, vamos levá-la ao chefe e assumir o risco. É melhor do que descobrirem tudo.
O meu coração ainda continua acelerado enquanto ouço os passos e as vozes dos sequestradores diminuírem. Murilo está olhando para mim, tentando demonstrar confiança, mas parece não adiantar muito. Tudo o que penso é que vou morrer.
Quando o silêncio reina por um bom tempo, Murilo dá uma espiada, tirando a cabeça detrás do latão de lixo. Ao ver que eles estavam fora de vista ele me solta, levantando-se, e então posso respirar com mais facilidade.
– O que houve? – Pergunto, ao ficar de pé.
– Estou tão assustado quanto você – Diz Murilo.
– Acha mesmo que eram eles?
– Tenho certeza – Diz Murilo, com tanta confiança que quero saber o quanto que ele sabe a respeito deles – Bem, venha. Temos que sair daqui.
Imediatamente saímos da cidade e vamos à escola, no momento exato em que o portão se abre, onde esperamos minha irmã sair.
– Podíamos fazer isso mais vezes – Diz Murilo.
– O quê? Sair?
– Não – Ele olha para mim, sério – Se encontrar com sequestradores.
Incrédula, ignoro o que ele acabara de me dizer, mas sem conseguir não achar engraçado. É claro que não podemos ficar brincando com essas coisas. Isso é sério. Pessoas estão desaparecendo.
– Nah! – Ana grita o meu nome, correndo ao meu encontro. Ela tenta me abraçar e eu a afasto com minhas mãos no mesmo instante.
– Desencosta.
– Nah, por que você está toda suja? Isso é sorvete?
Eu olho para Murilo, sem saber o que dizer para a minha irmã. Como ele apenas fica quieto, não tem outro jeito, senão me despedir dele e deixar Ana sem uma resposta. Então eu dou um último abraço naquele garoto incrível e vou para casa com minha irmã. No caminho ela fala sem parar, perguntando-me como foram minhas aulas, puxando assunto, porém eu a ignoro completamente com meus pensamentos bem longe daquele lugar. Apenas pensando no que aconteceria se os sequestradores tivessem nos visto.
– Nah, você não foi para a sala depois do intervalo, não é? Você saiu com Murilo pela cidade.
Sou pega tão de surpresa que nem sei qual a expressão do rosto que tenho de fazer e muito menos o que devo falar.
– Na-não... – Gaguejo – Eu não...
– Para, Nah. Eu vi você. E, se isso é verdade... Bem, então deve ser verdade também o que Gabriel me disse.
– Quem é Gabriel?
– O mensageiro de Deus.
Esse assunto novamente não, eu penso. Por que Ana insiste tanto em falar de Deus para mim e para minha mãe? Estou muito curiosa para saber o que é que está acontecendo com ela. Quero saber quem é que está contando essas baboseiras para ela, impedindo-a que ela durma à noite.
– Você está tendo muitos sonhos malucos, não acha?
– Não são simples sonhos, Nah – Ela diz, confiante – E também não são malucos, tá? São sonhos reais.
Solto uma gargalhada.
– Sonhos reais?!
– É... Um sonho que ao mesmo tempo é real. É como uma mensagem avisando do que vai acontecer. Gabriel me disse que você iria para a cidade e você foi... Ele só errou uma coisa. Ele disse que você estaria em perigo. Mas isso não é verdade, né?
Eu chuto uma pedra no meio da estrada de terra. O sol acima da nossa cabeça está quente, por isso bebo um gole d’água da minha garrafa e dou um pouco para minha irmã. O que ela está dizendo para mim não pode ser real. Como isso é possível? Esse tipo de coisas não acontece. É tão irreal quanto acreditar que Deus existe.
– Isso é bobagem, Ana.
– Pode até ser... Então como ele sabia que você iria para cidade? Você nunca cabula aula... Se mamãe soubesse...
– Não se atreveria a contar a ela! – Digo, em pânico.
– É claro que não... – Ela diz, mas não com muita confiança. E por isso tenho razão em temê-la.
– Ana, foi só coincidência... É algo raro de acontecer, mas acontece. Você quer apostar que você não sonha com algo parecido de novo?
Eu estendi a mão, mas Ana apenas a olhou, bufando.
– Então... você quer mesmo apostar que eu vou ver o anjo Gabriel pela milésima vez?
Eu volto minha mão junto ao meu corpo rapidamente, incrédula.
– Você já sonhou com isso mais de uma vez?
– É! – Diz ela, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
Então eu paro de conversar com ela, finalmente. Do jeito que ela é, só pode estar inventando tudo isso. Não tem como isso acontecer, não tem. Sonhos são apenas sonhos.
Quando chegamos a nossa casa, o almoço está pronto, o que dá a entender que tudo voltara ao normal. Depois de comer, vou novamente para o meu quarto estudar enquanto que Ana faz o que quer. Esta é a minha rotina: Vou para a escola, converso com Murilo, volto para casa, almoço, estudo, minha mãe chega, faz o jantar, comemos e vamos para a cama, que tem sido um lugar sinistro ultimamente. Essa é a vida que estou levando, porém, estou com uma sensação estranha. É como se tudo fosse mudar. Sinto que essa rotina está prestes a acabar... Só espero que não seja de uma forma ruim.
Depois do jantar, quando estou indo dormir, passo rapidamente pelo quarto de minha mãe e algo me chama a atenção. Neste momento ouço Ana conversando com alguém, mantendo a voz baixa, mas o suficiente para que eu possa escutá-la:
– Pai, não sei se você pode me ouvir agora... mas eu te peço, por favor, cuide da minha família...
Se eu me olhasse no espelho agora, eu veria uma garota extremamente confusa, querendo saber imediatamente o que está acontecendo. Será que eu ouvi direito? Ana está mesmo falando com nosso pai? Por que ela diz “cuide da minha família”? Será que ela pensa que ele tem esta capacidade? Fico fazendo essas perguntas sem sentido algum, até que então eu percebo o que está ocorrendo ali.
– Abençoe minha mãe e minha irmã... – Continua ela – Cuide delas pra mim, porque elas não acreditam que o Senhor exista. Faça com que elas acreditem, por favor... Abra os olhos delas, Papai.
Ao ouvir o seu choro, fico mais arrepiada do que já estou, e confesso que sou uma completa intrusa. O que estou fazendo aqui, invadindo a sua privacidade? Quando me dou conta de que ela está conversando com Deus e não com nosso pai, não sei o que devo sentir... O que ela acha que está fazendo, aliás? Quero saber quando que tudo isso começara. Se nossa mãe a pegar, ela estará frita... Então, como uma boa irmã, eu bato na porta para que Ana se toque que está pensando alto e pare com isso. Depois, sigo rapidamente para o meu quarto.
Deito em minha cama, não conseguindo esquecer o que acabara de ouvir, com minha mente mais confusa do que nunca, tentando achar um modo para que tudo volte ao normal. Fecho os olhos e tento dormir. Nessas horas, é tudo o que poderei fazer. Dormir para esquecer os problemas...
Quando dou por mim, lá estou eu novamente em minha leve camisola, sentindo um frio tremendo.
Encontro-me outra vez em um corredor, correndo como uma corredora profissional, como estivesse fugindo de alguém. Porém, desta vez o corredor está cheio de livros à minha esquerda e à minha direita, formando duas estantes gigantescas que não parecem ter fim. Minha energia agora está ao limite, como se já estivesse correndo por um bom tempo. O corredor parece nunca acabar e estou ouvindo alguma coisa ao fim dele.
– Natália! Natália!
É aquela voz tremenda novamente que faz meu corpo inteiro se arrepiar. Enquanto corro, olho para trás e fico feliz de não ver nenhuma gota d’água me perseguindo, até porque desta vez não há nenhuma porta por onde eu possa entrar. Mas eu escuto um barulho me seguindo... Um som familiar, como se fosse chuva, só que muito mais intenso, como se outra coisa estivesse caindo ao invés de água.
Mesmo cansada, quero continuar correndo. Porém... Depois de muito tempo, eu chego ao fim da linha. Uma única parede branca é o que resta para mim e posso ver o fim das duas estantes repletas de livros. Não tem mais para onde ir. Encosto-me à parede e então espero, com o coração na mão, pelo o que está por vir...
O barulho se torna cada vez mais perto, até que posso ver o que está chegando. Pilhas e pilhas de livros. Eles se aproximam como meteoro, conforme vão caindo da estante. Estão cada vez mais próximos, prestes a me atingir. Desesperada, eu me agarro à parede querendo ir para trás, mas é claro que é inútil. Fecho os olhos e espero ser soterrada pelos livros.
Mas nada acontece. Bem lentamente, eu vou abrindo os meus olhos e então vejo que os livros estão congelados em minha frente, como se o tempo estivesse parado. No meio deles, algo se meche, como se alguém estivesse abrindo o caminho, empurrando os livros para o lado, como se fossem peças flutuantes.
Então, para minha surpresa, a cabeça de um garoto sorridente surge em minha frente.
– Ah, você é a escolhida, não é? – Ele pergunta, olhando para mim com um sorriso.
Quero dizer algo, mas minha voz não sai. Estou sufocada. Ele afasta os livros que estão ao seu redor para que eu possa vê-lo completamente, assim como ele me vê.
– Ei, não fique envergonhada. Você é Natália, não é?
Ele não tira o sorriso que está estampado em sua face. Nunca havia visto um garoto tão sorridente quanto esse. Seu sorriso é tão largo que não vejo o porquê ficar acanhada ou assustada. Estou muito confusa, é claro, mas do jeito que eu vejo, parece ser tão real que é muito fácil me esquecer de que estou sonhando. Estou vendo ele perfeitamente: Sua pele é branca, seu cabelo é preto e todo arrepiado, e está vestido todo de branco, parecendo um enfermeiro.
– Quem é você? – Consigo falar, enfim.
– O que importa? O importante é saber que você é! Procurei você por todo o lugar. Onde é que você esteve?
– O que é que você está falando?! – Digo, intrigada.
– Ah, desculpe-me... Acho que você não sabe de nada. Então acho que terei de falar pra você...
– O quê?
– Ah... Bem... – Ele coloca a mão no queixo e olha para cima, como se lá estivesse a resposta. – Eu me esqueci. Mas você irá saber logo, logo... Se Gabriel ainda não te disse nada, há um bom motivo para você ainda não saber. Sua irmã talvez saiba... Não importa, mas você tem de acreditar no que eles disserem. Isso é de estrema importância.
– Mas minha irmã é maluca!
– Então você também é. Afinal, está conversando comigo, não?
Penso um pouco melhor e vejo que o que ele está dizendo é a mais pura verdade. Eu sou maluca. Eu não deveria estar conversando com uma pessoa que eu nem conheço e ainda mais com alguém que fala nada com nada.
– Eu preciso acordar! – Digo, desesperada.
– Está bem... Mas não se esqueça: Não importa o que você fizer, Deus nunca irá desistir de você. Ele te ama.
Ao ouvir a palavra Deus eu sinto um enorme aperto no coração. Ainda mais vindo daquele garoto esquisito. Ele ainda continua ali parado, olhando para mim, sorrindo. Por que tanta felicidade? Ele nunca para de sorrir? Penso comigo. Será que o que Ana dissera sobre isso não ser apenas um sonho é mesmo verdade?
Fico pensando essas coisas, distraída, e quando olho de volta para o garoto, percebo que ele desapareceu. De repente, como se o tempo voltasse ao normal, os livros tornam a cair e eu sou sufocada por eles sem ter nem tempo de gritar. Aquela voz tremenda, todavia, continua:
– Natália... Natália...
E antes que eu possa entender o que está acontecendo, eu já estou de olhos abertos sobre minha cama. Minha mãe bem ao meu lado, outra vez, dizendo-me o quanto que estou atrasada.
O mais estranho de tudo isso é que, não importa o quanto que eu me esforce, eu não consigo me lembrar do sonho que eu acabara de ter. Eu sei que sonhei com algo, mas não tenho a mínima ideia do que tenha sido e isso me deixa frustrada.
Levanto-me naturalmente, faço minhas coisas habituais e saio com Ana a caminho da escola. Ela ficara quieta durante o café da manhã e estou preocupada, pois geralmente ela fala até demais.
– Está... tudo bem? – Pergunto, hesitante.
Ela fica calada por um tempo, enquanto continuamos andando. Hoje, pelo menos, não está tão calor. Algumas nuvens estão no céu e de vez enquanto elas nos protegem do sol.
– Eu... Eu teria perdido se você tivesse apostado.
Eu fico com um ponto de interrogação na cabeça, esperando ela me explicar.
– É que eu não sonhei com nada hoje... Acho que o anjo se esqueceu de mim.
Então eu me lembro da aposta que eu iria fazer com Ana, que ela não sonharia com algo parecido de novo. Não só isso, mas algo em minha mente quer se lembrar de algo... que talvez eu tivesse tido um sonho parecido essa noite.
– É como eu disse... Só foi coincidência. Ou coisa da sua cabeça mesmo. É mais provável a segunda opção.
Ela não fica brava só porque está bastante chateada para isso. Chegamos à escola e desta vez não há ninguém no portão me esperando, infelizmente. Então vamos direto para nossas devidas salas. E eu, é claro, espero a hora do intervalo, o momento que mais importa para mim.
Como se as aulas já não demorassem a passar, tem de faltar um professor para tudo ficar perfeito. Quando temos aula vaga, não há jeito senão esperar... E tenho ódio de esperar. Parece que fico o dia inteiro na escola. E, ainda por cima, tenho de aguentar a bagunça que os alunos fazem quando não há professores na sala. Aqui fica uma agarração que só. Sou obrigada a ver um garoto sair de sua carteira e ir paquerar uma garota... Até, é claro, eles acabarem se beijando.
Meu rosto imediatamente fica vermelho. Sempre fico constrangida quando eu vejo esse tipo de coisa. Talvez seja o fato de eu nunca ter beijado alguém na vida. Mas não estou desesperada por isso... Pelo contrário. Só estou guardando esse momento magnífico para o único amor de minha vida. Murilo será o primeiro e único garoto a me beijar.
Quando o intervalo chega, corro para o pátio, alegre e ansiosa para vê-lo sorrindo. Algumas meninas morrem de inveja de mim, eu sei disso. Dá para ver em seus olhos, quando eu passo entre elas, indo para o meu habitual ponto de encontro. Murilo é um garoto muito desejado. Chega até ser estranho, porque não tenho ciúmes dele.
De longe, ao avistar a quadra e ver um canto vazio, fico surpresa, pois ele não está lá. Eu estava enganada... Eu podia ter a certeza absoluta de que ele estaria ali, esperando por mim, porque ele nunca me decepciona. Penso que talvez ele tivesse se atrasado hoje e que daqui a pouco ele estaria ali. Então eu me proponho a ficar naquele lugar por algum tempo, esperando ele chegar com aquele sorriso e me abraçar outra vez para que eu possa matar a saudade. Porém só vejo os minutos se passando e nada daquele garoto moreno aparecer. Ao invés disso, a inspetora da escola é que vem em minha direção.
Quando ela está se aproximando, meu coração começa a se desesperar. “Será que ela sabe que eu cabulei aula ontem? O que é que vai ser de mim?”
– Natália – Diz ela – Por favor, me acompanhe – Há algo na voz dela que me incomoda.
Eu a sigo, tentando acompanhar os seus passos largos e rápidos, com a respiração a mil por hora. Vou ser levada para diretoria, tenho quase certeza disso.
– O que aconteceu? – Ouso perguntar.
– Algo grave... – Ela diz, séria.
Chegamos à porta da diretora, mas passamos direto por ela. Fico confusa. A inspetora vai até a biblioteca, abre a porta e faz um sinal para que eu entre:
– É a sua irmã... Ela não está nada bem.
Eu nunca poderia pensar que seria algo pior do que ir para diretoria. Entro na biblioteca, pensando estar ouvindo errado, mas quando vejo minha irmãzinha ali, deitada no chão, o medo invade minha alma sem que eu tenha nenhuma chance de me defender dele.
Os livros... Minha irmã caída no chão... O sonho...
Recebo essa memória perdida como uma pancada. É como se ela só estivesse esperando o momento certo de aparecer. Não tem como isso não ser real... De repente me sinto culpada por ter duvidado dela, minha irmã...
– Ana! Ana! – Eu grito, ajoelhando-me ao seu lado.
Alguns alunos estão a sua volta, preocupados.
– Afastem-se, deixe-a respirar – Diz a diretora. Só agora reparo que ele está ali.
Eu pego na mão da minha irmã, olhando para sua pele pálida, implorando para que ela fale comigo.
Ela abre um pouco seus olhos e tosse. Um pouco de sangue sai de sua boca.
– O que houve com ela? – Pergunto.
– Ela de repente começou a tossir muito, espirrando sangue. Até que ela não aguentou e desmaiou – Explica a professora, também ali presente, com toda a calma do mundo. Queria ver se fosse com a filha dela.
– E por que ela continua aqui?! – Digo, nervosa.
– Já chamamos uma ambulância. Também já ligamos para o trabalho de sua mãe.
– Mas por que não a levaram para o posto aqui perto?
– Aquele posto não é para...
– Não importa! – Eu a corto, já sabendo exatamente o que ela irá dizer – Há médicos lá não é?
Estou indignada. Minha irmã começa a tossir mais uma vez, ainda com sangue. A diretora me dá um pano seco e eu passo em sua boca.
– Ana! Fala comigo, Ana!
Mas ela nada diz. Continua inconsciente.
– Vou ter de levá-la – Eu digo, pegando minha irmã no colo e saindo com ela da biblioteca.
A diretora e a inspetora querem me impedir, mas eu já estou decidida.
– Não vão atender vocês lá – Diz a inspetora.
– Ela é minha irmã e eu não ficarei aqui esperando pela sua morte. Abra o portão. Eu vou até lá.
Saio então com Ana nos braços pelos corredores da escola, enquanto todo mundo fica olhando para nós querendo saber o que está acontecendo. A inspetora corre até o portão e deixa-nos passar. A diretora decide ir conosco, como se tivesse outra escolha.
Saio na rua correndo com minha irmã em meus braços, a diretora logo atrás de mim, tentando me acompanhar. Entro no posto, gritando por socorro, ignorando aquela fila enorme à minha direita. Falo direto com a recepcionista, desesperada:
– Ajudem minha irmã! Por favor!
– Terá que esperar como todo mundo, moça – Diz um velho horrível que está na fila.
A recepcionista apenas olha para mim com seus olhos arregalados, sem saber o que fazer. Parece que ela não passa de uma novata ali que nunca vira uma situação como essa.
– Por favor, minha irmã está mal! – Eu berro.
– Ela está tendo um ataque cardíaco? – Ela pergunta tranquilamente.
– Não...
– Ela está tendo uma convulsão, ou alguma coisa do tipo? – Ela questiona, como se eu tivesse brincando.
– Não, mas...
– Bem, acho que você pode esperar!
Minha irmã tem uma crise de tosse mais uma vez e sangue pinga no chão.
– Ela está mal mesmo – Diz uma senhora bondosa – Alguém faz alguma coisa!
A diretora que viera comigo nem para me ajudar. Ela apenas fica me olhando, esperando a próxima coisa que eu irei fazer. Por sorte, uma médica aparece ali, e desesperada eu vou até ela, implorando para que ajude minha irmã.
– Não fazemos esse tipo de atendimento aqui – Ela diz e tenho vontade de socar aquele rosto bonito. Mas não tem como eu fazer isso com minha irmã nos meus braços.
– Você é média ou não? Comprou seu diploma, foi?! – Eu me iro – Se minha irmã morrer, você vai ser a culpada.
Ana tosse mais uma vez. A médica analisa a gravidade.
– Venha, leve-a para minha sala – Depois ela se vira para a recepcionista – Vou precisar de ajuda aqui.
Um pouco aliviada, eu sigo a médica, entrando em sua sala e colocando minha irmã com todo cuidado na maca.
– Ligaram para o hospital? – A médica pergunta.
– Uma ambulância está a caminho.
– Certo... Você, fique lá fora, por favor. Vou ver o que posso fazer até a ambulância chegar.
Como não tenho opção, apenas agradeço:
– Obrigada.
E enfim espero. Vou respirar um ar puro lá fora, enquanto veem em que estado se encontra a saúde da minha irmã. A diretora vai para a escola, dizendo que tem muitas coisas a fazer. Eu encosto-me à parede e olho para o céu. O tempo está fresco... Do jeito que Ana e eu gostamos. Por um momento me pego de surpresa quando digo em voz baixa:
– Deus... Se você existe, cuide da minha irmã...
Mas depois penso o quanto isso é bobagem. Isso depende dos médicos, não de Deus.
Minha mãe chega dentro de dez minutos, quando já estou impaciente. Também nesse momento eu vejo uma ambulância estacionar ao lado do posto.
– Onde está Ana? – Minha mãe pergunta, apavorada.
– Está lá dentro...
Minha mãe entra correndo. Médicos andam de um lado para o outro. Espero um pouco antes de segui-la.
Quando entro no corredor, vejo minha mãe conversando com a médica. Ela explica para minha mãe que Ana está com uma doença que eles desconhecem e que ela deverá ser transferida para analisarem melhor. Médicos entram no posto pedindo informações e, quando dou por mim, minha irmã está sendo colocada na ambulância. Eu nunca poderia imaginar que veria uma cena como essas. Isso é muito doloroso.
– Apenas uma pessoa pode ir conosco na ambulância! – Diz alguém.
Minha mãe se vira para mim e diz para eu ir para casa, que vai ficar tudo bem.
– Certo... – Eu digo com o semblante entristecido.
Apenas os vejo partirem e eu ficando para trás... Quando olho ao meu lado vejo que a médica está ali. Ela apoia sua mão em meu ombro e diz:
– Sua irmã vai ficar bem.
Mas pelo tom de sua voz, não me parece que está dizendo a verdade.
– Quais são as chances disso, doutora? – Eu pergunto, docilmente.
Ela demora um pouco para responder.
– Pequenas... – Diz ela, triste.
A médica dá meia-volta e retorna ao seu trabalho.