A HISTÓRIA DO AMOR E DA FELICIDADE

A paixão era a irmã mais nova do amor. Exuberante, graciosa, decidida, mas muito, realmente muito teimosa e intempestiva. Paixão e amor viviam em pé de guerra, briguentas, desvairadas, porém ambas se amavam demais e se sentiam inteiramente completas. Nesse ínterim existia um terceiro elemento, a imperceptível irmã inveja, sempre odiosa, agourenta e vingativa. A inveja melindrava sua solidão e se incomodava com os risos e as discussões calorosas do amor e da paixão que seguiam dias a fio, já que a própria inveja era casada com o triste e silencioso egoísmo. A paixão e o amor partilhavam, contudo, da frustração de não saber para onde teria viajado e se perdido a tão arguta e admirável felicidade. Todavia, a paixão era inconseqüente e sem dar importância ao que aconselhava o amor, ela sustentava um perigoso afeto: era grande amiga e admiradora incorrigível do impulsivo ciúme, sendo este o inimigo mortal da fidelidade que nutria secretamente um imenso carinho pelo amor.

Então a inveja – inflexível e perspicaz -, observando o cenário favorável que se apresentava para suas maledicências, juntou-se às poderosas feiticeiras disputa, falsidade e traição para se vingar e separar definitivamente o intransponível amor e a indestrutível paixão. Assim, a ardilosa inveja – com ajuda de alguns feitiços – começou a colocar em prática a sua execrável rede de intrigas. Um invólucro de mentiras que tinha por intento separar, segregar e enfraquecer para sempre o amor e a paixão. Porque juntos eles eram a personificação da beleza, da prudência, da serenidade, da cautela e - sobretudo – de todas as todas as coisas que suas próprias naturezas lhes competiam. Mas esse laço tinha uma fissura, uma fraqueza, que era o capricho e a teimosia da paixão que defendia, cegamente, suas razões sisudas e instáveis sem se colocar no lugar do outro. Nesse ínterim, passando-se despercebidas, as bruxas “disputa”, “falsidade” e “traição” entregaram um punhado de sementes mágicas à inveja e lhes garantiram que de uma árvore chamada desconfiança sairiam dois frutos nefastos: a tentação e a desavença.

Todas as noites a inveja plantava um pouco das sementes mágicas num bosque denso chamado sentimento enquanto esperava amadurecer os frutos da desconfiança. Finalmente o circo estava armado e a inveja com todo plano já arquitetado em sua cabeça atraiu o amor para o bosque do sentimento, dizendo-lhe que alguém ali o procurava desesperadamente. Muitas luas depois, cansado de caminhar, com fome e sem ter encontrado ninguém naquele labirinto vazio, o amor sentou-se embaixo de uma grande árvore com frutos brilhantes e sedutores. Sem hesitar ele saboreou a tentação e percebeu um encanto estranho e terrível crescendo dentro de si como uma doença. Exasperado ele pediu socorro e viu surgir à sua frente a frondosa figura da felicidade. O amor extasiado pela presença daquela que era o motivo maior de sua demanda a ela se entregou de corpo e alma. Nesse mesmo momento chegava ao bosque o egoísmo que se deparou com a inveja a se entregar ao amor enfeitiçado pela tentação que havia consumido. A paixão, que sem saber, havia experimentado – dias antes – a desavença oferecida a ela pela inveja, observava atrás de um arbusto o amor e o ciúme a possuir a fidelidade. Era o reverso da medalha. Mas tudo não passava de uma ilusão, um truque mágico para enganar o amor e a paixão com estas visões incomensuravelmente equivocadas. Quando o encanto dissipou-se a verdade irresoluta apareceu: o amor enfeitiçado pela tentação entregara-se à inveja, esta ferindo o orgulho e colocando em descrédito a fidelidade, enquanto – por fim – a paixão encolerizada sentiu-se traída pelo amor e pelo ciúme. E o manto do silêncio foi rasgado pela gargalhada brutal da inveja.

Contudo, a inveja havia sido enganada pelas feiticeiras e a desavença tinha um encanto que jamais poderia ser quebrado: a desesperança. A paixão alimentada pelo ódio rompeu todas as suas relações com o amor e transformou-se num fogo tão intenso que engoliu a essência de todos que ali estavam, exceto do amor e da fidelidade. E assim a paixão tornou-se violenta e sentenciou o amor com um penoso castigo: “somente quando encontrares a felicidade terás força para vencer-me. Sem ela a fidelidade será apenas uma sombra que te acompanha; o ciúme a mais pavorosa das ameaças; a disputa, a falsidade e a traição serão sussurros da enganação; a tentação um pesadelo que lhe persegue e eu – apoiada pelo meu marido, o egoísmo – serei a eterna ladra de todas as tuas certezas”. E assim o amor iniciou sua grande jornada pelo mundo em busca da felicidade perdida que um dia venha resgatá-lo.

Arquiduque de Ignaros
Enviado por Arquiduque de Ignaros em 10/01/2013
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