AMOR DE REPARTIÇÃO!
1970,era só mais uma tarde fria, assim como frio estava meu coração que esquecerá o amor, eu não sabia mais minha identidade “Jonas Farias”, lembrava somente de ser um funcionário público da receita federal, amargo, azedo, morto de sentimentos.
Meu relacionamento era fiel e rotineiro aos documentos que eu expedia da repartição todos os dias, mal tinha tempo de acender meu cigarro e beber minha dose de cafeína.
Eram aproximadamente 14h quando entrou uma moça loira, olhos verdes, estatura mediana, corpo esbelto com belas formas, lábios grossos, seios fartos, confesso que rabisquei duas ou três assinaturas, pois aquela mulher que seria a nova funcionária da repartição conseguirá mexer com minha atenção.
Ela aproximou-se singelamente, pôs sua pasta em minha mesa, apresentou-se como Ana e pediu-me a ordem de serviço para começar sua jornada no novo emprego, apossei-me de um sorriso não dado havia anos que me deixou perfeitamente constrangido, pois todos colegas de trabalho presenciaram o fato, porém o constrangimento foi pouco para conter minha empolgação, de fato essa nova funcionária mexeu comigo, pois além de linda era dotada de simpatia e simplicidade.
Ao final do expediente fui para meu “duplex”, preparei uma dose dupla do meu uísque e desta vez sem gelo, tomei em um só gole para tentar acabar logo com aquela inquietação estranha em meu peito, acendi um cigarro após outro, coloquei no meu toca discos o vinil de “Tom Jobim” e ao som de “desafinado” Ana apareceu em minha mente e dela só saiu quando o pileque me condenou ao sono profundo.
Amanheceu, vesti meu terno surrado e fui a caminho de minha rotina semanal, desta vez desolado por ser sexta-feira, coisa que nunca acontecerá antes. Porque será que eu estava assim?
Cheguei e logo fui para minha mesa e aos papéis que me esperavam, todos me cumprimentaram e tímido acenei com a cabeça, iniciei o turno com uma enxaqueca abominável, Ana chegou linda com um vestido vermelho, sentou-se ao meu lado e começou seus afazeres, as palpitações que tive foram tão intensas que fizeram esquecer a dor de cabeça.
Chegará o intervalo e lá eu estava com a xícara de café e o cigarro na mão e para minha surpresa ao meu lado ela aparecerá também com um cigarro entre os dedos, e deste momento em diante começou nosso verdadeiro diálogo, rimos e conversamos muito nesses 15 minutos, descobrimos semelhanças intrigantes, além de fumante Ana é fã de “bossa nova” e “Tom Jobim”, era separada e apesar da simpatia compartilhava comigo as mesmas amarguras.
Voltamos a repartição e incrivelmente o tempo pareceu passar mais rápido, quando estávamos saindo resolvi convidá-la a ir em minha casa, e mesmo com a timidez trincando minha voz consegui executar o convite, Ana aceitou, afinal que mal faria dois conhecidos conversarem algumas horas, sendo a sexta- feira a entrada do fim de semana.
Fomos rumo a meu “duplex”, e ao entrarmos Ana apaixonou-se pelo jardim de inverno que envaidecia minha humilde residência, curiosa perguntou quem havia feito, e claro respondi com satisfação que tinha sido eu próprio, fomos para sala sentamos no único sofá que eu tinha de dois lugares, ouvimos música, bebemos. Rimos das piadas do meu programa de rádio predileto, trocamos confidências e beirando 3h da madrugada Ana adormeceu em meu ombro.
Ofereci-lhe minha cama e dormi no mesmo sofá onde passamos ótimos momentos, o sábado chega, mas cansados não apreciamos o raiar do sol, beirava meio-dia quando resolvi abrir os olhos.
Fui até o quarto, ela já estava acordada, ficamos frente a frente alguns minutos intactos, imóveis, calados, ah! Eternos minutos que quando passados foram transbordados de confissões, meu instinto agiu mais rápido que a razão e logo declarei minha atração, paixão, amor, amizade, carinho ou sabe-se lá que mais sentimentos eu tinha já que eram tantos que me deixavam confuso, no entanto fui surpreendido pela reciprocidade, Ana porém com uma singela sinceridade disse-me no momento não poder me tocar, me sentir, ser minha completamente de corpo e alma já que seu coração pertencia a um antigo amor ainda antes de seu casamento, que morreu para salvar o amigo de um assalto quando os dois passeavam em São Paulo.
Automaticamente perguntei-lhe se o nome dele era Marcos, e houve a confirmação, empalideci e sentei mudo na cama, após alguns segundos com a voz falha falei: “o amigo era eu”, choramos abalados e entrelaçados no abraço consolador.
Quando conseguimos atingir o estado normal, quase naturalmente os nossos lábios encostaram-se e mesmo eu nunca acreditando ser possível reconheci naquele beijo a mulher de minha vida.
O fim de semana acabará, e Ana ali comigo, fomos juntos para o trabalho, nunca uma segunda-feira teria sido tão descontraída em minha vida.
E daí em diante declarei-me o homem mais feliz do mundo, já que julguei achar a minha alma gêmea. Nada seria melhor em minha vida ótimo emprego e uma linda mulher que eu amava.
Foi tudo muito rápido em 1 mês estávamos morando juntos, em 3 estávamos casados no papel e depois de um ano nasceu o primeiro fruto de nosso amor que em comum acordo chamamos de Marcos.
Nossa vida foi muito intensa, nos amávamos infinitamente, nos protegíamos como dois anjos e éramos melhores amigos. Passamos por muitas situações juntos, coisas ruins como falecimento de entes queridos e também boas como viagens, casamento e formatura de medicina de nosso filho, o nascimento de nossos netos, as brincadeiras e mimos com os mesmos.
Porém hoje, 4 de outubro de 2035 estou aqui só, angustiado e já com oitenta anos dividindo com todos o amor maravilhoso com Ana até o último dia de sua vida. Ela faleceu faz três dias e deixo aqui registrada nossa história, porque sinceramente espero logo que Deus permita o nosso reencontro.