Dependência

Por tantas vezes juramos que esse dia não ia chegar, chegamos a realmente a nos comunicar com o olhar e a alma, mas agora vejo que eu falava sozinha, eu sentia singular e vivia solitariamente em unidade. Você me fazia extasiada com o entorpecente da sua presença, que raramente aparecia de boa vontade. A sua falta me dava abstinência, e nos celulares dos meus camaradas eu procurava você, que era meu ponto fraco, minha droga, para preencher meu vício.

Agora eu vejo que você é como uma substância ilícita, que vem, alucina, desperta, enlouquece, apaixona e depois passa, deixando como toda droga o silêncio das lágrimas, a demência e a derrota. Se por acaso eu te quiser de novo, vou ter que pagar mais caro, para você me usar mais vezes, porque dá primeira não foi o suficiente, eu te divulguei pouco, te promovi pouco, te ajudei no mínimo e as únicas pessoas que eu atrai pra você foram apenas vítimas, usuários ingênuos, que agora se acham espertos por estar com você, mas depois vão se sentir menores do que o pó que você consome.

De vez em quando me vem na cabeça a sua falta de senso, na minha boca, seu gosto insosso, no meu corpo a sua essência traumática, chego a sentir de novo a tremedeira doentia que enfrentava ao te ver partir. Desejo em momentos te ter tão longe, que acabo me rememorando da última imagem que tenho gravada de seu rosto, refletida nos meus pesadelos, vestida de ilusão para as pessoas que te rodeiam, querendo te consumir o quanto antes. De longe, eu te observo, examino com prazer, mas o que você não faz me derruba, seu olhar me despedaça aos poucos, mas só eu percebo.

Finge não me conhecer, despreza, nem ao menos seu sorriso malicioso pude perceber em seu rosto, pulou a minha vez, mas o que me deixou entusiasmada foi não receber um aceno de adeus. Seria demais dar adeus a um consumidor, mesmo que reabilitado, porque um dia eu ainda vou me absorver de você, porque toda vida necessita de uma droga para ser irreal e perfeita temporariamente.