Uma nova tragédia antiga

NOTA DO AUTOR: Este é o ultimo texto do ano, escrito para ser amado ou odiado, em todo caso, FELIZ NATAL!!! Ou como diria Papai Noel ao estacionar perto do Congresso Nacional: “Rou! Rou! Rou... Baram o meu trenó!!!!!”

ROTA E JULI-MEU (uma nova tragédia antiga)

(Autor: Antonio Brás Constante)

Era uma vez um escritor que sentou seu vasto traseiro em uma singela e resistente cadeira e começou a escrever algo do tipo: “era uma vez...” (bateu uma vontade de escrever isso e por impulso escrevi, mesmo correndo o risco de alguém sentir uma vontade impulsiva de me xingar, ou sei lá, mil coisas...).

A história começa falando de um cara que os amigos chamavam de “Rota”. Ele era um descrente total. Ateu de carteirinha e acreditava piamente que não acreditava em nada. Ela, a mocinha desta história, era uma jovem extremamente religiosa, catequista voluntária, seguidora dos preceitos de suas crenças, criada em uma família conservadora e fervorosamente religiosa. Mas mesmo assim era uma jovem descolada e moderna, que acessava a internet e usava sempre o mesmo Nick: “Juli-MEU” (ninguém sabia ao certo se o “MEU” em seu nick eram as inicias do sobrenome dela ou se era algum tipo de referência ao “meu Deus” do qual ela tanto simpatizava).

Em um belo dia virtual de sol brilhante (feito com a mais moderna computação gráfica) eles se encontraram por acaso em um chat, tornaram-se amigos, trocaram MSNs e começaram a se corresponder por e-mail. Eram jovens, plugados e sintonizados na mais pura geração Z ou qualquer letra que represente e catalogue aquela nova e temporária juventude.

Aos poucos foram se apaixonando. Trocando senhas e juras de amor eterno. Ele passou a fazer parte do Orkut da jovem. Freqüentava seu Facebook e se comunicavam diariamente pelo Skype.

Até que um dia o pior aconteceu, os pais de Juli descobriram através da estante virtual do rapaz exposta no SKOOB que ele era ateu. Chegaram a essa conclusão ao verem os livros por ele lidos e suas resenhas sobre o assunto. O pai de Juli ficou irascível com este fato, a mãe ainda tentou contemporizar dizendo que talvez ele fosse apenas agnóstico (sem necessariamente saber ao certo o que de fato era um agnóstico). Mas o livro maldito e sacrílego intitulado: “Deus um delírio”, colocado como favorito na estante do rapaz não deixava dúvidas. Ele era mesmo um miserável de um descrente. Totalmente indigno do amor de Juli-MEU.

Os pais de Juli, que sabiam todas as suas senhas e comunidades, bloquearam o rapaz de sua vida. Excluíram suas mensagens e apagaram os rastros de sua profana existência. Mas o amor dos dois era mais forte que as rígidas regras, dogmas e incontestáveis verdades (sem, muitas vezes, demonstrar qualquer lastro aceitável de veracidade) que permeavam as crenças dos pais da menina.

Os tios de Rota, que não morriam de amores por nenhum tipo de igreja ou culto, acharam tudo aquilo mais um clássico exemplo de intolerância religiosa e tentaram dissuadi-lo a desistir da menina.

Apesar das brigas de ambas as famílias sobre o crer e o não crer, Rota e Juli continuaram sentindo um pelo outro um irresistível bem querer. Passaram a se encontrar furtivamente através de perfis falsos, mas com um amor cada vez mais verdadeiro. A paixão que lhes consumia era mil vezes intensificada pelas proibições as quais padeciam. Caso suas vidas seguissem sem essas agressões talvez seu romance já tivesse um fim, naturalmente, como tantos outros namoros adolescentes. Mas a chama da rebeldia começou a falar mais forte em seus corações.

O sentimento de amor rechaçado pelo ódio irracional somente aumentava a ânsia de se encontrarem, de se amarem. Até que o pior aconteceu, os pais da menina em um gesto extremo retiraram o seu celular e confiscaram seu notebook. Cercaram seus passos. Mutilaram sua liberdade. Mas quanto mais aprisionavam seu corpo real e virtual, mais sua alma voava e sua mente enlouquecia pela saudade.

A situação de Rota não era muito diferente, brigas constantes queriam obrigá-lo a deixar de amar Juli, como se fosse possível aplacar aquele músculo pulsante que em seu peito batia descompassadamente, clamando por ela.

Em uma das poucas saídas de Juli para ir à padaria, conseguiu entrar furtivamente em uma lan house. Lá fizeram contato, e decidiram fugir para se casar. Combinaram dia e hora para isso acontecer, e a notícia se espalhou como tinha de ser. Muitos queriam ajudar, outros apenas se meter. Na escola um notebook em seu armário ela encontrou e escondeu-o em sua pasta longe das vistas de qualquer professor.

No rastro da notícia os pais da menina descobriram a armação, e arranjaram para ela um casamento com um rapaz cristão. Porém, de posse se seu notebook escondido, ela entrou em sites Deep Web (coisa muito barra pesada), e encomendou uma estranha poção, deixando um aviso para Rota lhe explicando a sua intenção.

Mas o destino parecia conspirar contra os dois e numa falha de provedor a mensagem se extraviou, reaparecendo muitas semanas depois. De posse da poção fria ela se plugou na webcam e todo frasco bebeu, caindo como morta para espanto de milhões de internautas que através de sua conexão on line a tudo assistiam.

Quando Rota se plugou e tal feito presenciou não agüentou a pressão, twitando para os seguidores de sua rede que era o fim para ele também. Vasculhou no Google e em poucos segundos já sabia o que fazer, tirando a própria vida para quem quisesse ver.

Era noite de dezembro e Milhões de internautas fissurados nos acontecimentos iam retwitando alucinados a cada momento deste sinistro evento. As mensagens iam se replicando e a cada segundo mais povo na internet ia se conectando. Foi quando o improvável aconteceu, a menina acordou, foi tudo falcatrua, ela encenou a morte para sensibilizar os pais a voltarem atrás, mas agora era tarde demais. Seu amado caído ao chão diante de sua tela de LCD era à gota d’água, a menina não queria mais viver. Foi até a cozinha e voltou com uma faca afiada, de frente para CAM deu fim a sua jornada. O sangue espirrou na lente, descendo lentamente como um papel de parede decadente.

Os pais da menina e do rapaz receberam torpedos avisando da tragédia, mas já era tarde demais. Os funerais foram na mesma capela, um com missa e o outro apenas com velas. A dor e a desgraça uniram as famílias no mesmo sentimento, algo que talvez lhes servisse de semente para superar barreiras de crenças ou descrenças que somente servem para nublar suas mentes, passando enfim a pensar e agir livremente. Mas somente o tempo poderá dizer se algo frutificou ou mudou nas cabeças tocadas por estes acontecimentos. Essa é mais uma nova história antiga, de um amor cheio de esperanças que como tantos outros se transformou em dor por ter nascido em um berço de ignorância.

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