A janela de seus olhos

Todo dia Rodrigo acordava às 6 da manhã com o aroma que já sabia de cór: o cheiro de pão fresco subindo as paredes, penetrando diretamente em seus sentidos, o fazendo despertar mesmo sem querer. Era irônico, porque, nascido filho de portugueses, nunca adquirira o hábito de comer pães fresquinhos logo cedo. Se conseguisse tomar uma xícara de café já era uma vitória para começar o dia. Mas uma coisa estava perturbando seu monótono calendário: a morena deslumbrante que passava em frente à padaria exatamente às 7 da manhã todas quartas. Ele, como bom curioso, já havia feito milhões de hipóteses sobre a possível causa de Júlia (esse era o nome que lhe havia dado, mesmo sabendo da insanidade da situação) passar por ali: ela poderia trabalhar a quarteirões dali. Mas se o fizesse, por quê só passava na quartas?; ela pegava um caminho diferente porque tinha algum ritual todas as quartas; ela simplesmente poderia estar atrasada para o trabalho e escolher esse caminho mais curto, mas por quê? Por quê sempre no mesmo dia? Carma? Aquilo estava dando nós em sua cabeça.

Maria sempre colocava o despertador para às 6:30 da manhã nas quartas. Era o tempo necessário para levantar, colocar sua melhor roupa e sair, com esperança de ver aquele homem que tanto lhe chamava atenção debruçar-se pela janela enquanto a fumaça da xícara denunciava que também despertara há pouco. Estava ficando obcecada: fazia meses que “perseguia” (como gostava de frisar, dando ênfase com a mãos para as aspas) o barbudo na janela. Não tinha coragem de dar mais um passo à frente: sua timidez lhe impedia de muitas coisas. Mas era irônico pensar que tinha coragem de passar por ali todas quartas sem fazer sentido nenhum o que a esperava à frente. Como num relance, dava uma rápida olhada para aqueles olhos castanhos e a mão direita coçando a barba mal feita... o que para ela era de uma sedução sem limites.

Rodrigo decidira: sairia à procura de Júlia na próxima quarta. Esperaria ela passar e então a seguiria até encontrar um lugar calmo em que pudessem conversar. “Estou perdendo o juízo!”, pensou.

Maria decidira: não mais passaria por ali. Havia chegado a conclusão de que estava ficando maluca, doida de amores por um homem que nunca deveria ter, nunca deveria ser seu.

Eram exatamente 6:58 quando Rodrigo olhava ansiosamente pela janela, afim de reconhecer aquele rosto tão familiar mas ao mesmo tempo desconhecido de sua bela morena. Os olhos não paravam um segundo se quer: parecia ter super poderes, distinguindo todas pessoas passando por ali. 7:05. Algo estava errado: ela não aparecera. Sua não presença lhe causou calafrios. Não sabia o que pensar . O que era certo e errado. 7:30. Suas esperanças haviam cessado. Não pensaria mais em Júlia. A guardaria nos pensamentos como uma lembrança utópica.

Seis meses depois Rodrigo caminhava apressadamente por uma avenida movimentada em sua cidade. As pessoas se esbarrando o deixavam mais aborrecido ainda: não gostava daquilo. Não gostava de estranhos lhe tocando. Olhou mais uma vez para checar as horas. “Merda!", pensou tão alto que acabou gritando, fazendo chamar a atenção de outros. Quando percebeu, coçou sua barba, soltando um riso nos cantos dos lábios... de repente sentiu um cheiro lhe invadir tão rapidamente que poderia morrer maravilhado ali mesmo. Era Júlia. Sim. Não. Maria. Os verdes dela encontraram-se com os castanhos dele, fazendo com que o mundo parasse de girar. E parou.

Ficaram congelados se observando até seus olhos cansarem de admiração, o que na verdade nunca aconteceu.

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 17/12/2012
Reeditado em 08/07/2013
Código do texto: T4040630
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