A maldição do farol dos enamorados

Andavam, lado a lado, dois soturnos enamorados, que nunca se entenderam. Caminhavam pela rua deserta na tarde fria, quando um deles, num lampejo, de tanto pensar descobriu por que o amor dos dois não vencia.

“Olha o monte, vê como é triste e distante, parece contar uma história. Dela me recordo agora num lampejo. Vou contar porque o amor para nós é impossível. É que ali naquele morro houve um amor de outras vidas, foi entre mim e você. Ouça:

Um deus enfurecido com a leviandade de um tão inquieto amor, condenou os dois a uma prenda de muitos anos. Se vencessem estariam aptos para o amor, pois teriam provado que o sentimento era verdadeiro, não fantasia, vaidade ou mentira.

Sua missão seria cuidar do farol no alto do morro, cuja luz fraca e tremulante dependeria da vigília dos amantes, noite e dia. Mas para que um vigiasse, pelo dia, o outro dormia, e na noite, um despertava para o sono de espera em que o outro mergulhava.

Assim foi decretado. Durante toda a noite você zelava pelo farol, sem vacilar, sem temer ou descansar. A madrugada avançava e, ao sentir que seu corpo se entregava, abria bem os olhos e me olhava com carinho. Via e sabia que se luz se apagasse, a missão seria perdida e em meus olhos abertos não existiria mais amor.

Quando raiava o dia, eu não despertava, você sentia cansaço, mas não queria me remover do sono. Tentava mais uma hora de vigília. Seu corpo então exaurido tombava sobre a grama. De tanto cansaço, sucumbia. E por um milagre explicado pelo amor, neste instante eu despertava, para cumprir minha parte e zelar pelo farol.

Durante o dia sob o sol escaldante, eu zelava pelo farol enquanto trazia sombra para o teu corpo exaurido. Sabia que naquela noite quando não mais suportasse, no mesmo instante em que me entregasse, você despertaria, e assim a missão seria cumprida. O farol jamais se apagaria.

Mas a loucura dos amantes só vê hoje, só vê agora. Não respeita nem mesmo a ira de um deus, é mais forte e mais atrevida. Pois confesso, amado, que um dia, muito cansado de estar sem a luz de seus olhos, cogitei desobedecer ao mandamento divino, e despertá-lo um segundo para sentir de novo seu manso abraço, sua voz macia. Foi mais forte do que eu. Resistira à ideia por mais de mil sóis. Em uma tarde como esta, antes de cair a noite, quando o torpor já me tomava, olhei pela última vez o farol, curvei-me sobre seu peito e o despertei.

Naquele instante, depois de tanto tempo, ao olhar seus olhos, vi que o amor não dorme, ele vela noite e dia, como o farol é que velava por nós, e não nós por ele. Mas você sabia que, se via meus olhos, sentia meu abraço, ouvia minha voz embargada, teria a missão terminado ou ela estava perdida. Viu que eu havia cometido um erro, não tivera a paciência de esperar. Com lágrimas nos olhos me mostrou que o farol se apagava. Aquele caprichoso deus, irado, dos céus bradava que nós dois não cumpríramos a missão.

Por minha frágil forma de amar, o farol foi-se extinguindo, estava a missão perdida. Nosso amor se acabou. “Você se ergueu, abraçou-me num último abraço e sumiu pelo caminho, para longe de mim.”

Ao terminar a história, o enamorado arrependido tomou o outro pela mão e o levou morro acima, onde puderam notar um velho farol, banhado pela eternidade dos anos que se tinham ido. Ali jazia o farol apagado, e eles souberam enfim porque seu amor não vencia.

Assim é a ira dos deuses, assim é o capricho da vida. Desencontros são causados pela vontade de viver. Nossa inquieta forma de amar, às vezes, nos leva ao ódio. A paciência, a calma, a espera, a eternidade, todas se compadecem do amor verdadeiro. A pressa destrói o amor. Mas a verdade é branda luz que sobrevive.

Sobre estes dois pobres enamorados, nada mais se sabe. Vivem buscando na distância um farol que acenda seu antigo amor. Mas eu, que sou um deles, temo encontrá-lo e me ver novamente derrotado pela angústia, e por a perder novamente a missão.

Porque pode ser que, às vezes, a distância é que ponha eternidade no amor.

Marcorelo
Enviado por Marcorelo em 09/12/2012
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