SONHO

Sonhei que caminhava de mãos dadas com alguém. Tenho quase certeza: era você. Naquela estrada, tudo acontecia para que soltássemos a mão um do outro.

No início, a estrada foi tomada por um rebanho irritado de vacas brancas, no exato momento em que se principiava uma chuva muito fria. Você então soltou minha mão e ficamos nos debatendo entre as rezes, patinando sobre a lama, angustiados com não saber do outro. A chuva não se havia ainda ido quando o rebanho passou e de novo, na estrada, nossas mãos se reencontraram; a minha, mais fria, a sua, mais quente. Aquecemo-nos, seguimos na estrada.

Em um ponto mais baixo do caminho, que cruzava um leito seco de rio, deparamos com um rapaz muito bonito, que sugeriu que você fosse com ele, ao longo do leito do rio, pois ele disse conhecer um atalho que os levaria bem mais facilmente ao destino. Você oscilou, olhou-me com medo, e largou da minha mão.

Já ia alto o sol destruidor do meio-dia e eu, aniquilado, tentava seguir sozinho. Monologava, chorando alto. A estrada não fazia mais sentido. Quis parar, quis morrer. Mas um grito conhecido, que surgia da estrada para trás de mim devolveu-me a fé. Você voltava, chorando também. Pediu desculpas, pegou de novo minha mão e, ao longo da estrada, não mais falamos sobre o tal rapaz e suas mentiras.

Fez-se noite. Escuro, nada se podia ver. Minha mão na sua mão era a certeza de estarmos caminhando ao rumo certo. Ao amanhecer, porém, estávamos perdidos; brigamos, nos agredimos, gritamos um com o outro, perdemos a paciência. Para cada um a culpa tinha de ser do outro, e ninguém culpou a escuridão. No sol a pino, nossas mãos de novo se reconciliaram.

Foi quando o caminho, que já julgávamos conhecer bem, abriu-se em dois. Para ter certeza de chegar onde queríamos, tivemos de seguir cada qual um deles, sem ter bem certeza de se algum dia tornaria a ser um só o caminho. Foram longos dias e noites ainda mais longas de caminhar sozinhos por terras remotas, com medo do medo que o outro pudesse estar sentindo, com medo dos belos rapazes que encontrasse pelos caminhos, com medo que as velhas brigas nos impedissem de querer voltar à velha estrada, com medo de a estrada ser mentira, e medo também de acordar.

Mas no fim do que seria esse sonho, por mais absurdo que possa parecer, esses dois caminhos menores que, tudo indicava, seriam sempre apartados, voltaram a ser um só. E nossas mãos se reencontraram, num forte aperto de quase quebrar dedos, não se sabe se para não mais se separarem ou se para sofrer, a cada novo trecho da estrada, uma nova separação.

Então, se você for a mão que segura a minha, faz o sonho ser verdade, jamais solta minha mão. Se houver obstáculos, caminhos tentadores, razões para odiar, ou até mesmo dois caminhos diferentes em algum ponto da estrada, não importa. Cedo ou tarde, chuva ou sol, noite ou dia, quando nessa estrada houver você e eu, nossas mãos estarão unidas. Eu também não soltarei a sua mão.

Jamais permita que andemos sós. Tudo morre, estradas se vão. Sou salvo pela tua mão. Em você estou salvo. E mesmo perante medo, chuva, ciúme, nojo, raiva, tempo, espaço, e tudo o que a estrada traz, vamos estar no meio dela, rumo ao destino, em meio a tantos outros desvairados que caminham de mãos dadas, dois a dois.

Marcorelo
Enviado por Marcorelo em 09/12/2012
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