Lóri e Ulisses ou Eduardo e Mônica?
Fim de tarde. Ela se sentou. Ele a observava constantemente. Praticamente todos os dias! Ela fazia de conta que não percebia, mechia nos cabelos, mas logo voltava para a sua leitura. Ele não. Ele apenas a fitava em silêncio, sem ter o que ler. Na verdade, ele a lia. Parecia um ritual dos dois, sem combinarem, porém, cientes de que estariam alí no mesmo horário, no mesmo banco, na mesma praça, no mesmo outono.
Era "O Livro dos Prazeres" que os unia. Era Clarice Lispector, a dona dos escritos mais lindos que existiam. Talvez eles tivessem um pouco de Lóri e Ulisses nessa questão de ficarem fitando-se lentamente... Nessa questão de se guardarem um para o outro, como se soubessem que, uma hora, seus caminhos se cruzariam. Mas não tinham pressa!
Queria correr logo com essa história, saber logo o seu desfecho, mas o destino quis assim. Então só me resta observar. Que função árdua essa. Você acaba com as unhas, imagina mil histórias, se decepciona, ri, chora, enfim, sente junto com eles um turbilhão de sensações, ou até mais... Na verdade, sou um fofoqueiro. Um fofoqueiro que toma conta da vida alheia para escrever depois. Engraçado isso... Foco!
Ele a olhava como se quisesse possuí-la. Ela se distraia da leitura mansamente para encontrar os olhos dele. Ele se envergonhava quando isso acontecia... Eu ria. Ela fechou o livro e se foi. Ele ficou igual a um bobo apaixonado. Ele observava cada traço dela. Ela parecia uma boneca, ele afirmava, com a baba escorrendo. Ao mesmo tempo em que eu achava aquilo banalidade, achava de extrema delicadeza. Uma delicadeza profunda e urgente, daquelas que só se sente uma ou duas vezes na vida.
Passaram-se alguns dias e eles não saiam daquele zero a zero, daquela troca de olhares passageiras, rígidas, doces. Nessa altura, já havia algum interesse da parte dela também. Ela terminara de ler o romance. E eu vi o rapaz, chamado por mim de Ulisses, se aproximando bem de mansinho para não haver espanto de ambas as partes. Ela apenas olhava o verde, as pessoas que por alí passavam e escutava o canto glorioso e rítmico dos pássaros.
- Empresto sim. É maravilhoso! Pelo jeito você vai adorar. - Ela dizia a ele, olhando-o com doçura e um fio de vergonha.
- Com certeza! - Ele dizia a ela, viajando na sutileza do seu olhar.
Se não me falha a memória, esse foi o único diálogo que ouvi. Talvez não tenha sido o único, mas foi só o que ouvi. Aliás, fiquei um tempo doente e por isso, não pude comparecer na praça para narrar-lhes essa breve história de amor de Lóri e Ulisses. Quero dizer, de uma paixão que nasceu no banco da praça. Aliás, poderia ser esse o nome "No banco da praça". Ou não. Sabe que lembram "Eduardo e Mônica" também? "E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa, que nem feijão com arroz". Saudoso Renato Russo! Que casal apaixonante...
Depois daquele breve diálogo esbarrei com eles novamente algumas poucas vezes, em espaços longos de tempo. Nunca mais os vi naquele mesmo banco, naquela mesma praça, com aqueles olhares... E por enquanto, eu ia tecendo outras histórias, outras Lóri's, outros Ulisses, outros Eduardo's e outras Mônica's para ir compondo mais um livro.
Dois anos depois. Era na época daquele mesmo outono que eu os observava alí. Por motivo desconhecido, eles me vinham na mente todos os dias. E todos os dias eu pensava: "Nunca mais haverá uma história tão linda e doce e ingênua e pura, quanto a daqueles dois. Nunca!". Foi quando, num dia daqueles, daquela mesma época, abri a minha caixa de correio e me deparei com um cartão todo branco, com letras douradas. Lindíssimo! Quase com a mesma delicadeza que aquele casal que já se tornara antigo em minha memória, como tantos outros casais que vieram depois deles. Então, era um convite. E nele, para minha surpresa, estava escrito:
"Tudo começou no banco da praça. Era outono. Troca de olhares. Um observador. Tudo de extrema perfeição e delicadeza. Parecia obra do destino. Parecia meio Clarice Lispector, meio Renato Russo... Ou talvez apenas Clarice Russo.
Vamos nos casar e você é o nosso convidado mais especial!
Lóri e Ulisses ou Eduardo e Mônica, como preferir."