Seus Olhos
Evitei olhar nos olhos dela, pq sempre fugia dos meus. Ela tinha essa mania de desviar o olhar enquanto falava. Eu não sabia o que, mas sempre desconfiei que em seus olhos havia algo escondido.
Uma mentira, um segredo, um enigma, uma lágrima.
Seus olhos refletiam dor, gritavam uma liberdade reprimida, um sentimento interrompido mas que insistia em crescer, tomando conta do seu peito
... beirando a boca, invadindo os olhos.
O gosto era um tanto amargo e fazia suas bochechas enrijecerem. Seus olhos escondiam alguém indefeso e por trás deles havia essa fragilidade maquiada de fortaleza. Havia uma necessidade explícita em estar protegida. Se proteger não do que, mas de quem. Seus olhos escondiam cansaço.
Em seus olhos residiam o medo, a sua fraqueza no seguir.
Acorrentada pelo peito, vivia destinada a ser uma sentimentalista, uma emotiva sem eira nem beira. Seu corpo era livre, mas a sua alma estava presa. Limitada a sentir incondicionalmente! Involuntariamente...
Em seus olhos havia uma espécie de solidão proibida, e eu percebi ao vê-la de longe sentar-se em um dos degraus daquela extensa escadaria. Estava só, em um silêncio gritante de doerem os ouvidos de quem a ouvia, e via e podia entender.
Eu a entendia, mas mais que isso...
Eu a sentia!
O sorriso tinha sido apagado dos seus lábios, tinha se calado.
O seu brilho ofuscara,
suas mãos,
seus pés,
seu corpo parara.
Olhou em volta, não viu ninguém, mesmo estando nitidamente cercada por uma multidão. Sentiu a solidão cair sobre si e pude perceber quando o último brilho em seus olhos foi apagado.
Parou de dançar!
Descompassou no segundo passo, tropeçou
...e caiu.
Vi alguém chegar e lhe roubar o gingado, invadir sua dança só para lhe descompassar, lhe tirar o ritmo. Vi ele entrar em cena, driblar seu coração e em dois passos sair sorrateiramente levando consigo um pouco do que sobrou das outras danças. Vi ele borrar o sorriso em seus lábios, manchar sua pele com um toque imundo. Vi ele ser indiferente diante da vida que estragara.
Vi ele chegar sem nada e sair com tudo.
Tudo que não era dele, tudo que roubara dela em um convite despretensioso para uma dança.
Vi ele chegar e partir.
Vi ela perder, sofrer, se enganar... ficar.
Vi seus olhos, finalmente, encontrarem os meus ao me ver estendendo a mão em um convite a ela para dançar.
Vi seus olhos e, dessa vez, ela me falou olhando de volta nos meus.