Opostos...
Bel amava Jayle com todas as forças que seu coração, mesmo destroçado, ainda poderia suportar amar... Nenhum motivo aparente. Foram embora os sorrisos, a voz macia, os gestos pouco espontâneos, Tudo nela passou a ser programado. A dor e a tristeza, cronometrados amargamente. Nenhum dia sem a presença das lágrimas grossas borrando a maquiagem fina. Tudo nela era face e medo. Aquele terror que fazia o coração bater feroz e transbordava nas veias, corria violento no sangue, quase negro. Negros, alma e sangue.
Do passado, Bel guardava apenas as cartas, as roupas, o olhar pouco carinhoso. Nada que lhe apegasse mais a algum outro homem que havia passado por seus caprichos. Lembraria do olhar de algum outro, da felicidade que abriu mão, dos caminhos que não viria a conhecer, já que escolheu outros tão diferentes...
Mas naquela manhã, quando as mãos tremiam mais e o corpo gelava de desilusão, o telefone tocou paralelo as seus pensamentos de fuga. Pretendia sumir, se matar, tudo para não sofrer mais, para não ter que encontrar explicações para o desprazer da vida... Mas, ao atender, um silêncio mórbido na alma:
- Bel?
- Oi.
Estava fora de um juízo que poderia ser considerado adequado. Nem arfou belicamente ao atender. Apesar de saber de quem se tratava. Só pensava em Jayle e isto caberia em seu ser até o último momento de vida.
- Bel? Sou eu, Léo!
- Oi, Léo! Algum problema?
- Sim... Senti saudades...
Uma lâmina afiada não partiria melhor seus sonhos e não caberia melhor para suas ideias sobre se afastar do homem que mais amou na vida:
- Sentiu saudades? De que?
- Da gente...
Ela engoliu todo o orgulho que vinha acumulando há meses:
- E daí? A gente não existe mais há muito tempo...
- Não Bel... A gente é o que sempre existiu... O que não existe são as outras pessoas...
Mas, apesar de tanto amor, e do rosto de Jayle perpetuar os espelhos, os móveis, os sonhos, ela resolveu cumprir a promessa de que não voltaria a sofrer:
- Se sempre existiu, Léo... Então o que quer?
- Quero que volte!
- E os outros?
- Não temos nada haver com ninguém mais do que com nós mesmos...
- Quando quer?
Foi seca, fria, quase robotizada a dizer as tais palavras. Parecia um fantasma da menina que um dia foi. Naquele instante, deixava de ser para sempre... Ele notou, mas não desistiu:
- Quando você quiser. Hoje. Agora.
- Não te amo mais, você sabe...
- Mas eu ainda amo você e podemos tentar recomeçar...
- Vou pensar... Tenho que desligar... Mas vou pensar.
- Eu esperarei por você de alguma forma...
Despediram-se como dois irmãos fazendo as pazes depois de tanto tempo.
Bel deu dois passos e desabou sobre a cama. Chorou a ausência de Jayle. Chorou o desamor por Léo. Limpou as maçãs do rosto, prometendo-se uma nova vida...
Distante ela poderia ter a chance de esquecer seu amor por Jayle. Distante seria mais fácil recomeçar, mesmo sem sonhos e sem fé. Mas o amor daquele homem lhe daria motivos, talvez, e lhe faria sentir-se mulher novamente. Amada. Desejada.
Tirou as fotos de Jayle do armário e olhou por instantes ininterruptos. Uns doze minutos extasiada e sem fôlego pra sequer rasgar a ultima lágrima pela face. Depois adormeceu. Ao lado, as fotos, a última carta e um vazio imenso que nem o maior dos sentimentos poderia preencher. Nos sonhos, o sorriso de Jayle, pela última vez, e um beijo que, talvez, não encontraria outro igual. Mas Léo esperava uma resposta e uma hora todo sonho precisa findar-se para que a realidade ocupe o devido lugar.
(Continua)...