Desarrumado

Naquele quarto minúsculo de hotel eu a observava se arrumando para ir embora, e em minha cabeça o ditado: “só começamos a dar valor na pessoa depois que ela se vai”, começou a fazer todo o sentido. O mais engraçado é que eu estava a deixando ir embora por medo. Medo de ter alguém pra me fazer carinho, pra me fazer sorrir quando estiver triste, pra se preocupar comigo, mesmo quando não tem com o que se preocupar. Quando na verdade eu tinha que ter medo é de não ter alguém.

Quanto mais ela chegava perto de terminar de se arrumar, mais eu queria ela desarrumada, na cama, também desarrumada. Porque é quando estamos desarrumados que acontecem as melhores coisas. Você se arruma, pra encontrar alguém que te queira desarrumado. Não que ela precisasse de muito para se “arrumar”, mas ela gostava, ou estava fazendo aquilo pra ver se eu tomava uma atitude e a interrompesse. Como um viciado que se droga na sua frente, com os olhos dizendo: que não queria estar fazendo aquilo. E eu não fui. Na minha cabeça eu achei que estava sendo forte. Mas as vezes o mais forte na verdade é o mais fraco, já que você precisa ser forte pra admitir sua fraqueza.

Ela seguia com a arrumação, entre passar batom e juntar roupas espalhadas por todos os cantos, eu continuava na cama sem saber o que fazer, ensaiando o que falar, escrevendo e decupando um roteiro mentalmente. “Eu devo levantar dizer pra ela que não quero que ela vá, que eu gosto de estar com ela. Não mas isso é muito clichê.”, “Vou pegar ela pelo braço, puxar pra cama e beija-la, sem dizer nada. Também não.”. Não sabia muito bem como agir. Aquilo nunca tinha acontecido. Aquilo tudo. A noite num hotel, com danças, doces, cigarros, bebida e sexo. Apesar de eu não ter bebido, nem fumado, nem dançado. Mas tinha me divertido como nunca.

Então antes que eu pudesse colocar uma das 30 versões do meu roteiro em pratica, ela tinha terminado. Estava arrumada. Linda. Mais do que nunca, só de pirraça.

Era a hora de fazer o check-out.

Descemos em silencio. Ela arrumada. Eu desarrumado, desajeitado.

Chegará a hora de se despedir. Era minha ultima chance de dizer pra ela não ir, que eu queria que ela ficasse, que estava sendo um tolo. E ela queria que eu dissesse, dava pra ver nos olhos dela, nos silêncios, na respiração pesada.

Eu estufei o peito, tomei coragem e quando eu ia falar, o que já devia ter falado antes dela ter saído da cama ter se olhado pela primeira vez no espelho e visto que estava desarrumada, um taxi parou e o taxista perguntou se alguém queria taxi. Ficamos os dois em silencio. Só o radio taxi falando. O taxista esperando para ligar o taxímetro. Então ela cansou de esperar uma atitude minha e tomou uma. Abriu a porta do taxi, entrou e foi. Me deixou ali. Sozinho. Antes dela achei que sabia onde estava tudo. Agora tudo parece fora do lugar. Bagunçado. Desarrumado.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 27/11/2012
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