NARCISOS
_Estava me esperando?
_Não. Não estava esperando você.
_Qual o problema J, não confia em mim?
_Você quer a verdade, F?
_Não. Não é preciso. Só queria que você soubesse que eu estou te amando.
F chegou a casa abriu a janela e ficou observando as pessoas na rua. Depois, pegou a bicicleta e saiu. Na descida, aproveita para soltar as mãos, enquanto seu pensamento dá mil voltas e estaciona em J. Ele gosta de pensar em J.
_Você quer que eu esteja sempre feliz com você?
_Você não pode atender esse meu desejo?
_Eu posso te negar esse favor!
_Não consigo imaginar minha vida sem você, J!
_Você não tem imaginação!
Quanto mais se pensa mais razões se encontra para pensar. F achava que conhecia J. De tanto pensar em J ela havia se tornado uma espécie de filosofia para ele. F pensava em J no café da manhã, na hora do almoço e à hora do jantar. Quando junto dela, no entanto, sentia-a totalmente diferente dos seus pensamentos sobre ela.
_Se você acreditasse em mim.....
_Eu acredito... mas, não da maneira que você deseja que eu acredite.
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_Vou explicar. Você diz “eu te amo”. Como posso acreditar se você realmente me ama, ou se você ama uma imagem de mim? Ou uma imagem de si mesmo?
_Não entendi.....
_Preste atenção, se eu disser que não amo imagem nenhuma, nem me amo o suficiente para amar-me duplicado em outra pessoa, acreditas?
_Não sei, não entendi....
_Eu me amo em mim. E se você afirma que me ama, consequentemente eu amo você!
A estrada chegou numa curva. F esticou o braço e apanhou uma flor à beira do caminho. Sorriu, pensando que amar e odiar é igual andar de bicicleta. Aprende-se uma só vez e basta. Basta? F franziu o cenho e freou violentamente a bicicleta, esmagando a flor entre o freio e o guidom. Algo em sua cabeça disse que não bastava.
_O que você procurava antes de me encontrar, F?
_Você.
_E se você não tivesse me encontrado?
_Estaria procurando ainda.
_Agora, responda-me. Você acha que eu estava te procurando?
_Não.....não...não....sei...............................................................
Não basta, pensava F enquanto saia da pista para uma estrada vicinal. Amar e odiar, assim como andar de bicicleta, precisa-se de um impulso inicial, e constantes pedaladas. Não é algo extático, é dinâmico. F achava um absurdo ser necessário uma grande, uma sublime vontade até para odiar.
_Então, houve um desencontro J?
_Não. Houve um encontro premeditado!
_Você quer dizer........?
_Que você encontraria o que quer que seja. Você estava procurando.
_E você não?
_Eu estava brincando.
_Comigo???
_Não. Eu sempre estive brincando. Comigo!
A bicicleta trepida no caminho cheio de buracos. F sente os baques nos punhos, pés e quadris. A sensação física supera os devaneios.
_Eu só quero que você saiba que não é responsável pelo meu prazer.
_Ora! Não venha me dizer que você não gosta de quando estamos juntos?
_Claro que gosto! O que quero dizer é que não preciso estar apaixonada para ficar com você!
_Não estou te pedindo isso!
_Mas, você deseja isso!
F sabe que J ainda gosta dele. Sabe também que J quer estar livre de suas emoções em relação a ele. Livre, no sentido de dominá-las e não no sentido de não tê-las.
_F você sabe que eu estou forçando a barra com você!!
_Sim. Eu compreendo.
_Compreende, também, que eu sou uma mulher feita de várias mulheres?
_Estou começando a compreender.
F olhou ao redor e não viu ninguém. Resolveu parar um pouco na margem de um riacho. Enquanto olhava a água que corria, F pensa que não é possível deter o rio da vida. A água, assim como a vida, é fugidia. O guardião homem concentra todas as suas forças para aprisioná-la, dentro das grades ilusórias.No entanto, chega o dia no qual ela transborda.
_J, que tal conversarmos novamente?
_Só se for uma conversa corpo a corpo.
_E sobre o que falaremos?
_Na verdade, não importa muito. A gente fala depois dos nossos corpos.
F retorna para casa. O caminho de volta parece mais prazeroso. Ele retorna cansado, porém repleto de esperança.