O PRATO FRIO DA VINGANÇA
Por Carlos Sena


 
Por falta de assunto, Josué começou criar caso com a namorada. A falta de assunto talvez fosse porque ele era meio misantropo e tudo que Adélia lhe sugeria ele não concordava. A relação ficou tão insossa que Adélia já nem se interessava mais por ele como gostaria. Pra Josué, ficar na casa da namorada, tirar um “sarrinho”, dar uns beijinhos já estava de bom tamanho. Ele fazia tudo isto porque era um macho tipo bonitão. Essa prerrogativa o tornava chato, esnobe. No bairro onde morava as menininhas todas babavam por ele. Quando acontecia e isso era raro, de ele está com Adélia tomando um sorvete na praça, logo chegavam bilhetinhos tipo: “o que você vê nessa garota feia?”, etc. Ele fazia questão de que sua namorada visse aquele bilhete porque se sentia o máximo além da conta. Talvez achando que sua beleza física e sua “alta cotação no mercado afetivo” lhe causasse créditos para machucar Adélia sem necessidade. Nesse clima de relação, o amor de Adélia, talvez só a paixão, fosse perdendo um pouco o sentido. Ela, embora não muito forte em feições, mas era moça bem feita, dessas que quando passa os homens chamam de “dona Raimunda” e fazem logo a rima. Mas, Adélia não só tinha atributos glúteos. Tinha um aparato cultural considerável – falava Frances e Inglês e dominava muito bem o nosso idioma. Por outro lado, seu namorado, embora não sendo o típico “burro”, mas só se ligava no besteirol do corpo sarado, das sobrancelhas e unhas bem feitas, bem ao sabor metrossexual. Talvez nesse contexto de contradições, a relação deles andava meio que sem assunto para se manter viva. Afinal, as relações para darem certo não se sustentam só em sexo. Porque até isso andava capenga – Josué só queria “fazer” no carro ou esperar quando os pais da namorada saíssem pra eles “ficarem”...
Certo dia, Adélia ficou pensando mais em si do que em Josué. No início do namoro ela não o tirava da cabeça. Sempre que se lembrava da sua “pegada” ficava descontrolada. Ligava muito pra ele durante o dia e ele dificilmente retribuía na mesma intensidade. Com o passar do tempo, o “tesão” de Adélia por Josué foi ficando no “fundo da gaveta”. Ela descobre que tem valores físicos e intelectuais. Também tinha a consciência de que não era bonita, mas sua simpatia sempre tomava conta dela onde quer que ela chegasse. Pensando mais em si, a jovem moça começa a ver que há vida lá fora. Certo dia, fazendo compras num supermercado, foi abordada por um senhor bonito, meia idade, que lhe declarou simpatia. Ele morava no seu bairro e sempre que a via com o namorado, ficava sem entender como uma moça tão preparada se interessava por um rapaz tão fútil. Adéilia conversou com o senhor, sentiu-se lisonjeada, mas não se dispôs a retribuir, pois não é assim que “a banda toca” pensou ela na sua intimidade. Essa abordagem em pleno supermercado foi como que um “recado” para que Adélia se desse mais valor. Deste modo, não seria difícil entender a terrível falta de assunto que estava nutrindo pra pior a relação entre eles.
Talvez por desencargo de consciência, Adélia chamou Josué para uma conversa, mesmo sabendo que não levaria a nada. Mas, dentro dela tudo teria que ficar bem esclarecido. Afinal, que Josué, do alto da sua pouca desenvoltura intelectual, não desse valor às conversas esclarecedoras, mas ela não pensava assim. Não houve avanço. Adélia disse tudo que queria, falou das suas mágoas, da necessidade de viajar, de dançar, de visitar a casa dele, etc. Embora, jovem, ela era extremamente família, mas, até isso, Josué a privava, pois não a levava na casa dos seus familiares nem a pau. Diante da conversa mal sucedida, ela, embora ainda meio caidinha por ele, falou consigo mesma que seu amor por si é maior do que qualquer outro; que sua autoestima não a permitia viver uma relação pela metade.
Josué, na verdade, só enxergava Adélia como uma eterna apaixonada. Por isto usava e abusava dos seus sentimentos. Não contava ele que sua namorada era inteligente e não tinha por hábito entregar todos os “pulos” inclusive o “pulo do gato”. Nesse viés, certa noite, ela acorda com o celular tocando. Inicialmente ficou sem saber quem falava, mas logo a pessoa se identificou. Era Diogo – antiga paixão sua que, quando namorados, separaram-se porque ele foi fazer Doutorado na França e, pela distancia ingrata, a relação terminou. Meio assustada, Adélia lhe perguntou quem lhe dera seu celular, mas ele disse que foram suas fontes de contato. E que o mais importante era que estava falando com ela para lhe dizer que estava bem, concluíra seu Doutorado e já estavam ensinando numa importante universidade. Melhor: vinha passar o natal e ano novo, emendando com férias de quinze dias. – Posso vê-la, perguntou! – Claro, disse ela. – Você está casada? – Namorando, mas nada sério. – Ótimo, então teremos muito que conversar. Nessa noite Adélia virou meio que “tetéu de bananeira” – não pregou o olho. Vieram todas as imagens, os beijos, as viagens, os carinhos, enfim, tudo que seu atual Josué não lhe proporcionava.
Dito e feito. Diogo vem a Recife. Dia seguinte já se encontra com a ex-namorada e botam a fofoca em dia e em noite também. Ficaram se encontrando discretamente, pois ela lhe contara que seu “caso” com Josué estava mais pra lá do que pra cá, mas ela já sabia o destino que daria a relação com ele. Dia de natal! Josué sequer lhe deu um presente e ainda não compareceu a ceia de natal em sua casa, como de costume. Isso a deixou “P” da vida. Foi a gota d’água. Dia seguinte, dia de natal propriamente dito, Diogo chama Adélia para um jantar entre amigos num restaurante chique da zona sul em Boa Viagem. Ela topou imediatamente. Chegando ao restaurante ele estava lá – lindo; barba bem feita, roupa discreta – um social fino – calça Jeans e blaser e sapatênis.  E seus amigos, perguntou ela. – Não convidei ninguém, porque queria ficar a sós com você. Ela “congelou” a olhos vistos. Ele retirou do bolso do blaser uma caixinha com um par de alianças e lhe pediu em casamento. Sem que a resposta viesse, Diogo fez a leitura positiva do sentimento dela. Colocou a aliança em seu dedo e ela fez o mesmo com ele. Um beijo ardente consolidara o reencontro. Jantaram e foram comemorar num motel de luxo. No dia seguinte, ao olhar pro celular, Adélia viu que tinha pelo menos vinte ligações de Josué. Ela disse pra si mesma: “agora é tarde, Inês é morta”. Diogo abreviou seu retorno a Paris e no dia oito de janeiro casou com Adélia em cerimônia intima, às cinco horas da manhã, na igreja das fronteiras – era o sonho dele se casar na igreja que em vida Dom Helder presidiu e lá fez sua morada.
Josué? Foi saber de tudo através de uma irmã de Adélia, pois sua mãe nunca foi com sua cara e não era dessa vez. Mas a irmã teve o maior prazer em lhe dar a noticia. – Quem fala? – Me esqueceu, foi, é Josué.  – Que Josué? – Ora o namorado de Adélia! – Não, não conheço nenhum Josué como namorado da minha irmã. – Como não? – Meu filho, a minha irmã está em Paris casada com o grande amor da sua vida! –Achou pouco ou quer mais! Desligou o telefone. Depois dessa conversa ele tentou insistentemente falar com a família de Adélia, pois queria a todo custo os contatos dela em Paris, mas em vão. Certamente ficou chupando o dedo, até a “ficha cair” no meio da sua mediocridade...