Pipoca com amor

1

Quando o ônibus estaciona, ela segurando com a mão direita à mão do menino entra pela porta traseira, e soltando-o, abre a sacola de plástico no ombro esquerdo e retirando o cartucho de dropes o repassa ao passageiro vizinho, que o recebe sem nada dizer. Feito isso, ela repassa outros cartuchos aos demais passageiros, enquanto o menino aloirado fita-a, em sua inocente idade.

A condução prossegue o itinerário. Os passageiros continuam calados, presos ao que enxergam e entendem. O drama da miséria exposta.

No banco à direita, junto à janelinha, que mostra por onde o coletivo passa, o homem segue a cena. Pensativo. Por que há tantos desníveis sociais, essa degradação humana?

Foge os olhos indiscretos, respeitando o sofrimento da mulher, com o menino pequeno (será a mãe desse?) e sente o coração angustiado, solidário ao mutismo e gestos da mulher de cor amarelada, que agora retorna, recolhendo com a mão trêmula, seca os cartuchos deixados para que os passageiros contribuam com dinheiro.

Ninguém compra os cartuchos e o homem então põe a mão no bolso da calça e trazendo as moedas às entrega a mão de unhas sujas, nervosa.

- Agradecida, que Deus lhe pague!

- Amém.

Ele responde, com uma “coisa” subindo, sufocando-o... Ah, por que essa miséria assim de repente se nos apresenta? E a mão busca o lenço no bolso da calça.

O ônibus pára e a mulher com o menino desce pela porta de trás, enquanto os passageiros fogem os rostos, na tentativa de esconder (esconder?) o que entendem e sofrem.

O homem repõe o lenço no bolso, solta um palavrão e pela janelinha, fica observando (observando?) o que vai ficando para trás. Residências. Prédios comerciais. Pedestres. Carros. Motos. Bicicletas. O movimento diário. E a figura da mulher e do menino desaparece, para se expor em outros coletivos, na degradação da própria vida.

A praça adiante. Os bancos com os colegiais conversando, namorando, movendo-se na descontração natural da adolescência. Os idosos jogam dominó, no abrigo ao lado. Outros nos bancos tentam matar o tempo com o que presenciam, o viver da praça.

O céu azul, de nuvens preguiçosas e sol quente...

Tudo numa seqüência ininterrupta. Haja o que houver.

2

Chega do trabalho. Na mão os dois saquinhos de pipoca.

Sorrindo, fala à criança que brinca com a boneca no terracinho da casa e que, como sempre, o espera assim no início da noite:

- Filha tome.

Erguendo o rostinho moreno, a menina sorri e fitando-o com os olhos negros, grandes, exclama contente:

- Pipoquinhas!

Então vem receber os saquinhos.

- Que bom, papai!

A alegria espontânea da idade. A sinceridade que o sensibiliza e... a imagem do menino que retorna no ônibus, segurando a mão da mulher amarelada, desfigurada pelo sofrimento. Assim de repente a cena que o perseguiu no decorrer do dia no trabalho da fábrica de embalagem.

A vista se nubla e envergando-se, abraça a filha, como se a protegesse de um mal...

A mulher adentra no terracinho e vendo o que ocorre, disfarçando-se, inquire:

- Chegou mais cedo Edu?

Libertando a filha, ele responde:

- Foi, hoje “larguei” mais cedo.

Já então sentadinha na cadeira de balanço próxima, a menina come a pipoca, enquanto sacode as perninhas à cadência da própria alegria.

Os olhos dele estão vermelhos... Ah, Edu, o que houve? Você envelhece e continua o sentimental de sempre! Reflete a mulher, entendendo-o, mesmo ignorando o que houve com ele quando no ônibus ia para o trabalho.

- Vai jantar?

- Não, primeiro vou me banhar.

Apressando-se cruza a sala em direção ao banheiro no final do corredor e... Na cadeira, comendo a pipoca e impulsionando o corpinho para frente e para trás, a criança balança-se.

Balança-se.

Paulo Carneiro
Enviado por Paulo Carneiro em 19/11/2012
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