NOVA JUVENTUDE

Te esperei até... pensou apenas, via-o de longe, Enzo, com seus fones nos ouvidos, segurando o pequeno aparelhinho dentro do bolso do casaco xadrez verde cinza aberto, pois tinha que ficar mostrando que estava com o uniforme, hem, atenção, aluno, era o Inspetor espetudo passando, se metendo lá na algazarra que se fazia na fila para receber a merenda, Olha ai, não está se respeitando a fila, reclamava Julie, ela estava no nono ano como James, é assim dessas meninas de mochila cor de rosa, sempre com smarthphone na mão, mas sempre se aproveita também da merenda, mas não dá bola para isolados como ele, sacode os ombros, nem para James, nem para James, mas então que anda ocupando James, foi roendo a ponta do dedo para não estragar o esmalte preto que dera até certo trabalho ontem, pintando as unhas, em seu quarto, sentado no meio da cama, o Messenger aberto, mas nem Maicon nem Brian on-line, então tocando sappy do Nirvana assim pelo youtube, mas ele queria se concentrar em suas unhas, aparecer com elas pintadas de preto amanhã na escola, justamente a aula do professor Malthus, pois o professor Malthus reparava nele, mas que menino sujo, devia de dizer, por que não cortava aquele cabelo embolado já, e para que aquelas roupas rasgadas, tênis rotos, a mochila jeans toda rasgada, os olhos dele é que falava, mas quando mexiam com ele, Ele é um jegue, professor, gritava Richard, Não, não, não trate seu colega assim, reprendia, mas gaguejando sem muita autoridade, sem muita força, mas aguentava firme as bolinhas de papel que jogavam nele, assim dois ou três meninos do oitavo ano cercavam ele, magrelo, branco como uma vela, nas roupas largadas, queria intimida-lo. Odeio esta escola, todos se exibindo com seus celulares de ultima geração, Olha tenho uma chuteira do Neymar, Meu cabelo é igual a do Neymar, Eu uso calças apertadinhas como o Luan Santana, Vamos jogar bola, esbarram nele, querem derrubá-lo, Sai da frente, lesado, mas nem magoava mais, ficava assim como agora de uma distancia. James aproximava-se, então saiu detrás da pilastra e ficou de frente a ele.

_E ai cara – disse James estendendo a mão para um aperto. Enzo apertou molemente como sempre.

_Que houve cara – foi perguntando – pow, você sumiu, nem no MSN...

_Sumi – riu James, cruzando os braços, estava sem casaco e sentiu um sopro de vento frio, embora o sol brilhasse – tou sempre aqui nesta merda, todo dia – gargalhou.

Enzo baixou a cabeça, os cabelos revoltos, loiros escorregaram pelo rosto comprido, o nariz escorrendo, que merda era essa agora de nariz escorrer, foi se perguntando, enquanto considerava que durante uma boa semana tinham ficado todas as tardes juntos. James esteve em seu quarto, os dois conversando, Enzo fora a cozinha pegar lanche para os dois, eram dois pedaços de pães dormidos que lambuzou de manteiga, botou um chocolate em pó nos copos de leite, primeiro trazendo para o amigo que estava sentado no chão sobre o tapete, com o joystick na mão, desviando os olhos da tela da TV de catorze polegadas em cima de uma arca abaixo da janela com a eterna cortina de banner do Nirvana. Cara, senta na cama, disse assim quando o estendeu o copo de leite com chocolate e pão dormido lambuzado de manteiga, mas pegando assim, sem jeito, ficando de cócoras, James sacudiu os ombros, esta bom aqui.

Momentos bons. Ambos com quinze anos. James ia completar quinze anos como ele, então ambos teriam a mesma idade. Deixava James jogar seu jogo, enquanto ficava deitado, o som rolando, Black Hole Sun, sabe que o meu pai falou, James, sabe, disse Enzo olhando assim de costas, sentado no chão, o resto do pão dentro do copo ao seu lado, falou que esta musica é do tempo que ele tinha a minha idade, essas e do Nirvana, Kurt virou Deus, e virava de bruços, voltava, soerguia-se pelos cotovelos, os cabelos nos olhos, Kurt é Deus, e suspirava, havia dito isto na aula de religião, a professora, uma mulher nova, pernas longas, riu, embora timidamente, enquanto o resto da turma cacarejava, apontava o dedo para ele, um aproximou-se de peito estufado o empurrou com um tapa na testa, Senta ai e fica calado oh ensebado. Riu de soluçar, assim rolando na cama, veio pelo chão, engatinhando, ficou de bruços, cotovelos fincados no chão sustendo o queixo e a cabeça, e um pouco pelas costas do amigo assistia aos lances da batalha que ele enfrentava com destreza, mas o bom era o calor da companhia. A presença, como aqueles olhos azuis e estrangulados o observando acesos na escuridão do quarto naquela fotografia colada na porta do armário de frente para cama.

_É que a gente não ficou mais lá jogando – foi dizendo, enquanto andavam quase ombro a ombro, desvencilhando dos demais colegas que iam e vinham, passando a mão pelos cabelos que teimavam em vir aos olhos.

_Eu te falei cara, eu te falei cara – foi dizendo James, estalando os dedos das mãos, num porte mais empertigado – estou com uma namorada. Eu te falei, hem, ‘tamos ficando, numa boa, véi.

Murmurou ininteligivelmente Enzo, sorrindo sonso, encolhendo-se mais, os pés se arrastando preguiçosos em botinas de um preto encardido e gasto, os cadarços meio largados quase soltos. Era um grunge.

_Olha os dois veadinhos – foi Dioniso aproximando dos dois na contramão – agora só andam junto hem – e meteu-se ao meio dos dois, seguindo-os, enquanto os garotos, assustados queriam evita-lo – este negocio de grunge só dá em veadagem – continuou dizendo em tom debochado, Dioniso ao meio dos dois.

_Você devia ter vergonha de sacanear nós, pow – resmungou James – somos roqueiros como você.

_É mesmo – manifestou-se Enzo num ar melancólico – você entra na fila com os funkeiros e os playboy, pow.

Dioniso girou nos calcanhares e voltou para o seu caminho, sacudindo seus cabelos longos, rindo dos dois.

_Deixa ele, mano, pow – disse James – este cara é “estrela” demais, o Danilo me disse, ele meio que se acha sabe qual é. Acha que o pessoal tá ai na dele. Você tem que ver o Danilo, que muleque humilde – foi continuando James, emocionado, parando com Enzo junto ao portão, os dois encarando a possibilidade de fugirem da aula, pois traziam as mochilas às costas, mas o Inspetor, a segurança, tudo estava lá segurando o portão.

Enzo dissera o que o seu pai o contara outro dia, que no tempo que ele estudava os portões eram abertos, os alunos ficavam na escola se queriam. Por que mudou, perguntou James, puxando um pouco o banner e notando que a janela parecia hermeticamente fechada, tal como se isolada com taipas ou coisa assim.

Mas saíram, por que Enzo fez um semblante de quem estava “dodói” assim como a Inspetora gosta de ouvir, tal como se eles fosse criancinhas e retardados ainda por cima, ela coçando o pelo no queixo, parecia ter uma verruga.

_A Dona Angelina tem uma verruga no queixo mesmo né, eca – comentou rindo Enzo enquanto seguia a estrada com James, assim pelo meio fio, o sol se escondendo em nuvens fofas como algodão, mas adiante como se em cima daqueles morros azulados subiam papagaios de papel coloridos, mas não se podia ver a mão dos que empinavam.

_Mas você nem conhece o Danilo né – retomou James, levando as mãos nos bolsos da calça, a correntinha balançando em comum com Enzo neste detalhe. Enzo balançou a cabeça negativamente, não, não conhecia, acho que só de vista, ele é de escola particular, acrescentaria, mas nem disse nada, certamente se dissesse, James lembraria que Danilo já estava na Faculdade, já estava com vinte anos, ele sabia não, Danilo, Danilo, por que James falava tanto em Danilo?

_Mas, sabe a bailarina, a Leticia, é o nome dela – foi narrando confuso, tocado, rosto ruborizando, James, empertigando-se, contudo Enzo tinha os olhos baixos, os cabelos como cobrindo todo rosto, olhando para as suas botinas rotas – estamos ficando, ficando assim – tocou ao ombro de Enzo, este voltou-se sorrindo, um pouco lívido, desmilinguido – tem dezoito anos, saca véi, dezoito anos.

_Pow, velha para cara’io – gemeu num riso Enzo, logo apontando uma carrocinha de açaí na esquina, mas tinha apenas duas moedas de vinte cinco centavos no bolso.

_Eu tenho três reais – disse James tirando três moedas do bolso, e puxando Enzo pela manga do casaco – eu compro para tu, véi, eu não quero mesmo. Açaí, há essa hora, pow – e riu.

Sentaram ao meio fio um pouco, o sol se escondera como definitivo entre nuvens, o homem atrás da carrocinha do açaí parecia se encolher, e Enzo pedira, afinal era ruim comer assim andando, e a gente fica aqui um pouco, já saiu da Nóia lá da escola, saca, mas James ficou com a cara assim entre os joelhos, cismando com um caco de tijolo a riscar o chão entre seus pés, enquanto ia dizendo que beijar é bom, e Enzo enrubescia, as bochechas ficando vermelha, levando colherinhas de açaí à boca, a coriza cismando em descer de novo, passou o dorso da mão limpando, aproveitando que James estava entretido com a cara entre os próprios joelhos, riscando o chão, que merda de meleca era essa, já era homem não podia ficar com esta meleca escorrendo do nariz.

_Vamos lá em casa, hem – foi o puxando pelo braço para que entrasse em sua rua, convidando-o.

_Tá bom, mas não posso demorar – disse James, e prosseguiram um pouco calado quando se aproximavam, grandes e ofegantes, afastando-se um pouco, desconfiados, com sorrisos nos semblantes minguados.

James ocupou-se do computador de Enzo, dos jogos, colocando um som do Linkin Park, depois de largado ambos as mochilas pelo chão, mas Enzo foi ao banheiro, limpar o nariz, olhando-se no espelho do lavabo, afastando os cabelos dos olhos, intrigado com aquela meleca, poha, era por causa do frio, acorda muito cedo para ir na merda da escola, é ultrajado pelos colegas, não aprende nada, e fica agora com esta meleca na fuça.

Deitado de costas na cama, os braços cruzados sob a cabeça, sem as botinas, com a roupa que chegara da escola, Enzo foi dizendo, enquanto James sentava no chão pegando o joystick, a televisão ligada, o PS3, daora, mano, exclamava sempre, e era hino aos ouvidos de Enzo, Eu nunca beijei, nunca, e nem tinha tom de humildade ou vergonha naquela declaração. James voltou-se por sobre os ombros, escarlate, as orelhas chegavam a queimar.

_Não creio, véi, serinho – e voltou à atenção para o jogo, escutando a voz de Enzo atrás de si, sim, sim, nunca beijei ninguém, é molhado né.

James ergueu-se, pausando o jogo, aproximou-se da cama, e Enzo ficou a contemplá-lo, sustentando o peso do corpo com um dos cotovelos, enquanto James foi se agachando assim próximo a Enzo, perto da cama, dizendo, com os olhos atrás das lentes dançando num sorriso que progredia ao malicioso, então disse que além de molhado, molhado mesmo, era doce, os lábios de Leticia tinham certo sabor doce. Abaixando os olhos, assim na mesma posição, Enzo considerou:

_Não será o batom? Hem, pode ser véi, o batom... saca as minas usa batom, estes batons são doces.

James suspirou, sentou-se na cama, então ele já havia usado batom para saber, hum. Enzo enrubesceu, perdeu o equilíbrio, riu assim mesmo, caindo deitado de costas, os cabelos avulsos pela fronha escura, as mãos entrelaçadas no peito.

_Não cara, imagina, mas batom deve ser doce, se não Batom não seria batom, né – disse com pouca convicção na voz.

_Uma coisa não tem nada haver com outra – foi acrescentando James com mais perspicácia, um graduável tom adulto – sei que você está falando daquele bastãozinho de chocolate que vende na porta da escola, pow – sacudiu os ombros, ajeitou os óculos entre o nariz, fugindo dos olhos atentos, arregalados – estrangulados? – de Enzo para ele – cara, boca de garota é doce. Ela assim chupa minha língua – e riu reparando que Enzo se encolhera de um modo como que acometido de cocegas ou mexido por grande frenesi.

A música que tocava no ambiente agora era assim meio lenta, leves batidas eletrônicas, músculos de guitarras como rifes de vez em quando se arrastando, e o som ácido da chuva se fez ouvir lá fora, um vento soprou balouçando o banner que servia como que de cortina.

_Chupa língua – gemeu num risinho baixo Enzo, virando-se, escondendo o rosto no travesseiro. James levou uma mão aos cabelos de Enzo, e este suspirou arfante, então James aproximou a outra mão, persistiu na caricia com cuidado como quem toca objeto delicado. Enzo virou-se, escarlate, a língua passeando nos lábios, os cabelos revoltos no rosto, levantou os braços e cingiu James pelo pescoço.

_Me mostra este beijo – pediu Enzo, então James inclinou o rosto sobre o dele, afastou os cabelos que resvalavam desalinhados e meio ensebados e aproximou seus lábios quentes como sua face dos lábios de Enzo. Sentiu-os úmidos, cerrou os olhos, mas Enzo manteve os seus abertos, sentiu cocegas, mas James deitando-se por cima de Enzo disse que ele fechasse os olhos, assim pegando o rosto dele nas mãos, e Enzo obedeceu, sentiu cocegas, calor. Seus lábios se tocavam; os dois rapazes se apertaram num abraço, arfantes. Enzo também tomou o rosto de James em suas mãos, embora não soubesse o que fazer ia se deixando guiar por James, que abriu seus lábios com a língua, penetrou esta dentro da boca de Enzo e catou-lhe a língua. Enzo gemeu, desceu as mãos pelas costas de James, arquejando, arqueando os quadris. Suspirou arfante, sentindo James deitado sobre ele, com a cabeça entre seu ombro. Os dois mantinham-se abraçados, quentes, a música era um repique eletrônico como a gota de uma chuva, mas a chuva lá fora era fina, continua, e o vento balouçava o banner preto na janela.

_Que gostoso – murmurou baixinho Enzo, emocionado por sentir a respiração de James tão perto, mesmo as batidas do coração dele tão intensas quanto as suas, e sentindo seu nariz escorrer novamente, a meleca, pensou com certa raiva.

James levantou a mão até uma orelha de Enzo e a acariciando insistentemente declarou num tom cálido e quase rouco de voz:

_É muito mais gostoso beijar você, muito mesmo, é salgado. Tem gosto de sangue. Tem gosto real.

***

Rodney Aragão