SONHOS PERDIDOS

SONHOS PERDIDOS.

Talvez ainda fosse muito cedo para Rafael, ou quem sabe, demasiado tarde para Ivana.

O fato é que nunca, em época alguma, duas pessoas, um homem e uma mulher se precisaram tanto, se amaram tanto, tão profundamente e eram tão iguais e juntos decidiram que entre eles, o amor, o compromisso, seria impossível.

Lembrou daquele sábado, depois de um longo banho (Ivana sempre demorava no banho, eram os melhores momentos para decidir, dizia) trocou Dandara, tomou-a pela mão e, a pé, com aquela calma que só as mães costumam ter, levou-a ao parque e a tomar sorvete. Ao dobrar a primeira esquina, o olhar meio atento a filha, meio perdido entre os transeuntes, que dentro de um carro, ela viu aqueles olhos, através dos óculos, claros, meigos, quase puros e um sorriso explodindo no rosto. Foi um instante de êxtase, assim como uma irradiação quente e calma, que a envolveu e a penetrou. A partir daí, aquela imagem faria parte do seu eu, estava arquivada na memória, logo na entrada e, portanto tão visível, tão insinuante. Não poderia esquecer, não queria esquecer. Pensar nisso tornou-se uma constante, uma companhia nas horas de solidão. Encontrá-lo um dia, o grande sonho.

Para ele, soube depois, fora um momento de alegria no caos que era sua vida. Comentava que aquela figura feminina, com os cabelos ainda molhados, o rosto lavado e uma criança na mão o fez perceber uma harmonia, uma calma, um amor que não conhecia. Mas ele fixou o quadro na memória e esqueceu.

Seis meses depois, 7 de setembro. Desfile na rua principal. Eles se viram, se olharam, se mediram. Se avaliaram quase de forma inconsciente. Ninguém reparou neles ..um homem e uma mulher perdidos na multidão.

Ivana agora tinha seus pensamentos ocupados com sonhos. Imaginava-o ao seu lado, batiam longos papos, falavam das crianças, discutiam política, psicologia, literatura infantil. Trocavam poesias, carinhos e se amavam. Ele era o amigo, o companheiro, o amante.

2. feira, 21 de janeiro, um imenso calor. Ivana telefonou. Disse que precisava falar-lhe. Assunto importante. Ele não pareceu surpreendido, como se há muito aguardasse. Falou que tinha estado doente, que lhe havia telefonado, tinha esperado notícias. Marcaram um encontro para o dia seguinte, as 18 horas. Tomaram sorvete. Encontro de adolescentes. Lanchonete. Olhares ternos,apaixonados. Ele sorriu, ela respondeu com uma promessa: seus olhos prometeram-lhe vida, felicidade. Ele entendeu.

Encontraram-se depois, no 2. dia e começaram a namorar. Divorciados também podem namorar dissera ele. Ela sorria, feliz. Ele pegara sua mão e passearam a pé, como duas crianças que descobrem a felicidade, o amor saltitando entre eles e com eles.

Foram felizes durante 23 dias. Viveram uma vida inteira em vinte e três dias. Se amaram profundamente, se entregaram, suas almas se fundiram e suas personalidades se abraçaram num abraço amigo, de almas irmãs.

Depois a saudade! De Rafael, de seus filhos ...da menina principalmente, tinha 6 anos e uma carência enorme. Como a amava! Tinha certeza que teriam sido muito felizes juntos, os 5 formavam uma linda família, Sally 6 anos, André 5 e Dandara 4, todos loiros, Rafael também. Só ela, Ivana, era morena. Dandara puxara ao pai, seus cabelos pareciam fios dourados, tinha os olhos grandes, redondos e matreiros.

Mas o tempo é inexorável e segue. Os dias viraram meses, os meses fecharam anos. E Rafael ainda era uma lembrança, uma saudade doída. Ivana esperava a filha a saída do colégio, quando a viu chegar acompanhada de uma garotinha de cabelo trançado, sorriso receptivo dançando no rosto. Dandara a apresentou: mamãe essa é a Sally,minha nova amiga. E o pai dela se chama Rafael, igualzinho ao meu pai de óculos! ...Só um sorriso como resposta. Não conseguiu falar. Apressou-se a voltar para casa, jogar-se na cama e chorar. Chorou por um amor tão verdadeiro e tão inútil. Chorou pela frustração de não ter conseguido ser feliz. Chorou porque entendeu, sempre entendera, que bastaria tão pouco, talvez somente uma melhor concepção da vida, do amor, das mulheres, para que tudo tivesse sido completamente diferente, melhor, na vida de cinco seres humanos.

Mas como sempre, Ivana levantou-se e encarou a realidade. Sim, teriam sido felizes juntos, jamais duvidou disso. Mas hoje ela era uma mulher realizada em muitos aspectos, não era infeliz e lamentar seria inútil. Sorriu. O passado é só o passado, e não pode prejudicar o presente ou comprometer o futuro. Tivera um sonho lindo (há muitos anos) e era grata por isso.

Ana Janete
Enviado por Ana Janete em 17/11/2012
Código do texto: T3991037
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