A Procura Angustiosa do Amor

Sei que em algum lugar encontrarei Andressa. Desde o raiar do sol do dia de ontem a tenho procurado. Estou andando para cima e para baixo na rua onde moramos. As poucas pessoas que com ela estiveram nos últimos dias não me souberam dar notícias. Depois de uma manhã inteira a sua procura e faminto, retorno para ver se, alimentado, consigo renovar meu ânimo e continuar minha busca. O pensamento em Andressa não me deixa a nada dedicar minha concentração. É como se, de frente para mim, na outra ponta da mesa, a visse doce, já dentro do uniforme escolar, os cabelos negros escorridos pela água do banho, a gola azul respingada e o mingau de aveia se esvaziando no prato. Se fico na sala é sua mochila vermelha sobre o sofá branco de couro, os sapatos ao lado da porta ou o guarda chuva aberto na varanda que chamam a minha atenção para a falta angustiosa de Andressa. Quando a vi pela última vez atravessava a faixa para o outro lado da rua. Fechado o sinal luminoso, sua figura sumiu e eu só vi ônibus, uma fila deles; a mesma fúria de sempre, a mesma poluição, a mesma buzinação. É esta cena que perpassa minha lembrança, seguida da incógnita do seu desaparecimento.

Mais à frente era o ponto. Eu, no carro, do lado de cá voltaria a vê-la assim que o trânsito se movimentasse, o que sempre ocorria. Mas, não desta vez. Andressa, do nada, desapareceu. O aceno de mão, o adeus, lugar comum das nossas rotinas simplesmente não houve. Abalei-me para o meu dia, mas preocupado, muito preocupado. Não consegui trabalhar metade do meu expediente. A situação piorou e o meu estado de alma atingiu o auge da amargura quando o celular de Andressa emudeceu para mim. Agora tento forçar para o estômago um pouco da minha comida sem conseguir despregar da visão o aparelho conectado à tomada do carregador. Penso em sequestro, penso em alguma espécie de atentado que possa ter afastado de mim, por horas que parecem séculos, a mulher da minha vida. Larguei de repente o garfo na borda do prato e fiz espirrar grãos de comida sobre a toalha de mesa na ânsia de atender ao toque do celular. Friccionei o bolso, mas não senti os óculos. O tempo de sua procura seria por demais precioso e poderia me fazer perder a chamada; atendi assim mesmo.

- Andressa! Andressa!

Eu não atinava com o meu desespero. Nunca imaginara que uma paixão pudesse deixar assim tão insensato e desatento um pobre homem. É claro que não era Andressa, razão do meu desvario, mas assuntos de trabalho, trabalho que eu estava deixando para segundo plano. Na verdade, a partir dali, o que mais poderia me interessar na vida se perdesse a razão maior do meu viver? Consegui esticar a minha licença; ainda teria este dia para encontrar minha amada. Não sairia com a roupa do corpo, não me abandonaria sem uma mínima explicação. Se queria um amigo encontrou em mim. Se era o amor de pai que nunca tivera, este jamais lhe faltou. Compensei-a com o conforto material dando a ela esta casa. É possível amar um homem mais velho quando se tem a certeza da reciprocidade. Enchi Andressa de sonhos. Cada mimo dourado que ela aceitava para lhe enfeitar o pescoço, embelezar as orelhas, lhe adornar o pulso levava junto a minha esperança de que me amasse por isto.

Não lhe dava sossego com a minha procura por sexo; obtive em troca sua atenção e um pouco de tolerância, até.

As horas passam e a inquietação aumenta. Não adianta andar pela casa como faço agora. Abrir e fechar as portas do guarda roupa, verificando peças que enchem as prateleiras, o colorido das saias, das calcinhas que abarrotam gavetas, os vestidos de noite em cabides enfileirados só faz aumentar a saudade e agravar a agonia. Os potes de maquiagem ornamentam a penteadeira, os estojos continuam em seus lugares de sempre; abrindo verifico as joias e constato que nada saiu de casa com exceção da minha pequena. Pode ser que pegando mais uma vez o automóvel eu venha a encontrar Andressa em algum ponto do bairro. Sei de suas preferências. A sorveteria da praça, as bolas de morango que incontáveis vezes compartilhamos e os beijos gelados trocados sem esconder o pudor presente na meninada que sempre lota as mesas em volta de nós. Ao cinema do shopping não iria sozinha. O cartaz ilumina a fachada. O entra e sai de pessoas. A entrada pululante não parece dar espaço a mais uma viva alma, mas mesmo assim, automóveis sem fim chegam e estacionam, jogando para dentro ainda mais consumidores. O corredor iluminado, passarela de interesses sem fim, recebe os meninos que já se acham adultos e as lindas adolescentes. Que bom seria se pudesse avistar Andressa entre elas!

Tentei mais uma vez o celular e não consegui, mas o motivo me deixou confuso, pois eu tinha a certeza de ter carregado o meu aparelho que apresentava sinal de desligar a qualquer momento. A modernidade tem as suas vantagens, mas nos torna escravos das invenções; voltei para casa. Ficar incomunicável inquieta. Causa a sensação de estar descartado das coisas do mundo. São tantos os contatos! É uma agenda infinita, uma bola de neve incontrolável. Como ficar fora dessa chusma da comunicação exigindo presença virtual, sociabilidade e cortesia? Surpreso, constatei o engano. Plugara o carregador de Andressa, que não funciona no meu aparelho e nem o meu no dela. Concluí então que sua situação era a mesma e, nesse caso, deveria ter retornado, mas não o fez. Quarenta e oito horas ou pouco menos. É um tempo longo demais sem fala, sem o ‘eu te amo’ de todos os dias. A grande facilidade de uma era tecnológica, do toque digital e da resposta em segundos. O cérebro se esvazia, a memória, atrofiada, dá vez ao prático e imediato.

Larguei tudo e fui atender ao chamado insistente da campainha.

- É a residência do senhor Sergio Guimaraes? – perguntou-me um homem no uniforme de enfermeiro; na porta uma ambulância.

- Sim, o que deseja?

- Sua esposa está internada em nosso hospital.

- O que houve com ela? – eu perguntei, sentindo que perdia a fala.

- Ela teve um mal súbito em plena rua. Já está bem e recuperada. O maior problema, porém, não foi a sua saúde. O fato de estar em início de gravidez pode ter contribuído. Peço desculpas se estragamos a surpresa, mas precisamos fazer o comunicado.

- E por que somente agora fico sabendo?

- O senhor tem que perguntar isto a ela. Não fizemos outra coisa nesse tempo além de tentar identificar sua família. Por ser nova na cidade desconhecia o próprio endereço. Conseguimos recarregar o seu celular e estamos a horas telefonando, mas o senhor não atende. Finalmente identificamos a empresa em que o senhor trabalha e aqui estamos. Pode ir buscá-la a qualquer momento; já saiu do soro e está de alta.

Trouxe para casa o meu grande amor. Depois do susto a felicidade voltou para nós redobrada. Agora tinha a certeza de ter Andressa comigo e sermos, dali em diante uma bela e unida família.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 05/11/2012
Reeditado em 05/11/2012
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