Ilusória Desilusão
Paulo surgiu num momento, em que separou-se o antes do depois de Paulo.
Paulo olhava-me sem perceber que a cada movimento meu: ele oscilava inteiro, encantado. Era como se fossemos personagens criados naquele momento para interagir. Nossas falas saíam tão precisamente combinadas como se fôssemos atores, de anos de jogo de cena.
Eu queria encontrar a fonte do meu poder, mas não eram os seios, nem tão pouco a bunda, era o TODO.
Nesse todo incluía-se até o descontrolar odioso dos meus cabelos que agora tornara-se um charme a mais.
Ah! Aquela desatenta atenção que Paulo tinha por mim, criava-se em mim um profundo prazer de ser EU. Entretanto era um eu mais completo, como se apenas ser eu fosse uma nova arte.
Melhorei o eu em função de Paulo. Meu olhar era em função de Paulo, meu vestir era em função de Paulo, meu respirar era em função de Paulo, meu respirar era em função daquela mesma desatenta atenção que encantava-me em Paulo.
Logo como se então estivesse pescando comecei a viver em função de Paulo. Dançava a arte de ser o melhor eu que Paulo gostaria, que fosse para Paulo, Paulo aguçava em mim minha espontaneidade EM FUNÇÃO DE PAULO.
Rapidamente meus pensamentos estavam em função de Paulo. Me senti presa, estava presa. Mesmo que a pesca fosse Paulo e eu fosse o pescador, eu estava sendo por Paulo, isso estava tornando meu eu, tão completo, falso. Então para que não fosse falso, comecei a estar em função de Paulo até mesmo quando ele não estava olhando, porque assim o eu completo tornava-se meu também.
Só que cansava, ser tanto eu cansava-me muito, assim por vezes eu voltava ao normal como um escorregão! Aí eu errava o texto, saía do ritmo, dava um passo fora da linha. Meu tão refinado eu, tornava-se grosseiro. Como se chorasse durante uma comédia ou se risse de um drama.
Dentre tantos escorregões comecei a me perguntar se perdia Paulo.
Me ocorreu então que talvez Paulo não fosse exatamente como pensava ser Paulo, então eu talvez estivesse jogando a isca errada. E talvez! Para o peixe errado! Será que tinha inventado Paulo ? Mas sabia que Paulo existia sempre conversávamos, mas talvez não fosse o meu Paulo e sim um Paulo qualquer...
Afinal havia tanto tempo que aquela atenção era realmente desatenta!
Paulo nunca havia me tocado.
Dei-me assim por acordada e resolvi deixar Paulo de lado, ofendia-me o fato de Paulo agora não ser mais Paulo e aquele meu "eu tão completo", deixou de ser o eu e passou a ser apenas um eu, que eu nem fazia questão que me pertencesse.
Desisti por um loooooongo SEGUNDO.
Voltei a me questionar se eu estivesse errada e Paulo existisse e estivesse sendo fisgado. O contrário do que um segundo atrás tinha dado por verdade, talvez não fosse verdade e assim encontrei um única maneira de descobrir.
FALANDO COM PAULO!
Como se retorna-se a arte do eu completo: criei uma declaração de amor. Tomei coragem e materializei assim tudo o que fora movimentos em palavras.
A desatenta atenção de Paulo tornou-se apenas atenção e Paulo beijou-me emocionado dizendo:" Eu nunca desconfiei."
Foi aí que acabou nossa história abandonei Paulo.
Percebi que gostava de pescar e não de comer peixe. Não soube ser de Paulo, pois Paulo era um lugar onde não existia Paulo. Comi um único pedaço de um peixe que eu não queria pescar sentindo asco do gosto me arrependi porque nunca mais o pescaria.
Alguns looooongos segundos depois me perguntei se desmanchei uma desatenção de uma atenção pré-existente ou criei legitimamente uma atenção nova ? ......