A NOITE MAIS COMPRIDA ( H - Relíquias de uma vida )

RELÍQUIAS DE UMA VIDA - CAP VIII

A NOITE MAIS COMPRIDA

A Mel era assim, uma menina romântica, sonhadora, mas ao mesmo tempo razão, não deixava as coisas do coração interferir no seu equilíbrio emocional. Por ser descendente de italianos, trazia o rigor à fidelidade dos seus princípios e na última vez em que encontrou com o Tom ela se deixou levar pela emoção e isso não estava certo, já que ela era uma moça comprometida. Resolveu que quando o Tom viesse, iria entregar as suas coisas e despediria ali mesmo no portão.

Como lhe era normal, sempre que ela percebia que se deixou “avançar” um pouco mais nas suas emoções, logo em seguida batia em retirada e isso implicava em ficar um pouco ausente do convívio e também se fazer “esfriar”. Na verdade esse comportamento era sua arma para se proteger. E foi justamente com esse sentimento de proteção que ela recebeu o Tom. Sem lhe dar qualquer chance de dizer alguma coisa, pois não queria dizer um não que pudesse deixa-lo triste, preferiu ir logo ao ataque, como diz. Assim então, de maneira fria e breve lhe entregou os seus pertences, se despediu e de maneira imediata voltou-se. Sabia que o tinha decepcionado, mas tinha que ser assim, quando se tratava de se proteger, atropelava tudo e à todos, inclusive os seus próprios sentimentos, era algo fora do seu controle, era mais forte do que ela.

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Tom saiu da igreja e vagou pelas ruas, estava perdido e sem chão, sim, o chão fugiu dos seus pés. A dor o corroía por dentro e ele tinha que andar pra ver se àquela angústia passava. Sua boca amargava, no seu estômago uma sensação de náuseas... era uma sensação horrível que deixava seu interior pelo avesso, seu coração estava machucado, dilacerado. Ele não encontrava lugar, estava doendo muito...muito...

Vagou por um bom tempo, e sempre com àquela pergunta: porque? porque ela fez isso com ele, porque foi tão fria...porque??. Quando se deu conta, já estava diante da república.

Entrou, sem acender a luz, deixando que o ambiente se iluminasse apenas pela porta, com a luz que vinha da rua. Não estava encontrando lugar...ficou sentado no sofá por um bom tempo com os olhos perdido no vazio, o seu peito parecia sangrar...e àquela pergunta: porquê?...as lágrimas banhavam seu rosto, era uma tristeza imensa...Ficou assim por um bom tempo.

Levantou-se, acendeu a luz e pegou sua bolsa de viagem, ele sempre carregava consigo tudo que a Mel lhe havia escrito. Começou a reler as cartas, os cartões, olhar as fotos dela que ele havia tirado, não eram muitas. Tinha uma que ele gostava mais, tirada quando ela ainda morava no pensionato. Ela estava na calçada, o dia estava maravilhoso, era uma manhã de domingo, o Céu com seu azul anil-celeste, salpicado de nuvens brancas.

Releu a última carta que ela lhe escreveu...uma, duas, três e mais vezes, não, não combinava com a atitude dela – pensava ele – ela não podia ter escrito àquela carta sem sentir nada e então porque agiu assim tão fria com ele, porque??...E os cartões...as outras cartas...Não, tinha algo errado...mas porque? – perguntava ele.

As lembranças dos momentos vividos descortinavam uma a uma na sua mente...e a dor se fazia maior ainda.

Na boca àquele gosto amargo de fel...no estômago um enjôo tomou conta, era um mal estar horrível.

Era a segunda vez que uma mulher o fazia chorar, a primeira vez foi quanto eles se despediram.

A vontade que tinha era de sair logo daquela cidade, mas teria que esperar até o outro dia para pegar as suas coisas, naquele horário não haveria mais ônibus. Sabia que àquela noite não seria nada fácil e como não foi.

Não tinha com quem conversar naquela casa, por isso ficou à pensar...O melhor que teria que fazer era esquecer tudo, sepultar àquele passado, arrancar definitivamente as lembranças dela. Acabou tomando uma decisão: iria desfazer de todos os objetos que pudesse lembra-la.

Então, juntou todos os escritos, cartões, cartas, fotografias colocou num envelope. Primeiramente pensou em queimá-lo, mas logo mudou de idéia. Diz-se que não se deve queimar as coisas que são importantes pra gente – pensou ele.

Ao mesmo tempo em que ele queria desfazer, queria também preservar. Ele gostava tanto dela, que mesmo diante daquela dor, ele não conseguia sentir raiva, rancor, ressentimento, ou coisa assim, apenas sentia machucado.

Ah, já sei – pensou ele - vou jogar tudo no rio Paraguaçu quando o ônibus passar pela ponte. E assim, colocou o envelope num saco plástico, mas antes verificou se não estava furado, pois não queria que àqueles pertences que por tanto tempo ele guardou, pudesse molhar. Ele vivia uma verdadeira antítese, embora estivesse querendo desfazer dos objetos, não queria que os mesmos pudessem estragar, como se tivesse esperanças de um dia resgatá-los.

No fundo ele não queria desfazer de tudo àquilo, mas a dor estava tão doida, que ele foi forçado a fazê-lo. Então, colocou em outro saco plástico para ficar mais protegido e quando o ônibus passasse pela ponte ele iria jogar pela janela. Parecia que ele tinha esperança de que alguém o encontrasse e pudesse guardá-lo.

A noite foi a mais cumprida da sua vida...não conseguiu pregar os olhos um instante se quer. Já não tinha mais lágrimas para chorar. Ficou o tempo todo deitado de costas olhando para o teto, remoendo...remoendo... com àquela dor que parecia rasgar o seu coração.

Os segundos pareciam minutos, os minutos pareciam horas, o tempo não passava, o dia não chegava...

Àquela dor o corroendo por dentro e ele perguntava: meu Deus, porque tanta dor...? porquê ela fez isso, porquê??

E nessa agonia atravessou a madrugada. Não era nem bem 5 horas da manhã e ele já estava de pé. Queria o quanto antes, deixar àquilo tudo para trás.

As suas coisas estavam na casa do Professor, que ficava ao lado da casa da D. Iolanda, e ele não queria encontrar com a Mel, não queria que ela visse que ele havia chorado. Por isso tentou ir num horário menos provável que ela poderia estar saindo para a faculdade.

Apesar do seu jeito simples de ser, no fundo era um pouco orgulhoso, não queria que as pessoas sentissem pena dele e por isso nem mais voltou para se despedir da D. Iolanda, pois poderia correr o risco de encontrar com a Mel.

Tudo deu certo como ele programou, levou suas coisas – que não eram poucas, algo tem torno de sete volumes, entre eles seis caixas de papelão, quase todos contendo livros, apostilas, etc., bastantes pesadas, o que o obrigou a dar várias viagens, para o ponto do ônibus. Enquanto ele carregava, ia pensando quantas vezes fez àquele trajeto levando ou buscando a Mel, quando ela ia pra casa.

Logo que se acomodou no ônibus, pensou: não tem mais o que me prende aqui...agora é vida nova, seu Tom, Paraíso é passado - disse baixinho para si mesmo.

Seus olhos olhavam para as casas, construções, que iam ficando para trás, como se quisesse fazer o último registro, mas ao mesmo tempo sentia que estava deixando um pedaço de si...estava doendo demais...Ele sabia que essa separação definitiva um dia iria acontecer, mas jamais poderia imaginar que seria desse jeito, pelo contrário, havia até imaginado uma despedida com abraços, com recomendações, com promessas de um dia se encontrarem novamente, enfim, uma despedida com sofrimento, lógico, mas com o carinho e a ternura que sempre foi presente entre os dois. No entanto ali estava ele, com o seu coração dilacerado, era uma dor imensurável, doía tanto que a vontade que ele tinha era de deixar de existir...É uma dor que só quem já sentiu pode compreender, porque descrevê-la é impossível.

O ônibus seguia viagem, lá do lado de fora a paisagem passava rápida pela janela e tudo àquilo lhe dava tristeza, porque era um cenário que de certa forma lhe alegrava ao chegar naquela cidade, pois era um cenário que indica que o encontro com a Mel estava próximo de acontecer e agora estava ficando tudo para trás. A medida que ia se aproximando do tal rio, pegou o saco de plástico e ficou na dúvida se jogaria...e com o braço estendido pela janela ficou esperando o momento de fazê-lo, mas sempre na dúvida, mas assim que passou sobre a ponte, desfez-se do mesmo...imediatamente se arrependeu de tê-lo feito, mas já era tarde. Ainda ficou com a cabeça a olhar, vendo-o cair sobre as águas mansas. Mas em seu peito uma dor, como se tivesse jogando fora um pedaço do seu ser e a vontade que deu foi de parar o ônibus e voltar para pegá-lo, mas não tinha como, estava boiando sobre as águas.

Não demorou muito e chegou na cidade onde iria pegar o resto das suas coisas. E assim o fez, agora iria deixar de vez àquelas paragens. Queria mesmo era apagar as lembranças, esquecer que ela existiu um dia.

Mas....

A vida não é como a gente gostaria que fosse;

Nem sempre as coisas saem conforme planejamos;

Não sabemos o que o Senhor tem reservado para nós;

Não sabemos quais os desígnios de Deus e mais,

Não temos domínio sobre as coisas do coração...

Menino Sonhador
Enviado por Menino Sonhador em 21/10/2012
Reeditado em 03/03/2013
Código do texto: T3945188
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