O ESPINHO E A PRIMAVERA
Muitas vezes a sintonia da exaustão física com os olhos que lentamente se fecham abre os portais para um novo mundo...um passeio ao definitivo encontro com determinadas e transformadoras verdades.
E assim foi naquele dia...
Tal como dera-se desde a gênese dos universos pelas Mãos do Altíssimo Deus Criador, a Primavera (musa da natureza) bailava entre solstícios e equinócios, inundando de pétalas os anéis dourados dos astros, nutrindo de brisas renovadoras a relva verde há pouco beijada por orvalhos. Dela fugiam seivas fertilizadoras da reinvenção existencial na flora poética e nos jardins terrenos.
E do seu baile quase intraduzível fugia a energia pairante tão somente alcançável pelas almas sensíveis e pelas letras sublimes, a fim de vestir a nudez de todo amor que circundava os corações do mundo inteiro.
Quão poderosa era a Primavera e quão amados eram seus previsíveis dias de chegada!
Porém de pétalas, perfumes e ímpetos ela se fez e decidiu-se a transgredir a lei das épocas e os rumos lógicos de suas aparições, tomando a decisão de visitar desavisadamente os corredores do inverno.
Por lá as cores já se ausentavam. Somente o branco mórbido das neves e a sequidão dos galhos desnutridos eram passíveis de contemplação.
Não havia música naquelas veredas, senão o fúnebre alísio que vez por outra anunciava a solidão do pequenino inseto voador, que vez por outra ali se aventurava em busca do néctar remanescente.
Ali só o perfume das águas afogadoras era sentido pelos olfatos do tempo, aparentemente estacionado em sua imensa vontade de colorir-se e de sorrir mais uma vez.
Conta-se que por lá, em meio a fendas e varrido por ventanias, achava-se um espinho desprendido de seu caule outrora florido.
Seus movimentos feriam e seus arredores agrediam seu âmago. Longe do caule fértil, distante das flores, tudo que lhe restava era contemplar o cenário vazio, silencioso e anoitecido pelo cinza de um céu que parecia nunca amanhecer.
Até que as trombetas da felicidade, anunciadas pelo canto dos bentivis, ressoaram e despertaram o espinho de seu sono desesperançoso. E eis que de repente surge ante a si a Primavera.
Nada lhe fez, apenas lhe sorriu. E suficiente foi para a transformação de todos os mirantes anoitecidos. Por trás das cortinas do céu, eis que despontou um sol de intensidade inaudita, varrendo o frio que abraçava os montes e convertendo o gelo em águas cristalinas que puseram-se a passear pelas encostas e vales, germinando flores, robustecendo frutos, devolvendo alegria aos animais e adornando de cores vivas aquela tela antes divorciada de todos os pincéis.
E a Primavera, no tempo que nem era seu, na localização que esse mesmo tempo desconhecia, enamorou-se do inverno, prevalecendo sobre ele e dando ao solitário espinho o mais lindo e florido caule que já tivera.
Conta-se que a Primavera jamais partiu e que o espinho prosperou, tornando-se jardim.
Quem me contou?
Meu coração.
Na mesma ocasião em que me foi por ele confidenciado, que a Primavera és tu e aquele espinho não mais sou eu!
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Reinaldo Ribeiro - O Poeta do Amor
"Uma homenagem pela passagem de mais um aniversário de minha esposa Giselle Ribeiro. A cada ano em que celebro teu advento, o amor me faz lembrar que a Primavera me visita outra vez. Eu te amo!"