PARTE 1

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1 – GESTOS EM CENA
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- Por quê? Eu só quero um motivo!- Perguntou Selma, sentando-se em sua cama de lençóis cor de rosa e com diversos ursinhos de pelúcia espalhados por ela.
 
Sentou-se e colocou as mãos sobre o rosto, escondendo os seus olhos já marejados.
 
-Não tem um por que, Selminha...
 
-Não me chama de Selminha!- gritou ela. -Esse era seu apelido carinhoso e, nesse momento, não há nada de carinhoso que eu veja em você.
 
Igor não sabia mais o que dizer ou fazer. Estava ali, parado ao lado da janela, sem ação. Sentia na garganta um nó, como se algo ali estivesse preso. Era o choro. Mas fora acostumado por seus amigos a nunca chorar na frente de uma namorada, pois isso seria a pior demonstração de fraqueza que ele poderia dar. E que, mais à frente, ela se aproveitaria dessa situação. Mas nem sempre ele conseguira prender e esconder o clímax de seus sentimentos.
 
-Eu sabia que havia algo estranho em você, Igor. Eu sabia!
 
- Selmi... Selma, não houve nada. Eu juro! Eu só... Eu só simplesmente não estou me sentindo bem com a gente. Não tenho mais aquela alegria que eu tinha em ficar ao seu lado. Aquela vontade de que sexta-feira chegasse mais rápido só para vir para cá e ficar com você, assistindo televisão até altas horas, ou, sei lá, ficar falando merda durante a madrugada enquanto o sono não vinha. Isso tudo passou! Isso tudo já não me motiva.
 
Ela retirou as mãos dos olhos. Estavam vermelhos, muito vermelhos, além de inchados, muito inchados. Sentia uma dor dentro de seu peito que nunca sentira antes em seus dezesseis anos de vida. Igor era seu primeiro namorado. Na verdade, o primeiro namorado qual ela apresentara a seus pais e que pusera para dentro de casa. Sentia-se bem ao seu lado. Ele vivia a fazendo rir. Seu jeito a encantava cada dia mais nesses dois anos de namoro. Não conseguia imaginar o dia em que tudo aquilo chegaria ao fim.
 
-Fala a verdade, Você tá apaixonado por outra, não é?
 
-Não, não é isso.
 
-Então é o quê? Não pode ser simplesmente isso, Igor! De repente um amor que vem bem durante os últimos dois anos acaba assim?Não é possível...
 
-Tanto é possível, que é o que está acontecendo.
 
-Mas por quê? É isso não entra na minha cabeça. Ontem nós saímos, fomos ao cinema, jantamos fora... Porra, ontem você estava todo carinhoso comigo, todo delicado... Foi um dos melhores dias da minha vida. -comentou Selma enquanto as lágrimas rolavam por seu rosto rosado.
 
Igor ficou em silêncio. Colocou as mãos dentro dos bolsos de sua calça jeans. Sentou-se ao lado de sua ainda namorada. Ela se afastou. Levantou-se da cama e recostou-se na cômoda onde havia uma televisão de quatorze polegadas e diversos porta-retratos com fotos deles juntos. Ela pegou um deles, um azul com desenhos de cachorros nas quatro bordas.
 
-Lembra desse dia?
 
Levantou a cabeça devagar para olhar o que ela lhe mostrava. Franziu o cenho a fim de enxergar melhor, pois algumas lágrimas tentavam descer.
 
-Lembro sim. Foi se não me engano, a primeira vez que estive aqui na sua casa, não foi?
 
-Isso! -Respondeu com um sorriso saudoso. -Foi um dia lindo! Eu estava toda animada. Finalmente meu pai havia aceito um pretendente meu. Ele gostou de você logo de cara. Minha mãe que demorou um pouco.
 
-É, ela me achava antipático, né?
 
-Disse que você poucas vezes sorria. E de fato, ela estava certa. Você só brincava e sorria quando estava comigo. Uma vez ela veio me perguntar do que eu ria tanto quando estávamos sozinhos, e, quando eu disse que era por sua causa, ela me disse que não era possível, pois você nunca sorria. E que não te imaginava fazendo graça.
 
Igor abaixou a cabeça com um sorriso fechado.
 
-Ela me julgava sem eu saber.
 
-Ela passou a gostar de você quando viu que você realmente gostava de mim.
 
-E quando sua mãe viu isso?
 
-Quando eu contei que havíamos transado. Por incrível que pareça,isso a confortou.
 
Ele ficou surpreso com aquilo.
 
-Ela... Ela sabe que nós...
 
-Eu contei depois de dois meses. Ela ficou feliz em saber que você não me largou depois. Meu último namoradinho de escola ela conheceu de vista. Disse que ele parecia o Zé do Caixão, um olhar sombrio...
-Seu ex parecia o Zé do Caixão?
 
-Mais ou menos... Por que o espanto?
 
-Porra! É o Zé do Caixão, Selma!
 
-Você disse que sua ex parecia a Júlia Robert, e quando eu a vi pessoalmente, estava mais para Gaby Amarantos.
 
 
 -Eu nunca disse que ela parecia a Júlia Robert. Eu disse que ela lembrava aquelas atrizes de Hollywood. Mas não disse Júlia Robert... Ah, espera aí, é verdade, disse sim!
 
-Viu? Eu lembro de tudo, cabeção!
 
-Foi naquele dia que vimos o filme “O Sorriso De Monalisa”.
 
-Veja como você é! Junto comigo, assistindo um filme, você vem me falar de sua ex,e pior,ainda a compara com Júlia Robert.
 
-Desculpa! Saiu sem querer.
 
-Eu não liguei. Eu nunca achei a Júlia Robert bonita. Sempre achei que ela tem a boca igual a dos “Simpsons”. Sabe? O lábio de cima maior que o debaixo? -Comparou Selma colocando seu lábio superior sobre o inferior usando as mãos.
 
Mais uma vez ele abaixou a cabeça para sorrir timidamente.
 
Nesse instante um silêncio tomou conta do quarto. Ambos não sabiam para onde olhar. Olhavam para o teto, para as paredes. Selma foi até a televisão e ligou-a.
 
Sentou-se ao lado dele, sem o espaço que havia tomado minutos antes.
 
-E sua mãe? Ela soube que brigamos? -perguntou ela, enquanto mudava os canais.
 
-Soube sim. Ela ficou triste. Disse que de todas, você foi quem mais gostou, sabe. Disse também que logo, logo a gente volta.
 
-Eu sempre achei que ela não gostava de mim.
 
-Que nada, minha mãe te adora. Ela adorou saber que você queria ser pediatra. Adorou saber que seu pai era um clínico geral. Viu que sua família era certa, ao contrário da família dos outros.
 
-Eu namorei, sem saber, filha de traficante, Selma.
 
-É, eu sei, você me contou.
 
Outra vez houve silêncio.
 
Outra vez ela levantou-se e colocou o controle remoto sobre a televisão.
 
Ele apenas olhava para seu relógio de pulso.
 
-Está com pressa? - perguntou ela.
 
-Não, não. É que às sete tenho aula no pré vestibular.
 
-Pensei que já tivesse acabado.
 
-Eu disse que havia acabado para que você parasse com o ciúme.
 
-Tá falando sério?
 
-Sim. Sinceramente, eu já estava cheio de você ver coisas que não existiam. Isso já estava me fazendo sentir raiva de você.
 
-Você realmente parece não entender, né Igor?
 
-O que eu não entendo?
 
-Isso tudo. Você está reclamando do meu ciúme. Era a maior prova de que eu gostava de você.
 
-Ciúmes não mostram amor, coisa nenhuma. Ciúme às vezes mexe mais com orgulho que com amor. Você pode sentir ciúme de uma coisa por medo de outra vir e pegar. Como posso explicar melhor... Por exemplo, sua amiga Paula, ela gostava do Felipe, certo?
 
-Não, ela queria “pegar” ele, não que ela gostasse...
 
-Melhor ainda! Pois é... Então isso explica por que ela parou de falar com a Betinha. Não é? Por que ela quis brigar na porrada com a Betinha quando a viu beijando ele.
 
-Não entendi...
 
-Ela não queria que ele ficasse com ninguém que não ela. Ele, (você não sabe disso, e se perguntarem continua não sabendo), mas o Felipe, ele já deu um toco na Paula, sabia?
 
-Sério?
 
-Sérinho. Lá naquela festa que teve na escola, que nós não fomos por que você tava gripada. Ela chegou agarrando ele e dizendo que queria “dar” pra ele. O cara conseguiu empurrar ela, e dizer umas verdades. Desde então, ela ficou nessa possessão sobre o cara. Aí eu pergunto: É amor isso? Creio que não. Mas é ciúme na forma mais bruta. Além de certo egoísmo.
 
-Você também é egoísta. Você só pensa em você, Igor. Não está se importando comigo.
 
-Claro que estou! Por isso estou aqui te falando isso tudo. Estou sendo o mais sincero possível com você, pois não queria continuar te enganando.
 
-Você não me ama mais, não é?
 
-Olha, sinceramente acho que é isso mesmo.
 
Selma outra vez levou as mãos aos olhos.
 
-Lá vai você chorar de novo! -reclamou ele chutando um travesseiro que se encontrava caído no chão.
 
Ela levantou-se irritada.
 
-Só me faltava essa! Agora você vai querer me proibir de chorar? Você é mesmo um idiota!
 
-Dá para você parar de gritar! Será que dá? Sua mãe está lá embaixo!
 
-E daí? Eu tô na minha casa! Eu choro no volume que eu quiser. Você não pode me impedir. Igor, você está terminando comigo! Um namoro de dois anos está chegando ao fim, e você quer que eu não chore?
 
-Era por isso que eu não queria conversar aqui na sua casa! Por que aqui não posso dizer o que eu quero, pois sei que no fundo tem alguém nos escutando. -disse ele aumentando um pouco o tom de sua voz.
 
-Você fala como se eu tivesse obrigado você a vir.
 
-Ah, e não obrigou? Vai dizer que você dizer aquilo tudo no telefone não foi uma intimação. Não seja sínica! Eu dei todos os sinais que estava terminando com você pelo telefone hoje cedo. E, mesmo assim, você ficou chorando pedindo pra eu vir até aqui, para nós conversarmos melhor. Você deve achar que sou otário.
 
-Eu não acho, eu tenho certeza!
 
-Ah, então por que tá insistindo tanto pra eu não terminar com você? Se eu sou um otário, por que tá aí se humilhando?
 
-Por que só agora eu vi que você é um otário, antes achava que você era apenas um idiota!
 
-Posso até ser otário, mas pelo menos não utilizo de truques para prender as pessoas.
 
-Do que você está falando?
 
-Você sabe muito bem. E quer saber, não quero tocar nesse assunto. Eu vou embora.
 
-Agora fale! É muito fácil jogar no ventilador e sair correndo. Fala!
 
-Não vou falar!
 
-Fala, Igor! Por que você sempre foge?
 
-Não vou falar, Selma! Pra mim chega! Não aguento mais você chorar toda vez que brigamos. Você sabe que não consigo ver alguém chorando. Você me comprou esse tempo todo com suas lágrimas. Toda vez que você chorou eu voltei atrás em uma decisão.
 
-Você é mal, cara! Como pude me apaixonar por você? Você tá falando cada coisa horrível para mim.
 
-Ah, e você sempre foi esse amor de pessoa que todo mundo te julga, né? Você não fere as pessoas com as palavras?
 
-Eu nunca te magoei com palavras!
 
-Nunca Selma? Você tem certeza? Você nunca usou palavras para me deixar no chão?
 
-Não. Mas você muitas vezes. Igor, você já me chamou de falsa na frente das minhas amigas!
 
-Eu nem vou começar a dizer o que você já disse pra mim. Por que se eu começar, aí vou ficar durante horas.
 
-Quem ouve assim acha que sou um monstro. Você tem uma visão errada de mim, cara! Parece que nesses dois anos você não me conheceu nem um pouquinho.
 
-Talvez por que você não tenha deixado. Você sempre se escondeu. Você sempre... Sei lá, você sempre ficou na defensiva comigo. No início era um fogo só. Lembra? No início você parecia me idolatrar. Eu me sentia tão bem com aquilo. Saber que você me achava o máximo! O cara! Mas aí com o tempo, aquela Selma que eu conheci e me apaixonei foi sumindo. E surgiu essa que só sabe me criticar.
 
-Você gosta de se fazer de vítima, vira homem! Assuma seus atos!
 
-Você nesses últimos dias só tem me cobrado. Você nesses últimos dias parece ter tentado me fazer chorar a cada discussão. Usando coisas que te contei, até sobre problemas familiares, para me ferir. Isso é amar? Você acha que é com uma pessoa que vê nas minhas lágrimas um troféu que eu vou querer passar o resto da minha vida?
 
Ela ficou calada. Sabia que ele não estava de todo modo tão errado nesse sentido. Várias foram as vezes que ela tentou o fazer chorar. Que tentara vê-lo e o fazer ver que ele não viveria sem ela. Era como se um conforto fosse. Como se saber que Igor choraria o fizesse notar que a estava perdendo.
 
-E você poucas vezes chorou. Parece que não tem sentimentos!
 
-Não ia te dar esse troféu. Eu nunca chorei nem choraria aos prantos na sua frente. Mas... Mas... Ah, que se foda! – praguejou pronto para falar o que queria falar. - Sempre chorei ao chegar em casa! Tantas vezes foram que era impossível disfarçar. O truque do cisco do olho já não estava funcionando.
 
-Seria tão ruim chorar assim na minha frente?
 
-Claro. Você iria saber meu ponto fraco.
 
-Eu ia te conhecer melhor. Ia pelo menos saber que você me amava.
 
-Agora é fácil falar. Mas quer saber um dia que eu te odiei profundamente?
 
-Todos?
 
-Não. Mas um em especial. O dia em que você me disse que não era mais nada pra ti. Que eu tinha estragado sua vida! Que eu só te fazia mal. Imagina você escutar isso de uma pessoa que um dia ter chamou de “o cara mais perfeito do mundo”? Imagine? Imagine você ouvir isso de uma pessoa qual você dedicou vários dias em que poderia estar fazendo outras coisas.
 
-Nunca te proibi de nada...
 
-Não diretamente. Mas você sabia fazer isso sem precisar ser direta. Coisa de gênio!
 
-Ah claro! Agora eu altero a mente das pessoas! Eu consigo fazê-las mudar de opinião com um simples olhar! É isso?
 
-Isso mesmo. Quantas vezes eu deixei de fazer coisas com meus amigos pra estar com você aqui? Tinha vezes que eu vinha e você ficava vendo televisão sem me dirigir uma palavra! Às vezes, eu vinha e você ficava estudando sem, ao menos, dizer um oi!
 
-E quantas vezes você não esteve presente? Você nunca estava quando eu mais precisava! Nunca! Você nunca me deu importância mesmo! Nunca! Você é o tipo de cara que pede para ser traído!
 
-Ué e por que não me traiu? Se eu merecia, por que não abriu as pernas pra outros?
 
-Primeiro, por que eu te amava por mais imperfeito que você fosse! E segundo, por que não sou uma puta! Igor, você nunca estava quando eu mais precisava! Você já me deixou por que tinha uma reuniãozinha de amigos. Eu passei esse dia inteiro sozinha na internet. E você foi embora! Você já me deixou um dia inteiro sem notícias suas quando foi para aquele parque aquático! Nesse mesmo dia você poderia ter vindo aqui em casa! Eu estava sozinha de novo!
 
-Por que eu não te disse que ia pra esse parque? Você sabe!
 
-Por que você nunca me quis por perto quando estava com seus amigos!
 
-Não. Por que VOCÊ nunca me deixaria ir em paz. E mais, ia querer ir num passeio que só tinha homens! Ia ficar um clima chato. Você os odeia, os acha sem educação! Falava mal deles como se suas amigas fossem todas “Miss Simpatia”! Nesse dia realmente quis aproveitar. E eu sei que poderia ter vindo te ver quando chegasse, mas estava realmente muito cansado!
 
-Isso lá é motivo? O Guilherme disse que preferia estar com a Tiane, cansado, à longe dela! Não estou comparando nosso namoro com o deles, pois sei que o deles é uma merda... Mas viu? Até mesmo o Guilherme dizendo uma coisa dessas.
 
-Ele já a traiu várias vezes. Eu nunca te traí. Acho que esta minha atitude vale por mil palavras bonitas vindas dele!
 
-Você está sempre certo!
 
-Melhor que estar sempre errado!
 
-Eu não sei como duramos tanto tempo!
 
-Fomos carregando. No fundo queríamos terminar há muito tempo,mas o medo de sentir falta um do outro não deixou isso acontecer!Tínhamos medo de perder um ao outro.
 
-Não fale por mim. Eu sempre te amei. Eu sempre achei que tínhamos uma química nata! Que você era o cara certo, e, apesar disso tudo, ainda acho, Igor! Cara, do nada você terminar comigo, e nem me dar um motivo convincente, isso está acabando comigo. Isso tá me deixando realmente muito mal!
 
-Já te disse o motivo!Eu não quero mais ficar triste toda vez que saio daqui!Eu já acho que não te amo mais! É isso!
 
Selma foi até sua gaveta no guarda-roupa de madeira branca e maçanetas douradas seminovas.
 
-Minha vida vai ficar uma merda! Você não tem noção de quantas lembranças eu vou ter toda vez que olhar pra cada canto desse quarto! Cada dia em que eu for a Niterói e passear por onde passeamos. Cada vez que eu abrir essa gaveta e remexer nas cartas que você me mandou! Nunca mais me mandou nenhuma!
 
-Na verdade, eu ia terminar por carta! Mas como você ia dizer que eu estava fugindo, preferi encarar os fatos.
 
Ela pegou dois envelopes brancos e deixou-os sobre a cama. Depois abriu uma das gavetas da cômoda onde se encontrava televisão e de lá, retirou um álbum de fotografias.
 
-O que você está fazendo?- perguntou Igor curioso, mas já sabendo o que viria pela frente.
 
Ela sorriu timidamente.
 
-Vou tentar te convencer que podemos continuar juntos. Talvez algumas lembranças te façam mudar de ideia.
 
-Selma, não perca seu tempo! Acabou mesmo! Eu me lembro de cada momento nosso junto! Lembro de tudo que fizemos nesses dois anos e que roupa você vestiu em cada um deles. Mas não dá! Agora, conversando com você, deu pra ver que não só eu estou de saco cheio. Você também!
 
-Eu não estou de saco cheio, amor! Eu quero tentar! Sei que errei, você também errou! Sei que você não é o cara mais perfeito do mundo como eu imaginei! Mas para que eu quero um perfeito errado, se eu tenho um errado perfeito! De certo modo essa sua falta de responsabilidade e apego acaba me motivando a te fazer mudar!
 
-Selma eu acho que você tá insistindo tanto só por que sou eu quem está terminando com você! Sério mesmo. Acho que pra você, levar um pé na bunda deve ser humilhante. Olha, se você quiser, pode dizer que foi você. Eu realmente não me importo. Pode até dizer que terminou por que meu pinto é pequeno! Eu não tô nem aí! Mas agora, dizer que dá pra continuar é maluquice. Nós estamos há quase uma hora aqui falando de nossos erros. Jogando na cara tudo aquilo que estava engasgado. E você acha que dá pra continuar? Pra daqui a uns meses a gente estar nessa mesma situação? Não dá! Não é preciso ser vidente para ver que nós já esgotamos.
 
Ela abaixou a cabeça. Sentou-se do lado dos envelopes e do álbum de fotos e ficou remexendo-os cabisbaixa.
 
-Selma, eu vou embora!
 
Ela ficou em silêncio. Seus olhos se retraíram. Lágrimas começaram a descer abundantemente, e seu rosto ficando vermelho.
 
-Selma, eu tô indo! É sério! -avisou novamente pegando suas chaves que se encontravam sobre a televisão.
 
Ela então levantou a cabeça e o olhou com um olhar que faria derreter até o mais frio dos corações. Um olhar que misturava saudade com tristeza de uma maneira que os dois formavam outro sentimento ainda mais sufocante: A angústia.
 
Era como se o tempo tivesse parado. Eles ficaram ali se olhando, em um silêncio que dizia mais que qualquer palavra que fosse dita ali naquela hora. Igor sentiu vontade de chorar. Sabia que os dias que viriam seriam os piores de sua vida. Sabia que todos os dias,
às oito da noite, ele ficaria esperando o telefone tocar e ouvir aquela voz meiga que ele tanto gostava de ouvir contar como fora seu dia. Já Selma, ficou pensando em como seria sua vida dali por diante. Como seriam as tardes solitárias em casa nos fins de semana, já que sua mãe e seu pai sempre saíam. Não conseguia ver sua vida sem Igor.

 
-Se você soubesse o quanto eu te amo...
 
Igor não conseguiu segurar. As lágrimas caíram. E caíram com a força de meses e meses de angústia acumulada. Chorou por todos aqueles dias que não chorou por orgulho.
 
Os dois se abraçaram. Foi um abraço frio. O único sentimento que havia era o de conforto em saber que ali, naquele momento, eles ainda tinham um ao outro. Um abraço que, por um instante, os fez esquecer todos os problemas e as palavras ditas ali um pouco antes. As lágrimas se misturavam e deixavam seus rostos cada vez mais juntos.
 
-Por que você quer isso? Vamos tentar de novo. Por favor! -Pediu Selma. -Por favor, eu entenderei tudo que você fizer. Mas não vamos terminar. Eu te amo, Igor! -Dizia ela enquanto chorava numa cena que comoveria qualquer um que a visse daquele jeito.
 
-Por favor, não torne tudo mais difícil. Por favor!
 
-Eu imploro, eu sei... Eu sei que sou orgulhosa, eu sei que sou cheia de neuras e que meu ciúme às vezes, é doentio. Mas eu te amo. E isso já me basta! Eu te amo! E isso que importa! Eu espero seu amor voltar a ser o mesmo. Eu espero o tempo que for! Mas por favor, Igor, por favor... Por favor!
 
Selma chorava intensamente. Seu desespero era evidente. Sentia que estava prestes a perder a pessoa que, com todos os defeitos, ainda assim tornava sua vida mais feliz. Chorava ajoelhada aos pés dele. Abraçava sua perna como se ela fosse sumir a qualquer instante. Já Igor, permanecia imóvel, chorando silenciosamente. Enxugava cada lágrima que surgia em seus olhos antes que elas escorressem.
 
-Eu te amo, Igor. Não é drama, eu te amo. Eu não consigo estudar, pois sempre me distraio pensando em você. Não consigo pensar em outra coisa que não em mim e você!
 
-Logo você conhece outra pessoa. Logo eu só vou ser um ex! Vai por mim.
 
-Eu quero você! Com todos seus defeitos. Me desculpe por tudo que eu disse agora. Estou passando por cima do meu orgulho. Por favor, fica comigo!
 
-Não dá.
 
-Fica, por favor, fica!
 
-Não dá, Selma.
 
-Por favor...
 
-Vou embora...
 
-Por que é que tem que ser assim? Eu te amo! Isso não basta? Digo eu te amo quantas vezes for necessário. Digo que estou errada, que fui egoísta quantas vezes você quiser! Olha, eu vou ao motel com você! Não era isso que você sempre quis?... Eu passo por cima da vergonha e do medo e vou contigo...
 
-Selma, tudo isso envolve muito mais do que palavras! Não são palavras que vão mudar as coisas! Não dá pra continuar. Mesmo que você queira, eu não quero. Sinto muito.
 
Ela afundou o rosto no travesseiro. Ele saiu do quarto.
 
Ela chorou ainda mais um pouco. Depois se levantou, foi até o banheiro e lavou o rosto. O brilho das lágrimas deixavam seus olhos ainda mais tristes.
 
Igor desceu as escadas da casa, cabisbaixo. Sentiria falta de subir aquelas escadas correndo atrás de Selma quando apostavam corrida para ver quem chegava ao quarto primeiro. Passou pela sala. Pôde reviver mentalmente o natal do ano anterior. Pôde se ver abrindo seu presente enquanto as pessoas comiam e bebiam. Ao lado, Selma, o olhando com um olhar que entregava sua admiração. Perguntou-se como aquilo tudo foi se perdendo com o tempo. Como um namoro que ele julgava durar para sempre, um namoro que antes o fazia bem, acabaria em lágrimas sofridas?
 
Perguntou-se por que ao fim de namoros, tudo parece tão sem cor. Por que depois que as pessoas terminam, elas tentam provar que podem viver umas sem as outras, quando, na verdade não passa de uma mentira. Por que as pessoas tentam fazer chegar aos olhos e ouvidos de seus ex-parceiros que elas estão se divertindo muito, que estão muito bem, quando, na verdade, estão tentando apenas enganar a si próprio? Quando na verdade só estão injetando ilusão em seus corações.
 
Perguntou-se por que as pessoas tendem a se iludir. Por que as pessoas tentam ferir quem amam a troco de satisfação. Eram tantas perguntas. E ele não sabia as respostas. Talvez se as soubesse, muita coisa seria diferente. Muitas coisas teriam seguido outros rumos.
 
Igor sabia que ela não era a única culpada pelo fim. Ele também vacilara. Quantas vezes ele não a elogiou quando ela aparecera com cabelos novos, ou unhas pintadas? Quantas vezes eles podiam te sentado e conversado ao invés de se ignorarem por dias até que conversassem.
 
Ambos eram errantes. Ambos preferiram ter a certeza de que o outro procuraria. E nesse meio tempo, tudo foi esfriando. Mas ele sabia que se não parasse o namoro ali, tudo só tenderia a piorar, e não queria odiar alguém que tanto amou nos últimos vinte e quatro meses. Que se terminasse ali, um dia, eles poderiam voltar.
 
Passou pela cozinha e abraçou sua agora, ex-sogra. Abraçou-a chorando. Ela não disse nada, apenas o abraçou e disse: “Vai com Deus”. Ele não soube distinguir se aquilo tinha sentimentos. Sentiria saudade daquela casa. Saiu pela porta sabendo que por ali, provavelmente ele nunca mais passaria.
 
Lá em cima, Selma se trocava. Estava vestindo uma roupa mais leve. Seus olhos ainda se encontravam cheios d’água. Seu peito cheio de angústia. Já começava a sentir saudades dele.
 
Deitou-se na cama e começou a ler as cartas antigas. Chorava e ria a cada lembrança que lhe passava diante dos olhos. Chorava e ria com cada piadinha que ele soltava naquelas folhas de papel ofício sempre cheia de palavras tão belas. Lembrava-se de todas as conversas, todas as brigas. E não suportava ter de pensar que aquilo nunca mais aconteceria. Que nunca mais deitariam no sofá da sala e ficariam vendo DVDs durante tardes de chuva. Que nunca mais sairiam para conversar sobre assuntos fúteis que se tornavam tão importantes quando era assunto deles. Não suportava ler aquilo e imaginar que nunca mais teria Igor ao seu lado. Fechou as cartas. Fechou o álbum de fotos. Sentou-se na cama e ficou olhando para a janela.
 
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2 - O COMEÇO
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-Oi!
 
-Olá!Você que é a amiga da Luane?
 
-Sou eu sim. Selma, prazer. -disse a menina tirando um pirulito da boca e segurando-o na mão.
 
-Nossa! Você é ainda mais bonita pessoalmente. Meu nome é Igor!
 
-É, eu sei. A gente conversa pela internet esqueceu?
 
Ambos riram. Estavam se sentindo bobos.
 
-E aí, pareço mais alto ao vivo?
 
-Parece sim. Você tem lindos olhos. Azuis, né? Engraçado que nas fotos eles parecem verdes.
 
-É. Nem eu sei de que cor eles são. Tem gente que diz que são verdes, outros dizem que são azuis, outros que são cinza.O importante é que enxergam bem, né?
 
-Com certeza. Importante é ter saúde.
 
Ficaram em silêncio.
 
-É... Esse silêncio é fogo, né?
 
-Com certeza. Mas é por que é a primeira vez que nos falamos. Vai ver, amanhã vamos inflacionar assunto!
 
Ambos sorriram.
 
-Você curte o que? Parece ser aquelas meninas quietinhas.
 
-É, eu não saio muito, sabe? Minha mãe não deixa. Então eu me viro em casa mesmo. Fico na internet.
-Internet? Putz! Será que um dia todo mundo vai deixar de ter vida social no futuro só pra ficar on line?
-Sei lá... Mas eu tenho vida social. Tenho amigos!
 
-Virtuais... Não é?- disse ele sorrindo.
 
Ela também sorriu.
 
-É, mas podem se tornar reais. Você, por exemplo. Você era um amigo virtual que se tornou real.
 
-É, isso é.
 
-Mas quem me garante que você não é uma menina virtual criada por cientistas?
 
Selma olhou procurando se alguém observava. Depois se virou e olhou nos olhos de Igor.
 
-Acho que isso prova o suficiente real que eu sou. -disse beijando-o nos lábios e deixando o pirulito cair.
 
Ficaram se beijando por minutos e minutos.
 
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3- NÃO MAIS
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Igor saiu às seis da manhã de casa. Acordara trinta minutos antes, e mesmo assim estava atrasado.
 
Tomou um banho rápido apenas para molhar seus cabelos e poder penteá-los.
 
Pegou sua mochila e desceu as escadas de seu prédio. Passou pela portaria, desejou bom dia para duas vizinhas idosas que caminhavam pelo jardim e saiu do prédio.
 
Andou mais um pouco até o sinal para atravessar. Esperou enquanto ligava seu Mp3 e escolhia uma música que lhe agradasse. De repente, fixou o olhar no ponto de ônibus do outro lado da rua, havia alguém lá que ele conhecia. Forçou ainda mais a vista e pode reconhecer. Era Selma. Mas o que ela estaria fazendo ali?
 
-Oi, Selma! - disse ele segurando sua mochila apenas de um lado do corpo.
 
-Olá, menino! Imaginei que fosse te encontrar! - disse ela abraçando-o.
 
Ele se esquivou.
 
-Ué? Não posso te abraçar? Não posso mesmo?
 
-Selma, o que você tá fazendo aqui? Ainda mais a esta hora da manhã?
 
-Ah, é que o ônibus que eu pego tava demorando e tal, aí resolvi pegar outro e descer aqui, se não me atraso, e hoje tem prova.
 
-Sei... -sussurrou desconfiado- Mas logo aqui? Na frente do meu prédio?
 
-Ué, que mal tem, Igor? Euhein! Parece que tá fugindo de mim!
 
-Sério, Selma, tá chato isso! Já é a terceira vez que vejo você aqui nas redondezas sempre nesse horário. Ontem eu te vi no metrô, mas você não me viu por que me escondi.
 
-Que metrô? Tá doido?
 
-Você ontem esperou eu sair do prédio e foi andando na frente em direção ao metrô. Pensa que não vi você prestando atenção na minha conversa com o Guilherme, e eu dizendo que iria de metrô pra passar no maracanã. Aí você me esperou sair, foi na frente pra não dar bandeira. Mas eu te vi,e me escondi. Vi você me procurando.
 
Selma calou-se. Estava constrangida.
 
-Já tá passando dos limites! Já terminamos há dois meses, e você ainda está nessa? Até quando você vai continuar com isso? Até quando eu vou ter que te evitar? Fugir de você? Acabou! Acabou, porra!
 
Igor se virou e foi embora do ponto de ônibus.
 
-Igor, espera! -pediu ela sem sucesso.
 
Ele continuou andando em passos rápidos. Ela ficou o observando. Vendo-o se afastar. Segurou as lágrimas. Prometera não chorar mais por Igor. Prometeu nunca mais pensar nele. Mas não conseguia tirá-lo de suas memórias.
 
Igor virou a esquina. Estava aborrecido.
 

NÃO DEIXE DE LER O FINAL DESSA HISTÓRIA
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Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 16/10/2012
Reeditado em 16/10/2012
Código do texto: T3936647
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