A noite da conversa
Ele estava naquele ônibus ouvindo a música mais lenta de seu celular. Estava reflexivo, mas, ao mesmo tempo, com uma vontade inexplicável de sorrir. Ele ia encontrar uma menina que conhecera pela internet, da forma mais difícil que existe para conhecer uma pessoa. Mas ela não era qualquer menina, ela era 'a' menina.
Ele não era daquele tipo de cara que gostava de baladas e nem mesmo de altos papos com pessoas que não possuía grande afinidade. Ele era do tipo nerd. Ele era capaz de passar um dia inteiro em frente à ofuscante tela de um computador e ainda ter a mente descansada para ler. Ele ainda morava com os pais, não saía sozinho e não possuía amigos para chamar de "galera": eram apenas quatro. Mas ele estava perdidamente apaixonado por aquela menina que ele nem mesmo vira a face e muito menos ouvira a voz.
Tudo começara quando ele fora induzido a criar uma conta no Blogger. Uma das amigas dele demonstrara o quão interessante o site era devido à diversidade de postagens que poderia criar ou acompanhar. Ele logo se familiarizara com a mídia social e com pouco tempo conseguira ser seguido por muitas pessoas, criar um design interessante e postar vários de seus textos. Sim, ele escrevia. Sonhava alto e sabia criticar, todos elogiavam o que fazia, mas ele nunca focara a área para sua carreira profissional, sempre fora um hobby.
Dois meses se passaram e mais textos ele postava, até que uma moça diferente começara a segui-lo. Ele soubera que ela era diferente pelos gostos, pelos escritos e, principalmente, pela sua poética forma de conduzir o leitor numa simples narração. Ela parecia ser do tipo incrível. Era apenas um ano mais velha que ele e conseguia unir a nobreza da criatividade com a pureza e paixão de uma doce donzela.
Então, a partir de um mero comentário feito por ela, uma mera frase escrita em duas linhas para falar sobre a postagem daquela página, ele a conhecera. Ele comentara de volta, ela também e a partir dali se elogiaram e viram que os dois possuíam gostos inteiramente semelhantes, mas não sabiam nem mesmo dez por cento das características um do outro.
Dois longos meses de silêncio se passaram, eles nem mesmo sentiram falta do outro, afinal, trocaram poucos comentários em um poema que ele postara. Mas não fora apenas isso. Eles se conheceram e, a partir daquele momento, ouso eu afirmar que algo mudou no universo, talvez em algum lugar houvesse algo que incandescera uma magia no coração deles.
Aquilo que era dele, haveria de se juntar a ele, isso eu dou certeza.
Afinal, qual outra explicação seria plausível para definir o que ela fizera ao encontrá-lo no Twitter? Ela o seguira, ele a seguira também e aquilo que começara com um comentário já era início de um longo bate papo. Ela criara também um uma conta no Ask, onde o seguira e começaram a trocar perguntas. Ele era quem mais perguntava para ela e ela começara a perguntar para retribuir. A partir daí a intensidade do relacionamento amistoso dos dois foi aumentando e eles começaram a trocar perguntas anônimas, onde demonstravam dúvidas que guardavam no coração sobre aquele que estava do outro lado da tela. E assim eles foram se gostando. E assim já estavam cientes do dia-a-dia um do outro e estavam inteiramente loucos para se conhecer.
Ela de Goiás e ele de São Paulo. Ele um poeta e ela uma poetiza. Ele um piadista e ela uma criança grande. Ele um nerd e ela quase. Ele um louco apaixonado e ela uma sonhadora.
E assim finalmente continuo a parte inicial de minha narrativa. Um casal que se conhecera na internet estava prestes a se ver e ele se sentia inteiramente confortável ali, aturdido em seus pensamentos, no balanço do ônibus pela estrada. Ela estava lá, numa praça perto da casa dela, onde marcara para conhecê-lo, ansiosa. Ainda eram quatro da tarde, ela chegara cedo, afinal, ele previra que chegaria quase à noite.
Ela também estava ansiosa, tanto quanto ele. Esses encontros pela internet os deixaram ainda mais inspirados para escrever e pensar. Afinal, assim surgem poetas: no ápice da paixão!
Ele conseguia ouvir a voz dela em seu ouvido, sem nem mesmo a conhecer. Ela conseguia sentir seu terno abraço sem nem mesmo tocá-lo. E ainda assim eles se perguntavam se aquela pessoa que iriam conhecer seria digna de um relacionamento de anos, pois aquilo que sentiam mais parecia uma grande paixão. Eles pensavam um no outro, sonhadores. Mas sentiam grandiosa insegurança quanto ao sentimento verdadeiro que tomava seus corações.
Oh! Doce paixão! Consigo senti-la somente ao pensar nesses dois.
Mas nada era tão fácil quanto parecia. Já havia passado das oito horas e ela estava cansada de esperar. Ele estava a exatos quinze minutos dela e ela foi embora, com o pensamento de que aquele que conhecera na internet era uma farsa, um tratante inconfiável, o qual ela ainda tinha esperanças de conhecer, por estar apaixonada. Mas as esperanças transformaram-se em ceticismo.
Ele chegou ao local onde havia marcado. Sua tristeza exalou para o ambiente o quão desgostoso ele estava por não a achar. Eles se gostavam e eles não se conheciam, a paixão conseguiu ser doce e amarga ao mesmo tempo para aqueles dois. Ele voltou para sua cidade horas depois de vagar solitariamente pelas ruas da cidade, na esperança de vê-la, mas ela trancara-se em casa.
É uma pena, mas, depois dessa romântica narrativa, devo avisar-lhe que o casal de nossa história não se falou mais por uns dois anos. Anos esses capazes de mudar planos, carreiras, pensamentos e até mesmo vidas. Mas o tempo não apaga o amor, apenas diminui ou aumenta sua intensa chama, que nunca há de se apagar.
Quando ele entrava em contato, ela não respondia. Quando ela entrava em contato, era anonimamente e ele não a reconhecia. Assim, ele achou que nunca poderia conhecê-la, desesperançoso.
Certo dia, movido pelo pensamento de que a menina dos sonhos dele estava a alguns muitos quilômetros de distância e poderia ser encontrada, ele fez amizade com um professor da faculdade dela via internet. Ela não possuía plano algum de namorar, achava que um relacionamento poderia atrapalhar sua faculdade, mas ele tinha certeza de que o futuro estava quase no presente e havia algo muito forte entre eles.
Ele estava em êxtase. Até quem o viu lendo o jornal na fila do pão soube que ele poderia encontrá-la. A partir do contato com um professor da faculdade dela, ele mandava recados para ela como "Estou chegando" ou "Estou com saudades". Ela simplesmente não entendia nada, mas o professor sempre inventava uma desculpa para afirmar a existência de um admirador dela.
Assim, ele coletou informações de como poderia encontrá-la por meio da amizade com o professor e foi à Goiás, ciente de que ela poderia não querer vê-lo, mas ciente de que precisava dizer para ela aquilo que guardara na alma por mais de dois anos.
Ao chegar na rodoviária, ele foi recebido por ninguém menos que ela - acompanhada da mãe, por precaução -, que o recebeu inteiramente feliz. Ela era realmente como ele imaginara e os dois tiveram a certeza de que estavam apaixonados logo nos primeiros minutos de conversa.
Naquela noite, eles conversaram sobre tudo o que nunca tiveram a oportunidade de falar e ele pôde dizer tudo aquilo que sentia por ela. Ela também expressou seus sentimentos por ele. E o casal que achava que um grande amor poderia atrapalhar a carreira, estava embriagado no mais puro romance que já viveram. E assim aquela noite poderá ser lembrada por muitos e muitos anos como a noite em que eles conversaram aquilo que sempre guardaram na alma. Assim, aquele amor que era dúvida tornou-se verdade.
Porque, ainda que demore, o amor há de cumprir seu ciclo natural e, mesmo que o sentimento deles fosse apenas paixão, não importaria, afinal, é de uma profunda paixão que se forma um grande amor.