A Noite Da Conversa
Era inverno e estávamos eu e meu amigo Carlos no sul de minas, andando em meio às nossas montanhas. Tremíamos de tão frio que estava, mas decidimos continuar a explorar nossa terra. Conversamos e rimos durante várias trilhas percorridas, mas andamos tanto que nos esquecemos da hora, e de tanto fugir do caminho, nos esquecemos da rota. Já estava escurecendo, quando vimos uma lamparina a uns cem metros. Era a casa de um velho casal de uns setenta anos. Eles viram nossa situação, cansados e pouco agasalhados, e nos deixaram passar a noite ali. Não poderíamos ter pedido mais. Os velhinhos nos ofereceram uns pães de queijo e mais a note um feijão tropeiro que bem temperado que tirou o frio da noite. Na casa havia apenas um quarto, a sala, cozinha e um banheiro. Fomos dormir na sala perto de uma lareira, observando pelas frestas da janela de madeira as estrelas e as silhuetas daquele mar montanhoso. Carlos começou a falar da simplicidade da vida ali naquele lugar:
- Esse velhinho feliz com sua velhinha, com sua casa, sua vida, e ainda existe essa gente (a gente), aí fora, com tanta preocupação pra pouca vida.
-Verdade. - disse eu – Sabe o que eu acho?
-Diga – ele respondeu.
-Passamos a vida correndo pra alcançar o vento. Na minha época de escola já via isso. Hoje mais madura eu entendo. Eram tantas pessoas tentando se destacar, até eu mesma. Meus supostos amigos às vezes me tratavam bem, às vezes mal, mas eu tentava entender todo mundo. Uma paixonite atrás da outra, ficávamos sonhando com quem nunca iria saber da nossa existência. E hoje estamos a maioria tentando sobreviver, tentando ser mais.
Carlos abriu um sorriso e disse:
- Correndo pra alcançar o vento... O triste é que a maioria dos que viveram não alcançaram foi nada. Lembro que um colega meu se preocupava demais em saber dos grandes pensadores, em criticar o mundo, em apoiar o inapoiável, e hoje ele ainda vive como todos nós, procurando sempre mais.
Ainda olhando as estrelas eu disse:
- Sempre, sempre, sempre mais. O legal é que não precisamos de mais, não de tanto mais. O que faz aparecer essa necessidade de ser melhor? Por que pra sermos melhores precisamos de tanta liberdade?
Pra minha surpresa Carlos respondeu:
- A liberdade é o ópio dos pensadores, pra eles é a esperança. O que me mata é que as pessoas buscam cada vez mais liberdade sem saber como lidar com um pouco dela. Olhe você com 25 anos, e eu com 27, já sabemos e passamos por problemas do tamanho dos problemas que aqueles velhinhos já passaram.
Essa conversa durou umas duas horas. Olhei no relógio e já eram três da manhã. Carlos deitou em um sofá e eu deitei em outro; peguei meu celular para ver as notícias, mas estava sem sinal. Olhei para o lado e vi Carlos encarando o teto. Ah, abrindo um parêntese, ele já havia dado indícios que gostava de mim, mas nunca teve coragem pra dizer nada, assim como eu. Bom, continuando, eu perguntei a ele o que ele tinha; ele virou e disse:
-Dizem que não temos tempo a perder, aí eu me pergunto o que é ou não perder tempo; como passar uma vida inteira lidando com o tempo? Com que gastamos nosso tempo e nossa vida? Sabe, a gente vive aleatoriamente demais.
Automaticamente eu disse:
- Devemos passar a vida com que conversamos, porque dinheiro acaba, a roupa se desgasta, a casa pode cair, mas com que nós conversamos, até os olhos podem se comunicar.
Falamos disso por tanto tempo que vimos o sol raiar, os velhinhos se levantarem, o dia começar, e a água pro café esquentar.
- Sabe, você disse pra passarmos a vida com quem conversamos. - Disse Carlos.
- É eu disse isso. – Respondi
Então Carlos perguntou:
-O que fizemos nas últimas seis horas?
-Conversamos. – eu respondi com o rosto vermelho- Vamos primeiros conhecer a vida, pra ver se depois a gente tentar passar ela juntos, tudo bem?- era o medo falando.
Carlos olhou para baixo e disse:
- Lembrando-se de uma música, digo que conhecer a vida cabe ao nosso amor eterno, porque o coração não é tão simples quanto você pensa. Nele cabe muita coisa, caibo eu, cabe você, cabemos nós dois. Mas isso você decide.
Ele se levantou, me deu um beijo na testa e foi arrumar as mochilas. Eu, bom, eu fiquei lá olhando pra parede, pulando por dentro, de tanta felicidade.
Os velhinhos, eu e Carlos tomamos café, e enquanto conversávamos ouvimos alguns carros chegarem. Eram os guias e outros três amigos que não fizeram a caminhada e ficaram super preocupados se estávamos bem. Carlos foi pegar as mochilas para irmos embora; eu o esperei e quando ele veio para fora eu segurei a mão dele; todo mundo olhou com um sorriso, até que alguém disse: “Até que em fim hein?!”.
Entramos no carro e fomos curtindo Titãs até chegarmos à pousada. Foi quando eu caí... Mas deixa esse tombo vergonhoso pra outro dia, porque agora tenho que ir provar meu vestido de casamente e ver se o terno de Carlos vai combinar.