faz com que tudo seja planejado

Alguém uma vez me disse que nessa vida nós só temos direito a uma única certeza. E por isso entrei naquela sala. O ar cheirando a queijo derretido, queijo com goiaba. A tv chiando porque estava desligada, porque desligar é estar ali e não poder. A parte proibida da floresta. Eu evitaria se soubesse melhor. Soubesse mais dos cactos que não se deixam os espinhos penetrarem na pele. A pele, a pele dela como alguma fruta só vendida nos portões do paraíso. Minha entrada direta pra lugares que destroem seus próprios muros. E nós faríamos, eu sei que faríamos mais muros do que eles aguentariam derrubar. Então deixaríamos porque eu me confortava ao ver você rir com isso. Trata-se de aguentar o que você não deve. O que você não conseguiria suportar somente com o que a sua mãe te ensinou, precisaria de algo maior, precisaria até mesmo de mim. A sobrecarga é um peso com outro peso dentro. Trata-se sobretudo de aguentar o que você não deve. A tv chiando loucamente porque desligar é comer tudo o que vem pela frente sem nem ter estômago. Pra onde tudo vai quando não tem isso de onde? O avião cada vez insuportavelmente em cima do preço anterior, voar, se quer saber, voar é só pra quem tem permissão. A tv estourando porque desligar, ah, desligar é a porra do fim sem o início. Mas você que não é ela não saberia dizer nada. Nós só temos direito a uma certeza nessa vida. Faz com que tudo seja planejado. Seguir caminhos de outras dimensões, se auto-materializam conforme o contorno dos passos, algumas pombas brancas que nem podem te desejar prosperidade porque elas mesmas não possuem coisas assim. Ela que me devorava sem sequer abrir a boca. Não chegava aos pés do romantismo porque não era ideal, era surreal, o meu surreal. A sala fervendo, quarenta graus, cem graus, infinito-e-até-depois graus. Deslisava o toque na tomada, sem medo do choque, sem ao menos com medo do choque. A sequência de cores lá fora tinha sincronia bagunçada, nós roubamos, eu que roubei. Em mãos a minha única certeza, eu assinaria o meu atestado de óbito caso não a sentisse, eu assinaria com a mão por debaixo da alma - um fino, quase fora daqui, lençol de luz e brilhos amarelos estridentes - pra cobrir as minhas digitais caso eu não sentisse. Parecia que era tudo planejado. Mas acho que isso aqui não era a parte certa do show. Não era parte nenhuma desse show.

Beatriz Adrivin
Enviado por Beatriz Adrivin em 01/10/2012
Código do texto: T3911181
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