eu posso ser o seu lado bom das coisas

Enquanto ela me dizia sobre vícios, nunca pintar a unha de vermelho porque lembra o que tem embaixo, nunca saber da verdade que já foi mentira, nunca pesquisar nada por medo das respostas. Enquanto ela me dizia de dor, que doía, muito, muito, e ia tão fundo que ninguém deveria sentir junto. Que ninguém ousaria sentir junto. Porque ser junto é como luz fotografada, talvez seja arco-íris, talvez seja cegueira, talvez seja quatro pontas indicando direções pra você ir embora. E ela não queria ir embora. Mas não queria ficar. Ela detestava afirmar que o céu também tem céu. Odiava a culpa de falar não. Enquanto ela me dizia pra sempre, pra sempre porque eu mesmo fiz questão que seja, pra sempre porque a única mão que encaixaria perfeitamente na minha seria a dela. É quando você percebe que pessoas estão embaixo de qualquer pele interna. É quando você repara que fica na ponta do pé só pra poder criar o hábito de tentar se levantar. E ensinar pra alguém, pra um alguém, como é que funciona. Enquanto ela me dizia sobre se embolar nos caminhos, que o escuro é quase tão estranho quanto a claridade, que seria preciso de cada vez mais vezes pra fazer ela entender qual a diferença de tocar pra encostar. Enquanto ela, só ela, só ela, me fazia querer engolir gente pra guardar em compartimentos especiais do corpo. Fazia todas as leis ficarem mais fracas, o que era a gravidade também querendo ir pra cima, o que era o calor ser calmo querendo ver melhor. Eu num mundo que eu fosse menos obcecado, menos covarde, eu diria pra ela tudo também. Eu posso ser o seu lado bom das coisas. Eu posso ser o seu escudo pra ouvir a sua respiração na minha, o ar quente sobrepondo meus poros, os seus dedos passando de leve nas costas pra eu saber que você ainda está ali. Enquanto ela me dizia do impossível que tinha misantropia e mesmo assim amava todo mundo, sobre o incondicional te fazendo desejar os defeitos, conhecer sem nunca ter visto. Só você me fazia ter coragem pra pensar que eu não preciso de salvação. Eu fico na ponta do pé pra criar esse hábito de se levantar. Você pula pra mostrar que eu não preciso de salvação. E eu pulo pra mostrar que eu posso ir junto.

Beatriz Adrivin
Enviado por Beatriz Adrivin em 01/10/2012
Código do texto: T3911179
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