Soninha

Quarta feira, 21h.

Estava ali sentado em um bar qualquer, numa rua qualquer, num dia de um mês qualquer, do qual não me recordo. Bebia uísque, bebida a qual eu reservava para meus dias mais amargurados. Uísque não combinava com alegria. Para mim, era a bebida de escolha quando queria lamentar ou refletir sobre algo que me causava incômodo. Neste caso, neste dia em particular, incômodo era um baita de um eufemismo. Eu tinha 26 anos. Os últimos três, havia passado na esbórnia. Andava perdido, sem saber por que andava. Nos braços de uma mulher diferente sempre que podia. Quando não podia, me contentava em me embriagar e escrever minha poesia obscena. Tinha ilusões de um dia ser poeta, escritor, ou viver apenas disso. Mera ilusão. Meu trabalho era entre os aborrecidos, o mais chato e tedioso. Afogava minha insatisfação na rua. Ou entre as pernas de uma mulher. E foi uma dessas, que por uma noite, me fez esquecer de toda e qualquer insatisfação, de todas as outras mulheres que havia tido. Me fez esquecer o meu nome e quem eu era.

Um mês antes, eu havia saído mais tarde do trabalho, numa sexta feira. Desci do ônibus duas paradas antes da habitual e andei pelo centro sem saber para onde ia. Esbarrei com uma dona que subia a rua, à medida que eu descia. Devia ter dos seus 30 anos, mas bastante bem conservada, me fez prender o olhar e sussurrar qualquer coisa sobre seu jeito de andar. Percebi que ela entrou num bar e algo me fez mudar a direção da minha caminhada, e seguir-lhe o rastro. Lá, vi que ela conversava com um amigo, parceiro de sinuca, bêbado e de índole duvidosa. O tipo de parceiro de boemia que eu gostava. Dizia-se chamar Claudio, mas sabíamos que não era seu nome verdadeiro. Este, ele nunca revelara. Eu, apesar de curioso, respeitei-lhe o mistério... Afinal, todo homem tem direito de ter algum segredo.

Pois bem, Claudio trocou algumas palavras com a sujeita e partiu para o banheiro.

Ela, apesar do frio, trajava um vestido curto azul, elegante demais para aquele bar. Fui ao banheiro e encontrei Claudio assoviando para o urinol. Não eram nem oito da noite e o rapaz já estava bêbado como uma jumenta. Sorri-lhe, trocamos algumas palavras, e então perguntei-lhe o nome da jovem.

Soninha... Profissional das artes do amor. Uma Cleópatra, ele dizia... Sujeita de cultura. Educada, fluente em inglês e alemão. Sabia Deus, o porquê ela ganhava a vida daquele modo. Era de uma doçura no olhar, um andar suave, mistura de inocência e lascividade que enlouquecia qualquer homem. Claudio parecia já ter provado de tais prazeres, ou pelo menos conhecia alguém que já tinha o feito, mas sobre isso, não perguntei. Me resumi a sair do banheiro e procurá-la com os olhos para avaliar os tantos predicados que meu amigo enumerara. Mas tal a ironia do destino, que a fulana havia sumido, desaparecido, desencantado. Escafedeu-se.

E foi aí que começou o drama. Procurei entre outros conhecidos, informações sobre a tal Soninha. Pouco descobri, no entanto. Fui-me embora.

Naquela noite, não dormi. Bebi as cervejas que tinha na minha geladeira, e em seguida, vodka com gelo. Escrevi dois ou três sonetos para a mulher, os quais, queimei logo depois. Fechei os olhos quando já eram seis da manhã. Acordei às três da tarde, com uma bruta de uma ressaca e uma angústia inominável. Liguei para Claudio. Duas, três, quatro vezes e nada. Resolvi sair de casa...

Fui ao bar onde tinha visto Soninha entrar. Não a vi.

Andei por horas ainda, antes de parar exausto e sentindo-me mal, numa praça. Meu estômago dava voltas, minha cabeça ardia. E nesta hora, o traste do Claudio retorna-me a ligação. Tinha a voz engrolada, de quem acabara de acordar. Perguntou-me o assunto, e disse que precisava ver-lhe. Não perguntou nada mais. Disse-me para passar em sua casa e eu segui logo que pude. Bati-lhe à porta. Abriu-me de má vontade, com uma ressaca pior do que a minha, e um cheiro de cigarro que me embrulhou ainda mais o estômago. Entrei e fui direto ao assunto.

Disse-lhe que precisava do numero de telefone de Soninha. Precisava vê-la.

Claudio olhou-me meio descrente, ou talvez apenas surpreso. Pegou um guardanapo e anotou um número. Disse-me no entanto que dificilmente eu conseguiria lhe pagar pelos serviços. A tal, cobrava caro, e tinha o costume de servir apenas a alta sociedade. Mas talvez, eu sacrificando metade do meu salário e com um pouco de sorte, conseguiria uma entrevista.

Saí enfim, sem dizer nada e voltei para casa. Deitei-me e minha cabeça girou. Girou tanto que apaguei e só acordei em alta madrugada. Tomei o telefone e o papel que Claudio me dera. Liguei, apesar de relutante, para o numero que ele indicara. Rapidamente, uma voz rouca de mulher respondeu. Apesar da rouquidão, falou docemente.

Disse meu nome e perguntei por Soninha. Falou-me que era tarde para atender-me, mas como tinha insônia, me deu um endereço e disse-me que viesse vê-la em meia hora.

Segui ao seu encontro. Para minha sorte, o local que me indicara, ficava apenas a três quadras de minha casa.

Era um prédio relativamente simples. Moravam nele, majoritariamente estudantes universitários em repúblicas. Não esperava que ela morasse ali, e desconfiado toquei o interfone. A mesma voz rouca respondeu, e quando eu disse meu nome, a porta abriu-se.

Entrei e segui para o elevador. Morava no décimo andar, apartamento 102. Bati duas vezes e ela abriu. Vestia uma camisola branca de algodão. Tinha os olhos ao natural, sem maquiagem, mas visivelmente inchados de chorar. Os cabelos longos e negros estavam soltos e chegavam-lhe a cintura. Disse-me para sentar e perguntou-me se podia me oferecer algo para beber.

Aceitei vodka com gelo. Sentei-me no sofá e ela recostou-se ao meu lado.

Perguntei-lhe porque chorava e ela calou-me com um beijo.

Não falamos mais nada. Levou-me para o quarto e me amou como uma recém casada. Uma insanidade, faltou-me fôlego, e agora faltam-me palavras para descrever o que se seguiu.

Acordei ao meio dia. Estava sozinho na cama de Soninha. Sentia ainda seu cheiro impregnado nos lençóis. Minha roupa estava dobrada em uma cadeira. Levantei-me e me vesti.

Fui à sala e Soninha estava lá, sentada no sofá, muda como uma porta.

Olhou-me como se não me conhecesse. Como se nada tivesse acontecido na noite anterior.

Perguntei-lhe quanto lhe devia e ela não disse nada. Apontou-me apenas a porta e voltou a olhar pela janela o céu azul daquele ensolarado domingo.

Saí calado.

Nunca mais vi Soninha. Ela sumira. Mudara-se sem dizer nada.

Seu telefone não atendia, o porteiro do apartamento não sabia dizer para onde tinha se mudado, apenas que dois dias depois de minha visita, um caminhão de mudança chegara e levara tudo que lhe havia no apartamento. Pagou as ultimas despesas e foi-se.

E eu, amargurado, apaixonado, enlouquecido e de coração partido, voltei para minha vida tediosa. Exatamente um mês depois, entrava num bar qualquer, numa rua qualquer, num dia qualquer e pedia uma dose de Uísque puro.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 30/09/2012
Reeditado em 10/10/2013
Código do texto: T3908748
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