ENSAIO DE AEROMOÇA
Sete anos de trabalho na casa de Raquel, Vannini tinha. A própria Raquel que ensinara à moçoila os serviços de camareira também a ensinou como se comportar na entrevista para uma vaga de aeromoça.
Os bons modos impressionam favoravelmente, disse a patroa: “O modo de sentar, caminhar no corredor da aeronave ou ficar em pé, enfim, os bons modos, indicam a linha de educação, a personalidade e o estado de espírito da pessoa. Tudo isso, da maneira mais natural possível. A fala ou os gestos excessivamente artificiais irritam e causam fadiga a quem ouve ou vê. A boa postura física impressiona, favoravelmente, a conquista de emprego, pretensões de trabalho ou casamento. Já o olhar doce cativa e transmite segurança. Cuidado com o olhar. Não olhe demasiadamente para o chão, nem para o teto. Mantenha um olhar horizontal, nivelando-se social e culturalmente com eventual interlocutor ou com a platéia. O olhar para baixo indica submissão, extrema inibição. E o olhar por cima, transmite arrogância e superioridade, o que não é bom. Nunca caminhe apressada nem arrastando os calçados. O andar apressado revela nervosismo e o arrastar de chinelo, preguiça e apatia. O coração modifica a face e a face mostra o estado de espírito da alma, de modo que, em situações de normalidade, a expressão do rosto deve conter um sorriso suave e franco. Já em emergência, deve manter tranquilidade. Nem sorriso fabricado, nem lágrimas. Tudo deve estar sob medida, nem mais nem menos. Na vida é assim, muita coisa tem que ser ensaiada.”
As pessoas se esquecem de ensaiar o colóquio amoroso que começa na sala e termina na alcova. Vannini precisava ensaiar. Ensaiar o primeiro beijo. Neste caso, o ensaiar era facilitar os meios para que o beijo acontecesse.
E aconteceu...
Raquel tinha saído. Fernão chegou querendo como se não quisesse e se sentou ao lado de Vannini no sofá. Quis saber como ela se saíra nos ensaios para a entrevista.
—Anotei tudo que tua mãe me ensinou. Quer que eu represente?
— Sim. Eu farei parte da encenação. Serei o empresário.
Ela caminhou pela sala. Parava, caminhava outra vez e dava avisos.
— Palmas para a menina. O emprego é teu.
E se abraçaram. Ela deixou escapulir um sorriso que ele aparou com os lábios.
Não é preciso dizer que Vannini estava no avião repassando a fita de sua vida gravada nas tranças congeladas. Recordações desastrosas, lembranças de um casamento fracassado. O dela. Pensava alto, e, de alguma forma, deixava gravado na caixa preta tudo que se passava na aeronave e com a aeronave.
Flap
O Dispositivo localizado na parte inferior da asa do avião foi acionado.
— Não faça isto, Hemor! — disse o co-piloto — não podemos intentar aterragem agora. É mais seguro arremeter.
Momentos depois, a chefe de comissários, entrou na cabine e viu o co-piloto caído. Ele tinha sangue nas mãos e um cinto preso ao pescoço. Hemor estava morto com um corte transversal na barriga e o botão indicador de altitude estava desligado. Vannini acionou o side-stick com a intenção de arremeter, mas o aparelho não correspondeu. Outra vez Fernão traçou, uma cruz, desta vez, só na boca, como se dissesse: “ ‘Fecha-te’. Há muito mais na vida do que comer, beber e acumular divisas, brasões e estrelas nos ombros; há muito mais do que ser um líder, um formador de opiniões. Há mais beleza na imagem projetada pela sombra de duas asas de uma ave do que todo encanto das sete maravilhas do mundo”.
Levantou-se. Estendeu os braços como se quisesse abraçar o mundo, abraçar tudo que antes desprezava! Seu corpo pareceu leve, limpo e mais branco do que a neve. A alma nova lavada totalmente de sua falta, um coração novo, um homem novo a sorrir com a pureza de uma criança. Sacou a porta de emergência e tentou ficar em pé sobre a asa do avião cuja turbina pegava fogo. Desceria com calma, deixaria o corpo escorregar na horizontal. Alteraria sua aterrissagem de piloto em porta-aviões, para pousar como uma mariposa na jangada de Papyllon. Sem o brevê, sem incorporar-se à Esquadrilha da Fumaça, não poderia fazer um loop diante do olhar atônito de Vannini, senão naquela hora. Em seguida, deu ordens à sua mente: “Fernão, você é uma folha” e deixou o corpo cair, rolar no espelho das águas como uma folha seca tocada pelo vento. A água dura bateu em suas carnes, ardeu como choque em concreto. Não sabia se era capaz de suportar a dor dilacerante. Estava tonto, desorientado. As águas o envolveram, o abismo o cercava. Algas passavam sobre sua cabeça e um camarão com sete barbas de profeta, disse-lhe: “Não queiras ir para Tárcis, quando eu te mandar para Nínive”. Fechou os ouvidos, tapou os olhos e mudou o pensamento. Deixou de lado a as leis da Física e ateve-se às noções de sobrevivência no mar. “Só tende salvar um náufrago, se tiver certeza de que não vai se afogar com ele”. Precisava aplicar tudo que aprendera no curso de aviação sobre acidentes aéreos.
O Airbus Skylab deixava uma história gravada numa negra folha de papel betumado: ele voava baixo ou teria o piloto tentado pouso de emergência no mar? Fernão quis gritar o nome de Vannini e não pôde. Tudo estava escuro muito escuro... Nem mesmo o clarão da aeronave em chamas, o náufrago podia ver.
Os bons modos impressionam favoravelmente, disse a patroa: “O modo de sentar, caminhar no corredor da aeronave ou ficar em pé, enfim, os bons modos, indicam a linha de educação, a personalidade e o estado de espírito da pessoa. Tudo isso, da maneira mais natural possível. A fala ou os gestos excessivamente artificiais irritam e causam fadiga a quem ouve ou vê. A boa postura física impressiona, favoravelmente, a conquista de emprego, pretensões de trabalho ou casamento. Já o olhar doce cativa e transmite segurança. Cuidado com o olhar. Não olhe demasiadamente para o chão, nem para o teto. Mantenha um olhar horizontal, nivelando-se social e culturalmente com eventual interlocutor ou com a platéia. O olhar para baixo indica submissão, extrema inibição. E o olhar por cima, transmite arrogância e superioridade, o que não é bom. Nunca caminhe apressada nem arrastando os calçados. O andar apressado revela nervosismo e o arrastar de chinelo, preguiça e apatia. O coração modifica a face e a face mostra o estado de espírito da alma, de modo que, em situações de normalidade, a expressão do rosto deve conter um sorriso suave e franco. Já em emergência, deve manter tranquilidade. Nem sorriso fabricado, nem lágrimas. Tudo deve estar sob medida, nem mais nem menos. Na vida é assim, muita coisa tem que ser ensaiada.”
As pessoas se esquecem de ensaiar o colóquio amoroso que começa na sala e termina na alcova. Vannini precisava ensaiar. Ensaiar o primeiro beijo. Neste caso, o ensaiar era facilitar os meios para que o beijo acontecesse.
E aconteceu...
Raquel tinha saído. Fernão chegou querendo como se não quisesse e se sentou ao lado de Vannini no sofá. Quis saber como ela se saíra nos ensaios para a entrevista.
—Anotei tudo que tua mãe me ensinou. Quer que eu represente?
— Sim. Eu farei parte da encenação. Serei o empresário.
Ela caminhou pela sala. Parava, caminhava outra vez e dava avisos.
— Palmas para a menina. O emprego é teu.
E se abraçaram. Ela deixou escapulir um sorriso que ele aparou com os lábios.
Não é preciso dizer que Vannini estava no avião repassando a fita de sua vida gravada nas tranças congeladas. Recordações desastrosas, lembranças de um casamento fracassado. O dela. Pensava alto, e, de alguma forma, deixava gravado na caixa preta tudo que se passava na aeronave e com a aeronave.
Flap
O Dispositivo localizado na parte inferior da asa do avião foi acionado.
— Não faça isto, Hemor! — disse o co-piloto — não podemos intentar aterragem agora. É mais seguro arremeter.
Momentos depois, a chefe de comissários, entrou na cabine e viu o co-piloto caído. Ele tinha sangue nas mãos e um cinto preso ao pescoço. Hemor estava morto com um corte transversal na barriga e o botão indicador de altitude estava desligado. Vannini acionou o side-stick com a intenção de arremeter, mas o aparelho não correspondeu. Outra vez Fernão traçou, uma cruz, desta vez, só na boca, como se dissesse: “ ‘Fecha-te’. Há muito mais na vida do que comer, beber e acumular divisas, brasões e estrelas nos ombros; há muito mais do que ser um líder, um formador de opiniões. Há mais beleza na imagem projetada pela sombra de duas asas de uma ave do que todo encanto das sete maravilhas do mundo”.
Levantou-se. Estendeu os braços como se quisesse abraçar o mundo, abraçar tudo que antes desprezava! Seu corpo pareceu leve, limpo e mais branco do que a neve. A alma nova lavada totalmente de sua falta, um coração novo, um homem novo a sorrir com a pureza de uma criança. Sacou a porta de emergência e tentou ficar em pé sobre a asa do avião cuja turbina pegava fogo. Desceria com calma, deixaria o corpo escorregar na horizontal. Alteraria sua aterrissagem de piloto em porta-aviões, para pousar como uma mariposa na jangada de Papyllon. Sem o brevê, sem incorporar-se à Esquadrilha da Fumaça, não poderia fazer um loop diante do olhar atônito de Vannini, senão naquela hora. Em seguida, deu ordens à sua mente: “Fernão, você é uma folha” e deixou o corpo cair, rolar no espelho das águas como uma folha seca tocada pelo vento. A água dura bateu em suas carnes, ardeu como choque em concreto. Não sabia se era capaz de suportar a dor dilacerante. Estava tonto, desorientado. As águas o envolveram, o abismo o cercava. Algas passavam sobre sua cabeça e um camarão com sete barbas de profeta, disse-lhe: “Não queiras ir para Tárcis, quando eu te mandar para Nínive”. Fechou os ouvidos, tapou os olhos e mudou o pensamento. Deixou de lado a as leis da Física e ateve-se às noções de sobrevivência no mar. “Só tende salvar um náufrago, se tiver certeza de que não vai se afogar com ele”. Precisava aplicar tudo que aprendera no curso de aviação sobre acidentes aéreos.
O Airbus Skylab deixava uma história gravada numa negra folha de papel betumado: ele voava baixo ou teria o piloto tentado pouso de emergência no mar? Fernão quis gritar o nome de Vannini e não pôde. Tudo estava escuro muito escuro... Nem mesmo o clarão da aeronave em chamas, o náufrago podia ver.