E se você fosse embora

Camile não sabia mais qual direção seguir. O ar que vinha da brisa do mar lhe cortava os sentidos. Encheu as mãos naquela areia, vendo como elas se desmanchavam em suas palmas, sentindo que nada, mas nada talvez seja para sempre.

Lembrou-se que um dia ajudara a construir uma tartaruga, a qual foi levada pelo vento, mas uma vez erguida ali, teria seu lugar marcado, intacto. Sabia que tinha de voltar, mesmo todos seus sentidos querendo negar bruscamente. Ela, depois de todos esses anos, não tinha mais força, mas teria de ter. Era inevitável. Sua vingança contra todos que lhe tiraram tudo de mais precioso na vida tinha de começar... No entanto, sabia que a vingança era algo que envenenava a alma. Precisava encontrar o amor por si a fim de que o mundo não precisasse abrigar mais uma infeliz. Talvez o amor por si estivesse em outra pessoa, alguém generoso, que poderia lhe ajudar a dividi-lo.

O sal de uma lágrima lhe atingiu o canto da boca. Suspirou, observando o horizonte à sua frente. Fez uma lista mentalmente das pessoas que tinha de vingar-se. A primeira fora a mulher mais maravilhosa que poderia ter amado ao mesmo tempo sendo a que destruiu seu coração por completo: Anne. Ela tremia só de pensar em machucá-la. Mas era seu destino, sua sina... Às vezes um sentimento bom pode se converter em algo mortal quando não consegue ultrapassar os limites do interno e começa a corroer todo o corpo por dentro. Quando não há a capacidade de ejetar o ruim. Amar o que machuca é mais que masoquismo, não se pode explicar e quanto mais se tenta destruir, mais destrói a si. Não poderia se encontrar com Anne porque invés de ter coragem e fazê-la engolir lágrimas, as pegaria com a ponta do dedo e guardaria em seu peito.

Anne fumava um cigarro na varanda de sua casa. Ouviu passos quebrarem o chão. Sabia que ela estava vindo. Aproximou-se por trás, beijou sua nuca e disse:“ - Estamos atrasadas, melhor irmos, meu amor!”Sophie beijou-lhe os lábios, caminhando-se para abrir o carro. Anne sentia-se apavorada. A imagem de Camile largada naquela praia em meio àquela confusão toda doía demais em seu coração, mas ela não teve saída, já estava feito. Nem sempre se podia escolher a pessoa adequada como quem faz quando sai de compras. Sophie era como um produto que está em promoção porque a data de validade se aproxima. Camile era aquele que não se encontra facilmente porque a demanda não é grande. O vento frio lhe cortava o rosto , enquanto observava a paisagem pela janela do carro.

- Está tudo bem? – Sophie lhe perguntou.

- Sim, estou bem. – Respondeu dando-lhe um sorriso. Gritou tão alto por dentro que aquele sorriso foi seu silêncio.

O aeroporto aproximava-se. Se ela embarcasse para Paris, talvez nunca mais poderia ver Camile novamente. Talvez não precisasse revê-la, poderia ser puro sentimento de perda, egoísmo, como quando se sabe que alguém já não estará presente para bajular. No entanto em algo ela lhe importava, pois não saía de seus pensamentos. Só o fato de pensar que não precisava pensar nela, tornava inesquecível. Se Sophie conseguisse demonstrar um terço do que a outra era capaz... A dúvida lhe atormentava. Sabia que Camile não lhe perdoaria. Ela mesmo também não o faria. O que acontecerá com sua vida daqui pra frente? Será que amará novamente? Sophie será seu novo amor? Será feliz? "Não, não, não!" Sua cabeça doía Nesse momento o carro estacionou na entrada do aeroporto. O tempo estava correndo...

Camile foi para casa. Estava nua. Entrou no chuveiro e a sensação da água batendo em sua pele lhe causou um arrepio. Era gostoso, o quente a fez relaxar, o que precisava nesse momento. Com os olhos fechados fingia estar em uma cachoeira nunca visitada, apenas conhecida por ela, inalcançável, onde nem os pensamentos ruins poderiam ultrapassar. Estava protegida de tudo o que lhe rondava, inclusive de si. Engolia a água e fingia se afogar em seu vazio causado pelo canto que foi doado. Ali estaria protegida de Anne. Até que mergulhou. O mais fundo que pôde. As pedras decoravam o fundo com tanta beleza, pensou que poderia ser uma, assim ficaria intacta a todo aquele emaranhado de sentimentos que lhe rondavam.

Um toque de telefone a tirou de seu devaneio. Abriu os olhos e ficou esperando a mensagem cair na secretária eletrônica. "Camile... Camile? Está aí? Não tenho muito tempo, preciso falar rápido...” - Gaguejou Anne, que estava aflita. Fora ao banheiro com a desculpa de um enjôo. Logo teria de voltar, Sophie a esperava no saguão do aeroporto.

Ao ouvir aquela linda voz, Camile nem raciocinou: saiu derrubando tudo pela frente para atender àquele telefonema... Enquanto seu coração explodia, esperou que tocasse durante alguns segundos. Essa era uma atitude ridícula e hipócrita praticada por todos os seres humanos. Sentia que estava a ponto de ter uma parada cardíaca. Respirou fundo, ajeitou os cabelos - como se pudesse ser vista. E atendeu...

- Anne, é você?

- E... eu... eu... Desculpa-me, eu não consigo!

- Não consegue o quê? – Camile ouvia seu coração acelerando cada vez mais.

- Sophie, eu não a amo. E... eu... que...ro você, sempre quis...

O silêncio na linha era perturbador. Camile sentiu-se em pedaços . Depois de tudo o que acontecera? Ela não sabia mais nem em o que pensar.

- Camile, ainda está aí?

- Dizem que aprendemos quando levantamos depois de cair. Eu aprendi de tanto cair após estar levantada. Não vou acreditar em suas palavras porque elas não correspondem às ações. Sabe o que mais odeio no mundo? Amar-te.

- Camile... Por favor!

- Anne, está tudo bem? Temos de ir meu amor, o avião sairá daqui a 30 minutos! – Sophie acabara de entrar no banheiro.

- Avião? Anne, o que está acontecendo? – Camile não entendia mais nada, estava sem forças.

- Dê-me um minuto Sophie, já vou!

- Está falando com quem? - Pergunta Sophie.

- Meu pai. Um minuto, anda.

- Ok, espero lá fora.

- Ei, está acompanhada? Claro, você não consegue ficar sozinha, sempre está seduzindo alguém.

- Não é o que está pensando, Camile.

- O que é então?

- Tenho pouco tempo, meu amor! Estou no aeroporto Kennedy. Não posso mais falar. Portão 55. 30 minutos. Anne desligou o telefone, limpou suas lágrimas indo encontrar Sophie.

Camile estava incrédula. Não conseguia se mexer. E agora? O que essa vagabunda queria? Tornar-se inesquecível através de seus jogos? Estava com outra, outras, quem saberá, e, no entanto a continuava perseguindo. Precisava esquecê-la, mas dessa maneira seria impossível. Era urgente que conseguisse alguma forma de tirá-la de sua mente e salvar seu coração. Seu coração dizia para sair correndo e ir ao seu encontro, mas a razão a impedia de dar um passo à frente. Estava estagnada. E os minutos passando... Ela era a única que conseguia lhe fazer sorrir sem que fosse preciso pensar. Mostrava os dentes antes que se desse conta de que o fazia. Encontrava-se em uma guerra interna. Se pudesse se controlar, tudo facilitaria.

Em um ato de impulso, vestiu a primeira roupa que viu pela frente, pegou as chaves do carro e partiu. Sabia que era errado, depois de tudo que ocorrera,mas não conseguia evitar...

Muitas vezes a felicidade pode durar um momento e o arrependimento uma vida. Como ambos são inconsequentes, optou pelo mais difícil. Não conseguia pensar em nada durante o caminho. Diversas vezes ultrapassou a velocidade limite.

Chegou ao aeroporto, largou o carro desalinhado e saiu correndo.

Todos os números pareciam estranhas combinações em sua cabeça, pois nada mais fazia sentido. Mas precisava de um minuto para se concentrar. "Portão 55, portão 55..."

Paris? Anne com certeza estava com uma mulher. Uma onda de raiva lhe invadiu. Correu para aquele portão como se fosse o ato final de sua vida. Mataria a mulher, mataria a Anne ou se mataria. As três juntas não poderiam sair vivas. De longe reconheceu aqueles cabelos que balançavam levemente com a brisa. Podia sentir o cheiro à distância, só de fechar os olhos. Aproximou-se...

Anne sentiu estar sendo observada. Virou-se e reconheceu, mesmo longe, aquele rosto que tantas vezes não se cansava de observar depois que faziam amor. Seus olhares encontraram-se... Sophie percebeu o clima e pulou na frente das duas, ao passo em que gritava:

- O que essa mulher está fazendo aqui? Você ainda fala com ela?

- Cale a boca Sophie... - Pediu Anne

- Vocês estão brincando? - Ela perguntou.

- Calma... Preciso conversar com ela.

- Mas vocês não têm nada. Nós vamos viajar, anda! O portão fechará! Anda, vem Anne!

Camile queria sair dali, queria se desvencilhar de todos esses problemas, queria não pertencer mais à Anne, mas era inevitável. O amor de sua vida estava ali. Anne deixou Sophie falando sozinha e caminhou até Camile...

- Perdoa-me?

- Sempre te perdoei, mesmo antes que pecasse, já estava perdoada. Porém, esquecer é querer demais. Tenho tudo na memória, por mais que tente, por mais que ame... Quando se quebra a confiança, não há volta. E sei que seria pedir para sofrer, pois você nunca mudará, esse é seu caráter.

- Eu te amo mais do que minha própria vida, Camile. Não consigo viver mais um segundo sem sua presença, sem seus beijos, seu toque. Preciso de você para viver. Não aguento mais. Sei que cometi erros gigantescos, mas estou disposta a largar tudo e ficar do seu lado para sempre. Eu te amo.

- Pena que já não posso acreditar em suas palavras. Eu tento esconder, mas nota-se à distância que sou apaixonada por você. No entanto, há uma coisa que gosto mais... De mim. Vim me despedir porque queria ter a certeza de que o dia em que te visse indo para longe, ficaria de pé. Tudo o que posso dar é um adeus.

Então Camile aproximou-se mais de Anne, lhe abraçou, beijou seu rosto e virou-se. Os passos pareciam não ter mais fim. Doía, mas era o que deveria ser feito. Não conseguia evitar que as lágrimas caíssem por seu rosto.

Anne não se mexia. Pelos seus erros o amor de sua vida estava indo embora. Nunca mais se perdoaria. Tinha se auto traído, traído tudo de mais belo que um dia já pôde ter.

Camile derramava uma lágrima naquele momento, mas não se arrependeria durante toda a sua vida.

Conto escrito por Mariana Rufato (Marimar) e Bianca Moreno.

Mariana Rufato e Bianca Moreno
Enviado por Mariana Rufato em 18/09/2012
Reeditado em 08/07/2013
Código do texto: T3888116
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