A Mulher da Minha Vida
(parte 1)
(parte 1)
"O TEMPO FOI algo que inventaram para que as coisas não acontecessem todas de uma vez."
( Autor Desconhecido )
Do alto do sétimo andar, Magno observava a Lagoa Rodrigo de Freitas à sua frente com um olhar brando. Segurando um copo raso de cerveja em uma das mãos, com a outra segurava o parapeito de alumínio da sua varanda, e erguendo-se um pouco para frente, tentava sentir a brisa batendo contra seu rosto com a barba por fazer. Sua blusa branca estava dobrada até o antebraço, e sua calça jeans dobradas até os joelhos. Seus pés descalços haviam deixado um rasto de água e areia pelo trajeto que fizera até ali. A sala estava com o chão sujo, e a cozinha também. Por fim, parara ali na varanda, e a água de seu corpo começou a escorrer por suas pernas, e criar uma poça no chão, ao redor de seus pés.
Magno olhou para o céu e suspirou. Depois desceu sua cabeça e passou a observar os carros lá embaixo, passando rápidos durante a madrugada, provavelmente com medo da violência no bairro. Seus olhos se fixaram na Lagoa. As luzes dos demais prédios criavam um verdadeiro espetáculo de luz que, em cinco anos que morava ali, ele nunca havia notado tão perfeitamente. Luzes calmantes, que dali de cima pareciam estrelas, uma enorme manta brilhante de várias tonalidades. E ele se arrependia de nunca ter notado aquilo tudo. Depois de muito tempo, finalmente conseguia chegar até a varanda sem ter pensamentos ruins. Encarar somente a paisagem e se vislumbrar com sua beleza. Agradecer por aquilo tudo.
Não era por mal, ele apenas não conseguia. Seus problemas, suas neuras, seus transtornos de ansiedade não o deixavam pensar. Seus pensamentos se tornavam obsessivos, compulsivos, e assim, Magno acabava se fechando para o mundo. Mas de repente, algo mudou, e mesmo tendo que encerrar a nova fase de sua vida ali, com um novo começo, só que sem sua companhia, ele estava tranquilo. E sua mente sã. Estava curado parcialmente de seus medos, e havia aprendido a lidar com as intempéries da vida de forma paciente e sensata. Passou a encarar o céu durante todas as noites, sempre após caminhar pela praia do Leblon, e deitar na areia para assim, imaginar que estava no espaço, livre dos problemas, das dores, e perto daquela que realmente importava.
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1
- Alô?... Oi, Boa noite, eu poderia falar com a Joana?... É o Rodrigo!... Isso, esse mesmo!... Ah, ela não está?... Entendi, posso deixar recado?... É... Não, porque eu já tinha ligado ontem, pedi para que dessem o recado pedindo para ela me ligar, mas acho que não passaram... Isso. Não, ela não ligou... Não, não estou duvidando que a senhora tenha passado o recado, só estou pedindo para dizer à ela que é urgente. Preciso muito falar com a Joanna. Diz que o Rodrigo ligou, por favor? É... Rodrigo. Sou ami... Sou o ex-namorado dela... Não tenho culpa se sua filha não falou de mim... Não, não estou a chamando de mentiro... Olha, a senhora está muito cismada... Ok, vou desligar, mas por favor, dê o recado! Já faz duas semanas que eu não tenho noticias da Jô... Ok... Tá, boa noite!
Ao desligar o celular, Rodrigo simplesmente o jogou contra a parede, e o viu se espatifar contra ela. Imediatamente se arrependeu do ato, e correu a direção dele, pegando a tampa da bateria que havia soltado, e tentando liga-lo de novo.
-Ela destrói minha vida, meu coração, meu celular... O que mais falta ela fazer? – perguntou-se enquanto tentava reanimar seu telefone.
Assim que conseguiu liga-lo de novo, uma chamada apareceu no visor já com diversas rachaduras, todas de outras vezes que descontou sua raiva no pobre aparelho telefônico, ou que esquecera de que ele estava no bolso de trás de sua bermuda, sentando em cima dele com tudo. Era uma ligação da pessoa qual ele estava tentando se comunicar há tanto tempos. Imediatamente Rodrigo sentou-se na cadeira ao lado do telefone fixo de sua casa, e discou o número de sua ex-namorada. Esperou alguns segundos até que ela o atendesse.
- Aê! Finalmente resolveu falar comigo, né? – disse em tom de brincadeira, mas logo se arrependendo ao ouvir o suspiro de Joana.
- Precisava insistir tanto, Rodrigo? Qual é o problema? Qual o seu problema? – perguntou com uma voz áspera Joana, enquanto tentava se acomodar no pufe vermelho com bolinhas brancas, que ficava ao lado da mesinha do telefone, e que muito lembrava um cogumelo dos jogos do Super Mário Bros.
O rapaz ficou pensativo. Sua garganta começou a se secar gradativamente, e chegou até a pensar em desligar e deixar aquela saudade se esvair, e sumir mais para o futuro. Entretanto, sabia que se não falasse, iria sufocar por dias, sem dormir, sem comer, sem se concentrar. Preferiu arriscar.
-Eu queria conversar com você, Joana. Faz dois meses que terminamos, estava tudo bem, de repente tu sumiu. Pensei que fôssemos amigos, cara.
-Nós somos amigos, Rodrigo. Só que terminamos um namoro, logo, não precisamos nos ver e nem nos falarmos todos os dias... Não é? – perguntou quando finalmente conseguiu uma posição boa para se sentar.
-Entendo... Mas o que houve? Você num me liga mais, não me manda torpedo, não me responde no chat do Facebook... Tá acontecendo alguma coisa?
Ela ficou em silêncio. Estava receosa em dizer alguma coisa, mas sabia que era a coisa certa a ser feita. Respirou fundo, coçou os olhos que já ardiam com o sono se aproximando, e resolveu falar.
-Rodrigo, olha, nós não podemos ficar nos falando mais. Eu estou começando um namoro, e não fica bem eu...
-Um namoro? Como assim? Quem é ele?
-Não vem ao caso! Mas já estamos juntos há um tempo, eu estou apaixonada de novo, e acho que precisamos seguir nossas vidas. Podemos nos falar, mas não...
-Mas faz só dois meses que terminamos! Como assim você já está apaixonada por outro? Tão rápida...
-Olha, não vou entrar em detalhes, mas você sabe que nosso namoro durou um ano depois de muito a gente empurrar com a barriga! Foi um namoro conturbado, você com essas suas neuras psicológicas...
-Transtorno de ansiedade! E pelo que entendi nesse tempo de namoro, você entendia esse meu problema!
-Eu entendo, Rodrigo, Deus sabe o quanto eu entendi. Mas cansei! Eu estava ficando tão pilhada quanto você! Agora estou numa boa, sem aborrecimentos, sem preocupações sem motivos... Cara, eu estou feliz, e sei que você também pode ser feliz! Você é novo, tem vinte e quatro anos!
Rodrigo se calou. Agora sua garganta parecia estar entupida com areia. O ar estava escasso, seus olhos começavam a lacrimejar, ao modo que sua testa começava a suar muito. Estava nervoso, e prestes a começar uma crise de ansiedade. Sua barriga começava a se revirar como se houvessem formigas passeando rapidamente por dentro dela. Não conseguia falar nada. Tinha sido pego de surpresa.
-A gente foi muito feliz. – continuou Joana. – Mas não dá mais! Você precisa procurar ajuda, entender esse teu problema, pois você acaba contaminando as pessoas que estão ao seu redor, e ninguém sabe como te ajudar! Eu sinceramente não tenho mais paciência.
- Mas você sempre me ouviu, sempre me deu conselhos... – contestou ele buscando forças para falar. – Tudo então entrava por um ouvido e saía por outro?
-Olha, não quero discutir relação com você hoje, tá bom? Só espero que não fique mais me ligando toda hora, pois posso estar com meu namorado, e não quero ficar disfarçando para não te atender. Por favor, entenda, eu curti muito que vivemos, mas não dá mais. Viva sua vida, eu vivo a minha, e assim será! Beijos... – concluiu Joana desligando o telefone logo em seguida.
O sinal de que o telefone havia sido desligado acabou com as esperanças de Rodrigo. Colocou o celular sobre seu colo, e observou a foto de fundo de tela, aonde com um sorriso contagiante, podia se ver Joana e ele, abraçados. Queria chorar, mas aquele bolo de mágoas lhe fechava a garganta. Foi até a janela do quarto e fitou a lua amarela sobre a sua cabeça. Quis imaginar como seria o novo namorado daquela que ele considerava a mulher de sua vida. Um namoro qual ele se entregara totalmente, passando por cima de seus problemas, lutando contra seus maus imaginários vindouros das crises de ansiedade que tinha vez ou outra. Da janela, observou um avião cruzar o céu. Seus olhos não suportaram mais, e as lágrimas começaram a cair. Rolavam por seu rosto e caíam sobre o carpete de seu quarto. Lembrou-se de alguns momentos com Joana, como da vez em que se conheceram numa Lan house. Tudo por acaso, sem querer esbarrou na cadeira em que ela se sentava, e assim, iniciou-se uma conversa que virou um namoro. O mais importante de sua vida, e que agora, sem chão, ele via acabar de vez.
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As duas semanas que se seguiram foram insuportáveis para Rodrigo. Não conseguia se concentrar no trabalho, nem na faculdade, e nem assistindo televisão. Seus pensamentos divagavam, e sempre terminavam em Joana. O aperto no peito já durava muitos dias, e aquela sensação de abandono não o deixava dormir. Deitava-se na sua cama de solteiro, e ficava observando os adesivos fluorescentes que sua mãe colara no teto quando ele ainda era menino. Planetas e foguetes brilhavam no escuro, e, quando menino, costumavam acalmá-lo, e assim, ele acreditava, afastava os monstros de filmes. Porém agora, eles apenas estavam lá no alto, observando sua melancolia. Não aguentava mais se sentir assim, não queria procurar sua terapeuta novamente, pois ela havia dito coisas que Rodrigo não concordara.
Com quase três semanas de fossa, o rapaz estava isolado de tudo. No trabalho não se comunicava com ninguém, na faculdade, apenas anotava as explicações, e optava por fazer trabalhos individualmente, e em casa, vivia preso no quarto, ouvindo seu telefone tocar, e sem atender uma chamada que fosse. Passava o dia deitado, observando fotos, ouvindo músicas tristes, olhando as atualizações no Facebook de Joana, e assim, agradecendo por ele não ser como o Orkut, permitindo que a pessoa visitada soubesse que fora visitada e por quem fora. Passava seus dias assim, ignorando os conselhos de sua mãe que lhe dizia para tentar uma nova vida, um novo começo. Rodrigo estava infeliz, e as coisas poderiam piorar muito.
Numa noite de sexta-feira, após terminar sua janta, ele desceu as escadas de seu prédio no Méier, zona norte do Rio de Janeiro, e tomou um ônibus para a zona sul. Não sabia para onde queria ir, apenas fez sinal para o primeiro ônibus que apareceu, e assim, mais tarde, desceu próximo à praia do Arpoador. Rodrigo andou pela areia até as pedras, e subiu até o ponto mais alto. Pôde observar na extremidade contrária da praia, o Morro do Vidigal completamente iluminado, e todas as luzes que enfeitavam toda a extensão das praias. Observou Arpoador, Ipanema e Leblon. Cansado, sentou-se na beira de uma das pedras, em um banquinho improvisado, e resolveu se virar para o longe. Aquela imensidão escura que se perdia na noite. Debaixo de seus pés as ondas quebravam contra as pedras fazendo uma espessa espuma branca, e pensamentos ruins passavam por sua cabeça.
Já estivera ali com Joana. Viraram a noite sentados sobre a mesma pedra, envolvidos por uma canga de praia, tremendo de frio, mas tentando se esquentarem com o calor de seus corpos esperando o sol nascer. Adorava estar ao lado dela nos momentos mais simples. Sentir aquela brisa marinha, as gotículas baterem contra seu rosto, e o barulho das ondas quebrando lá embaixo. Imaginavam-se a bordo de um cruzeiro, conhecendo lugares novos, desbravando novas culturas. Planos que ficaram para trás, e que agora não seriam concluídos. De repente, até mesmo aquele lugar aconchegante e que trazia paz às demais pessoas, começou a deixá-lo ainda mais deprimido. Antes que seu peito começasse a ser pressionado pelas preocupações e angustias que o seguiam por quase um mês, ele se levantou e foi caminhando lentamente até a beira da pedra. O barulho das ondas parecia mais alto dali. Olhou para o céu e encarou as nuvens cinza que se aproximavam e cobriam o céu azul escuro e as estrelas. Enquanto olhava para cima, caminhava para frente, estava com medo de cair, mas algo não o deixava parar de andar. Foi então que se desequilibrou e...
- Não quero saber, Leandro! Não quero saber! Você me traiu! Isso não tem perdão! – disse uma silhueta no meio da escuridão e da névoa que se formava ali perto, ofuscada pelo brilho dos refletores.
Após lutar contra o desequilíbrio, Rodrigo sentiu seu corpo cair para trás, e assim, caiu sentado sobre um pequeno e ralo mato que crescera entre as pedras. Sentindo um pouco de dor nas nádegas devido à queda, ele ficou prestando a atenção na silhueta, que aos poucos foi se revelando uma bela moça negra, usando uma calça jeans azul clara, uma camiseta preta com um belo decote, e sandálias Havaianas brancas. Nas mãos, ela apenas tinha um celular.
-Não vou te perdoar, Leandro! Me esquece! Nunca mais você vai ouvir falar de mim, seu bocó! – dizia a moça enquanto caminhava na direção do abismo onde, minutos antes, Rodrigo se encontrava.
A moça continuava a discussão no celular, e parecia não notar que caminhava para a morte. Apreensivo, Rodrigo tentou se levantar, mas a dor estava aguda. A moça continuava andando, ele tentando se levantar, e quando viu que faltavam alguns centímetros para que ela por fim, caísse precipício abaixo, conseguiu forças e pulou na direção dela.
Os dois rolaram pela pedra e só pararam ao bater numa rocha que os impediu de cair lá de cima e serem sacolejados e mortos pelas violentas ondas que quebravam.
-Você tem noção de que quase morremos, né, moça? – perguntou Rodrigo quebrando o silêncio do susto, e sem notar que estava de rosto colado e sobre o corpo dela.
Ficou sobre ela por mais alguns segundos, e só se levantou ao se dar conta que outras pessoas os observavam curiosas. As pedras do Arpoador eram e são conhecidas por ser o point dos apaixonados, e dos mais salientes, que usam suas rachaduras e pequenas fendas para poderem esquentar um pouco mais a relação. Sendo assim, qualquer atitude suspeita, entre casais, e que pudesse ser assistida, logo chamava a atenção dos curiosos e pervertidos.
Alguns minutos depois, Rodrigo estava descendo as pedras, sozinho, após se despedir da moça que salvara. Arrependia-se de não ter ao menos perguntado seu nome, ela não poderia recusar dizê-lo, era o mínimo, afinal ele salvara a sua vida, porém logo isso mudaria, pois ouviu alguém fazendo “Psiu!” ali perto. Todos nós sabemos que as chances desses “Psius!” nas ruas serem para nós são pequenas, mas nesse dia, o “Psiu!” era mesmo para Rodrigo.
Ao se virar, ele se surpreendeu ao notar que de fato era com ele que mexiam, e que a moça que salvara lá em cima estava o seguindo. Parou de andar e a esperou. Ofegante ela se aproximou e o abraçou. Rodrigo relutou, porém foi deixando seus braços se moverem, e retribuiu o abraço.
-Você salvou minha vida, rapaz! Não poderia deixar você ir sem um abraço! – disse a moça, estendendo agora a mão esquerda cheia de pulseiras coloridas ao longo do antebraço. – Prazer, meu nome é Carla!
Os olhos de Rodrigo se pousaram sobre a mão estendida à sua frente. Ficou ali paralisado sem ação. Carla olhou para seu rosto, e balançou as pulseiras tentando despertar o transe daquele rapaz.
-Ei! Não vai apertar a minha mão? Vai mesmo me deixar no vácuo? – perguntou ela, sorrindo.
-Ai! Desculpa! Perdão... Prazer... Prazer... Meu nome é Rodrigo! – respondeu apertando a mão da moça com suas duas mãos e sem reparar que já estava fazendo isso exageradamente.
-Só solta meu braço um pouquinho, pois preciso dele, tá? – brincou ela, deixando o rapaz ainda mais sem graça. – Olha, por pouco eu não viro comida de peixe, hein! Estava tão distraída, que se você não me segura, já era! Muito obrigada mesmo!
-Sem problemas! Por pouco eu também não caí ali mais cedo! Hoje não é um bom dia para se morrer afogado. – disse Rodrigo.
- Você mora por aqui, Rodrigo?
-Não, não, eu moro no Méier mesmo. Vim passear por aqui, essas pedras me acalmam!
-Uau! Sair lá do Méier para se acalmar aqui? Nossa! Sabe o que me acalma?
- O quê? Praia?
- Não, não! Longe disso!... Uma coisa que me acalma é pizza!
Minutos depois os dois estavam sentados numa pizzaria que só fechava às duas da manhã, perto do Leblon. Caminharam por toda a orla, passando por Ipanema, e finalmente entrando na pizzaria.
De frente para uma pizza portuguesa família, cortada à francesa, os dois tentavam se conhecer melhor. Carla era linda. Pele negra, olhos puxados como os de uma asiática, e um sorriso daqueles que contagiavam até o mais rude dos humanos. Os olhos de Rodrigo tentavam, mas fracassavam ao tentar desviar daquele sorriso, daquela boca linda... Carla falava de uma maneira encantadora, palavras que pareciam difíceis, mas que juntas viravam histórias mirabolantes.
-... Aí eu descobri que esse “carinha” me traía há dois meses! DOIS MESES! Tem noção disso, Rodrigo? Me senti um lixo! Um lixo mesmo! Não dava pra continuar! – contou ela enquanto colhia alguns pedaços de pizza com um palito, dessistindo e optando por um garfo.
- Eu também saí de um relacionamento agora, Carla. Na verdade tem dois meses... A gente estava tentando ser amigo, mas parece que ela se apaixonou de novo... Nem preciso dizer como estou me sentindo, né?
-É... Deve ser maior barra mesmo! Mas quem terminou?
-Acho que os dois. Mas eu tenho meus problemas sabe? Sofro por antecipação, tenho crises quando me sinto desprotegido... Ela não merecia sofrer junto comigo. Ela bem que tentou, mas acho que fez bem em se afastar de mim. Como ela mesma disse, eu deixo as pessoas mal, por não deixar que elas saibam como me ajudar!
A mão esquerda de Carla, a mesma que ela estendera há pouco tempo para ele, soltou o garfo sobre o prato e deslizou pela mesa, atravessando sobre o pano rosa até chegar a mão direita dele. Os olhos de Rodrigo deixaram de se concentrar nos lábios dela, e agora, fitavam aquele encontro de mãos, aquele contraste de cores, pois Rodrigo era de uma pele muito branca.
-Você não pode pensar assim, meu querido! – aconselhou encarando-o. – Você não pode se sentir mal sobre algo que não consegue controlar. Isso que você tem é...
- Transtorno de ansiedade... – completou Rodrigo deixando de encarar as mãos entrelaçadas, e olhando fixamente nos olhos de Carla.
-Isso! É algo sério, que precisa de acompanhamento quando foge do controle. Olha, eu te conheço há menos de duas horas, mas já posso dizer que tu é um cara bacana! A gente sabe assim que conversa contigo por mais de alguns minutos.
Uma injeção de ânimo e calma foi dada a Rodrigo. Um sorriso leve surgiu no canto esquerdo de seu lábio. Sentiu sua mão suar sob a mão dela, mas não queria separá-las. Aquele contato de pele parecia servir como um calmante natural. Aquela calma que sentia naquele instante, punha fim em um período doloroso de pensamentos ruins, aquela angustia e fixação em Joana estava dando espaço para a calma, e carinho que ele precisava. Por mais temporário que isso fosse – e Rodrigo sabia, afinal conhecia Carla há horas apenas. – já era grato por ter estado nas pedras do Arpoador, e poder conhecer e salvar alguém que parecia tão diferente de todas as mulheres que conhecera até então.
- Mas chega de papo e vamos comer! Essa pizza vai ficar fria! – disse Carla pegando o garfo e a agora uma faca, e assim, voltando a se deliciar com os pedaços de pizza portuguesa.
Ficaram juntos por quase duas horas, e depois resolveram ir embora. Carla não quis que Rodrigo a levasse até o ponto de ônibus, assim que saíram da orla, fez sinal para um táxi, e entrou nele. Antes, deu-lhe um beijo no rosto, e agradeceu novamente. Quando o táxi partiu, Rodrigo respirou fundo, e tentou manter pensamentos bons dentro de sua cabeça. Queria apenas pensar em Carla, e em tudo que uma estranha o fez sentir em algumas poucas horas que estivera ao seu lado. Também pensou se ainda teriam ônibus que fossem para o Méier circulando naquele horário, pois estava sem dinheiro para o táxi.
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3
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O ônibus de Rodrigo não demorou a passar. Logo que chegou ao ponto, lá veio sua condução. Dormiu durante toda a viagem e só acordou quando faltavam apenas alguns pontos para descer do veículo. Entrou em casa, silencioso, não queria acordar sua mãe. Olhou rapidamente no relógio do videocassete, que agora já não reproduzia filmes, mas servia apenas de relógio digital. Eram quase cinco da manhã. Andou até o seu quarto, retirou o seu celular de dentro do bolso da bermuda, e assim, jogou-se sobre sua cama. Encarou os adesivos fluorescentes no teto, mas sua mente divagou. Parecia que agora seu cérebro só tinha espaço para Carla. Parecia que o mundo havia parado naquele instante que sua silhueta surgiu nas pedras falando ao celular. E Rodrigo achava isso muito bom.
Seus olhos desviaram rapidamente para a tela de seu computador, aonde um relógio se movia de um lado para o outro como proteção de tela. Uma súbita vontade de conferir as atualizações de Joana tomou seu corpo. Queria saber o que ela havia feito durante aquelas horas em que ele passara fora. Porém, como nunca antes, essa vontade foi se diluindo junto com o sono, e as lembranças daquela noite tranquila que ele havia tido. Adormeceu.
Às oito da manhã ele já estava de pé, e seu telefone celular tocava de maneira ensurdecedora. Levantou-se cambaleando da cama e foi até a mesa de seu computador. Coçou os olhos para enxergar de quem era a ligação, mas era de um número restrito. Atendeu.
- Bom dia! – disse uma voz feminina irreconhecível do outro lado da linha.
-Bom dia... – respondeu bocejando. – Quem tá falando?
- Te acordei?
- Não, não... Quer dizer... Peraê, quem é, hein?
- Sou eu, Rodrigo, a Carla!
Quando ele ouviu o nome, sua lentidão de sono foi pelos ares. Sentiu-se revigorado, puxou a cadeira giratória e se sentou animado.
- E aí, Carla! Como você está?
- Tô bem, querido. Poxa, acordei hoje pensando em você. Quer dar uma volta hoje à tarde?
Rodrigo suspirou. Não esperava mesmo por aquela ligação. Era diferente. Na época de escola, ou de inicio de outros namoros, sofria por não receber ligações. Geralmente ele tinha que ligar para suas namoradas, ficantes, ou interesses. Ligava todos os dias esperando que, em um dia aleatório, elas o ligassem, mas isso nunca acontecia. Sentia-se menos querido, mas continuava ligando. Sua ansiedade ficava a mil, por exemplo, quando alguma delas prometia ligar em certo horário, e isso não acontecia. Ficava lutando contra a vontade de ligar para saber o que havia acontecido, e isso o corroía por dentro. E quase sempre, era justamente o que ele fazia.
Mas agora uma garota o ligava, e uma garota linda, que havia conhecido na noite anterior. Isso era bom. Isso era gratificante.
- Claro! O que você quer fazer?
-Num sei... Mas poderíamos ir ao cinema, ou só passear mesmo. Vem cá, você não trabalha hoje não, né?
-Não, não... Só de segunda à sexta. Olha, podíamos ir passear na Quinta da Boavista...
- Ótimo! – respondeu ela visivelmente empolgada pelo tom de sua voz. – Adoro parques. Me encontre na estação de metrô de São Cristóvão, pode ser?
-Pode sim! Que horas?
- Ah, lá pelas três da tarde... Olha, num sei por que, mas ainda acho que não pude agradecer totalmente por ter salvado minha vida. Muito obrigado mesmo, Rodrigo.
-Não precisa! Foi bom ter te ajudado, agora vamos à Quinta, comemos pizza ontem... Logo, logo você quita sua divida! – disse sorrindo o rapaz.
Ela também sorriu, e assim, desligaram o telefone prometendo se virem mais tarde. Rodrigo quis ter dito, mas não conseguiu. Queria ter dito que, na verdade, era ela quem estava começando a salvá-lo. Pois em dois dias, naquele curto espaço de horas, Carla começava a mudar totalmente os pensamentos dele. E era muito bom.
Rodrigo correu para frente de seu guarda-roupa, e começou a escolher o que vestiria. Parou por uns instantes, foi até seu computador e fechou a janela do Facebook que estava em evidência. Abriu uma pasta de músicas, foi até a pasta “Antigonas”, e clicou em seu hit preferido quando criança. Uma música que seu falecido pai colocava para tocar na velha vitrola, de quando ainda moravam em Nilópolis, interior do Rio de Janeiro. Com melodias simples, e som parecido com o da vitrola antiga, iniciou-se “Earth Angel” na voz da banda The Penguins. Nunca se preocupara em ler a tradução, mas a baladinha envolvia seu coração, mesmo que para algumas pessoas fosse vista como “música-de-velho”, e escutou-a repetidamente pelos alto-falantes do computador, até a hora de se encontrar com Carla.
CONTINUA...
NÃO PERCA O FINAL DESSA SURPREENDENTE HISTÓRIA DE AMOR CLICANDO NO LINK ABAIXO:
http://www.recantodasletras.com.br/contos/3880617
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