CONTINUANDO DA PARTE 1, EM:
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4
Mais tarde os dois se encontraram na hora e local combinado. Carla usava um vestido branco até o inicio dos joelhos, e um arco branco, com uma margarida jogada ao lado direito. Chegou antes de Rodrigo e o esperava próximo à bilheteria do metrô. Rodrigo, assim que chegou, arregalou os olhos, surpreso com a beleza dela. Vestida simples, sem grandes enfeites ou maquiagem, ela conseguia ficar ainda mais bonita. Sentiu seu coração acelerar quando ela veio em sua direção e o abraçou. Parecia um abraço de amigos de longa datas, colocando em dúvida se eles realmente só se conheciam há dois dias. E o cheiro dela, aquele cheiro era inebriante, arrebatador... Apaixonante. Daqueles que marcam e que, no futuro, serviria de portal para lembranças e mais lembranças.
 
O final de semana fora maravilhoso para ambos. No sábado passaram o dia na Quinta da Boavista, visitaram o museu do Imperador, e ainda conseguiram passear rapidamente pelo jardim zoológico.  No domingo, logo cedo, foram até o Cristo Redentor. Rodrigo, carioca, nunca havia visitado o monumento, e constatou o quão mágico é estar lá em cima, observando o Rio de Janeiro diminuído ao campo de visão. A Baía de Guanabara se estendendo por toda a cidade. Perguntou-se como nunca tinha ido ali, e só ela, Carla, para fazê-lo acordar para a beleza milagrosa que se enxergava lá de cima. Os dois ficaram observando o céu. Não tiraram fotos, apenas aproveitaram o dia. E o domingo nunca havia passado tão rápido para ele.
 
Na segunda-feira, Carla fora visitar Rodrigo na hora de seu almoço no trabalho. Os dois almoçaram, lembraram-se do passeio ao Cristo, e riram muito das situações que vivenciaram, todas envolvendo turistas estrangeiros. Na terça-feira, após o trabalho, foram ao cinema. O filme era chato, uma comédia besteirol que no trailer era maravilhosa, mas que na verdade, não tinha a menor graça. Todas as cenas realmente engraçadas eram mostradas na divulgação. Os dois saíram da sala de cinema antes dele acabar, e foram para as Lojas Americanas comprar besteiras, que devoraram sentados na Praça Saes Peña, na Tijuca, zona norte carioca.
 
Quarta-feira os dois não se viram, mas falaram-se ao telefone por duas horas. Os assuntos iam surgindo de uma forma tão fluente, que eles começaram falando de cinema brasileiro, e terminaram a ligação com comentários sobre receitas de cup cakes. Na quinta-feira, Rodrigo começou a ficar pensativo. Calado em seu quarto, tentava entender o que estava acontecendo em sua vida. Como a entrada de uma estranha mudara sua rotina. Ele não sentia vontade de chorar, seu rendimento e pensamentos pareciam estar se sincronizando novamente com seu bem-estar. Rodrigo sentia-se leve. Sua respiração estava normal, sua cabeça não pesava com ideias fixas, e seu peito, aquele que sempre estava amargurado ou pressionado por alguma preocupação sem sentido, agora pulsava com vitalidade e tranquilidade. O problema, é que saía a preocupação, e entrava a paixão agora. Em uma semana, após tantos encontros e horas juntos, ele parecia estar se apaixonando por Carla. O que não era de se estranhar. Na sexta-feira, ele teve que enfrentar algo um pouco mais brando que seu transtorno de ansiedade, mas que era tão angustiante quanto: Contar para seus amigos de sua nova paquera.
 
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5
Rodrigo tinha dois amigos inseparáveis. Cláudio, esse com trinta anos e metido a ser o garanhão das baladas, e Adriano, ou Drianin, esse com vinte anos, problemas com controle do peso, porém também metido a ser garanhão. Rodrigo era diferente dos dois, mas o trio se dava muito bem. Contudo, o fato dele ser, digamos, um pouco mais romântico, gerava comentários grosseiros de seus dois amigos, quase sempre.
-... Tá! Mas você já comeu? – perguntou Drianin enquanto segurava sua enorme barriga, cujo umbigo aparecia sob a blusa.
 
-Não, Drianin, ainda não transamos. E acho que nem iremos. A Carla deve me ver só como amigo! – respondeu Rodrigo enquanto esperava o garçom do bar trazer sua cerveja.
 
-Olha, Rodrigo, se a mina vai te buscar no trabalho, te liga, te leva pra passear, te cobre de elogios, ela só pode estar querendo te dar! Com certeza essa Carla é uma maluca ninfomaníaca que fica por aí dando uma de suicida malucona, só pra conseguir sexo. – concluiu Cláudio retirando os óculos de sol.
 
-Você não faz ideia de como ela é, Cláudio. É linda, pretinha, pretinha. E tem uma boca... Mas sério, acho que me vê como amigo! Mas eu num tô nem aí! Em um ano de namoro, a Joana nunca me ligou e se preocupou tanto comigo, quanto a Carla faz em menos de um mês. É uma química, sabe?
 
Drianin sorriu ironicamente.
 
- Cara, você é muito sentimental. Você curte foça... E agora tá acreditando em amizade entre homem e mulher? Se eu fosse você, sério mesmo, eu jogava um verde pra saber o que essa Carla quer. Num é possível! Ela surge do nada, você não sabe de nada sobre ela... E de repente, vocês estão fazendo programinhas de namoradinhos emos e frescos!
 
Cláudio se intrometeu.
 
-É Rodrigo! Eu sei que a Joana terminou contigo...
 
-Nós terminamos em comum acordo! – interrompeu.
 
- Foda-se! Mas você ficou todo triste, não atendia a gente, e essa menina aí, a Carla, parece estar te fazendo virar homem de novo... Em partes! Mas cara, se tu ficar nessa, se não tentar nada, vai daqui à pouco estar sofrendo aí de novo, ouvindo aquelas músicas antigas no computador, e depois, sozinho, ficar perambulando pela cidade até se estuprado por um crackudo homossexual.
 
Os três riram. O garçom chegou nesse momento, e ao ouvir a palavra “estuprado” tentou não demonstrar espanto.
 
- O problema, ou solução... – iniciou Rodrigo enchendo o copo dos amigos com cerveja Itaipava. -... É que ela me mudou, sabe? Ela me liga, ela me elogia... Juro, tudo que ela fala tem um poder em mim impressionante. Ela parece me conhecer, saber do que preciso, o que preciso ouvir... Num é difícil se apaixonar por alguém assim! A Carla, sem sacanagem, parece ser a mulher da minha vida!
 
A mesa do trio foi tomada por um silêncio. Ficaram se entreolhando, e Cláudio foi aproximando seu corpo ao de Rodrigo como se quisesse lhe contar um segredo. Curioso, o rapaz também se esticou, e ao chegar perto do amigo, foi atingido por um bofetão tapa no rosto.
 
-Fala que nem homem, porra! – xingou Cláudio, arrancando risadas dos demais presentes no bar, inclusive do garçom que os observava de longe, ainda tenso por ter ouvido a palavra “estupro”.
 
- Não importa o que vocês digam, seus buchas! A Carla tá me ajudando muito, e em breve eu vou ter que pedi-la em namoro. Parece clichêzinho de filme adolescente, de High Schoool Musical, mas ela é tudo o que eu pedi!
 
- Engraçado, tudo o que eu pedi foi minha porção de batata-frita com queijo, e até agora aquele garçom tá olhando pra nossa cara com cara de tarado, e num trouxe! Assim fica difícil ser romântico, tá vendo! – comentou Adriano encarando o garçom com um olhar assustador, que fez o pobre homem realmente acreditar que estava prestes a ser estuprado.
 
Rodrigo viu que não seria possível conversar sobre Carla com seus amigos, então desviou seus assuntos para filmes, jogos de videogame, e assim foi até altas horas, sempre de olho em seu celular, esperando que ele tocasse, e que a inscrição “Número Restrito” surgisse na tela. Pois sabia que seria sua amada.
 
Quando o relógio marcou uma da madrugada, seu celular tocou. Já estava desacreditado de que ela lhe ligaria, mas Carla o ligou. Rodrigo saiu do bar um pouco zonzo. Seus olhos pareciam balançar conforme o movimento dos carros nas ruas. Suas pernas bambeavam pra lá e para cá. Encostou-se em um poste de luz, e ali atendeu a ligação.
 
-Oi, minha querida!
 
-Nossa! Que voz embargada é essa! – respondeu Carla do outro lado. – Onde você está, queridão?
 
-Estou no bar com meus amigos. Estava falando de você para eles!... Estão doidos para te conhecer!
 
-Falando bem o mal de mim, hein?
 
-Claro que bem, Carlinha! E com você, tá tudo bem?
 
-Tá tudo ótimo! Escuta, me faz um favor?
 
-Claro!
 
-Amanhã, vamos assistir “Titanic” comigo?
 
-Você ainda não assistiu a esse filme?
 
-Já... Várias vezes! Mas é que está voltando aos cinemas em 3D, queria ver isso! Vamos?
 
-Claro! Eu curto esse filme! Só não conta isso pra ninguém, tá?
 
Os dois sorriram, e ela desligou para deixa-lo curtir com seus amigos. Rodrigo voltou para o bar sorrindo, e abraçou seus dois amigos, um com cada braço.
 
- Era minha princesa! Amanhã vamos ver “Titanic” no cinema! – informou ele.
 
Com um sincronia quase que combinada, Drianin e Cláudio pegaram seus copos de cerveja e jogaram o liquido restante neles contra o rosto do amigo! Todos que viram a cena sorriram, exceto aquele garçom, que nesse momento pediu para que outro garçom do bar atendesse o trio de “estupradores juvenis”.


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6
E assim foi, Carla e Rodrigo assistiram “Titanic” em 3D. Filme recordista de Oscar em 1997, e que conta a história de um romance fictício ocorrido no transatlântico que afundou após se chocar contra um iceberg em 15 de abril de 1912. Rodrigo de fato adorava aquele filme, mas não gostava de falar. Era um dos filmes que assistia pelo menos uma vez por ano. Agora ele era relançado com a tecnologia 3D, para novos públicos, para “comemorar” os cem anos do naufrágio, e claro, para engordar os cofres de Hollywood.
 
Após o filme, eles saíram de mãos dadas do cinema e foram até a praça de alimentação do shopping. Carla se sentou ao lado de Rodrigo e sorriu. Ficou o encarando, e mexeu em seus cabelos. Depois, apertou o lobo da orelha do rapaz e suspirou.
 
- Cara, você está com uma fisionomia muito diferente! Muito mesmo! – disse ela acariciando as bochechas do amigo.
 
-Como assim? Embaranguei?
 
-Não... Num estou falando disso! Tô falando que você tinha um olhar triste, sabe? Olhar perdido, sempre pensativo. Hoje você está como que irradiando. Eu estou muito feliz por você, Rô! – comentou ela.
 
- Você fez isso! Eu acabei de sair de uma fossa! Você chegou no momento certo. E parece que eu também entrei em sua vida na hora certa! Ou tô errado?
 
-Tá certíssimo! Rodrigo, você precisava só acreditar mais em você! Tu é um rapaz maravilhoso! Inteligente, e o mais importante, você tem coração, e sabe disso! As pessoas não têm o direito de julgarem você. Você tem inteligência e caráter o suficiente para impedir que isso aconteça. Acredite em você, cara!
 
- Meu problema é essa insegurança, achar que tudo sempre vai dar errado... Acho que é isso que desencadeia minhas crises de ansiedade. É ter a sensação de estar perdendo o controle. De não ser agradável...
 
-Você é um dos caras mais agradáveis que conheci, se não o mais agradável! Você é especial, você sabe ouvir e sabe falar. Tudo numa sincronia maravilhosa. Não deixe que pessoas façam julgamento de você. Se você lutar contra isso, se concentrar sua força, fé e inteligência na vida, sua ansiedade vai embora...
 
-Ela já está indo, Carlinha. Ela já está indo... Sei que estamos nos falando há menos de um mês, mas é como se nos conhecêssemos há anos. É como se você me conhecesse. Como se fosse, sei lá, enviada!
 
Ela sorriu. Rodrigo continuou:
 
- Não sei o que é ter crises desde que você chegou. Não tenho mais aquela coisa de ter que saber sobre minha ex, de tentar encontrá-la pela rua... Você mudou minha vida... Você me fez ver “Titanic” nos cinemas! – completou.
 
Carla o abraçou. Ele retribuiu e abraçou-a ainda mais forte.
 
- Queria que você conhecesse minha mãe. Ela ia te adorar! – disse ele.
 
- Pode ser, mas eu preciso viajar.
 
-Como assim?
 
-Eu preciso viajar, outro estado. Mas sei que você vai ficar bem...
 
Rodrigo sentiu um leve aperto no peito, mas preferiu tentar ignorá-lo.
 
- Eu fiz alguma coisa, Carla?
 
-Claro que não! Você nunca me fez nada! Mas preciso viajar. Sei que ficará bem, você está bem! Sinto isso só de te olhar...
 
- E volta quando?
 
Aqui ela se calou. Os dois pediram um lanche numa loja especializada em crepes, e comeram calados. Carla enquanto mastigava olhava atentamente para o rosto de Rodrigo. Ele a encarava, mas logo desviava os olhos. Estava triste com aquela noticia e queria entender o motivo da viagem. Mas não perguntou, mesmo sabendo que aquela dúvida poderia desencadear alguma crise.
 
Acabando o lanche, ele a levou até o ponto de táxi. Enquanto esperavam na fila, se abraçaram.
 
-Eu devo ir depois de amanhã. Amanhã de noite, podemos nos ver, nos encontramos no Méier e depois podemos passear pela praia do Arpoador... Só não quero que você fique triste!
 
-Eu vou tentar! Mas é impossível. Carlinha, sério, essas semanas têm sido os melhores momentos da minha vida. Eu nunca me senti assim, tão livre e saudável. Você entrou e mudou um monte de coisa que eu pensava... Que eu acreditava!
 
-Eu sei, Rô, mas eu preciso ir. Eu fico muito feliz em ter te ajudado, e fico ainda mais feliz por você ter me ajudado! Você salvou a minha vida! Não há dinheiro ou carinho nesse mundo que pague minha gratidão. Você vai ficar bem! Eu voltarei! Não vou te deixar, não vou conseguir, mas preciso ir...
 
- Posso ter fazer uma pergunta? – questionou Rodrigo atento ao táxi que se aproximava, e que seria o que Carla tomaria.
 
-Deve! – respondeu beijando-o no rosto.
 
-Você está fugindo, pois parece que teríamos algo?
 
Ela sorriu levemente. Aproximou seu rosto do dele e suspirou. Carla olhou dentro dos olhos de Rodrigo, até quem ambos parecessem estrábicos. Lentamente ela encostou seus lábios nos dele, e deu-lhe um leve beijo. Aquilo encheu seu coração de alegria, mas saber que ela iria embora por um tempo indeterminado, fazia-lhe equilibrar felicidade e tristeza.
 
O táxi chegou, se beijaram levemente outra vez, e Rodrigo abriu a porta do veículo para Carla. Sentiu uma perto no peito novamente, mas o viu sumir quando ela abriu os vidros e disse:
 
- Você é o homem da vida que muitas mulheres esperam. Só tem que acreditar nisso, e achar uma que lhe mereça!
 
O táxi foi embora, e Rodrigo voltou para o shopping. Caminhou pelos corredores observando as lojas fecharem. De repente, esbarrou em alguém. Seu coração disparou ao notar que era Joana, e ao lado dela, aparentemente seu namorado. Um rapaz ruivo, alto e forte. O conhecia de algum lugar, mas ignorou.
 
Um silêncio constrangedor tomou conta. Mas Rodrigo pigarreou, e prosseguiu seu caminho. Joana continuou andando, mas às vezes virava-se para olhar seu ex-namorado indo embora. Achara estranho seu comportamento. Ele não falara nada, não a cumprimentou. Parecia diferente, parecia estranho, e, por incrível que pareça, Rodrigo parecia feliz.
 
Já o rapaz, continuou andando, querendo sorrir, pois pela primeira vez via sua ex com outro cara, o responsável pela separação dos dois, e estava surpreso por não ter sentido nada. Nem saudade, nem tristeza, e nem a mínima vontade de pelo menos um beijo no rosto terem trocado. Voltou para casa e sentou-se na frente de seu computador. Não acessou seu Facebook, apenas sentou-se colocou a música novamente, “Earth Angel”, e se preparou para o dia seguinte, quando se despediria de sua amada.
 
Começou a contar as horas.
 
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7
 
Oito da noite. Rodrigo estava sentado no banco da pracinha do Méier, em frente ao Mc Donald da Rua Dias de Cruz. Carla ainda não havia chegado. Seus olhos conferiam as horas o tempo inteiro no relógio de seu celular. Perguntava-se por que nunca tirou uma foto com ela. Queria guardá-la, e estava ali, feliz por vê-la, e triste por saber que poderia ser esta a última vez. Porém, seu coração estava leve. As mulheres que passavam por ele pareciam encará-lo. Pareciam interessadas nele, coisa que ele nunca havia notado antes. Incrivelmente, Carla parecia um gênio, um anjo ou algo do tipo. Depois dela, tudo pareceu dar certo na vida dele. Não havia mais estresses no trabalho de telemarketing, na faculdade, pessoas o queriam em seus grupos para fazer trabalhos, e às vezes, pediam para que ele se juntasse.
 
Um homem com a barba por fazer, e usando roupas claras, se aproximou de Rodrigo e se sentou ao seu lado. Ele pode notar que o estranho o encarava de vez em quando, mas que disfarçava quando Rodrigo parecia perceber.
 
-Cara, desculpa falar. – disse o homem. – Meu nome é Magno... Eu num sei por que, mas algo me disse aqui na cabeça que eu devia falar com você.
 
Rodrigo estranhou aquilo tudo. Só faltava essa, ser cortejado por um homem.
 
-Como assim... Magno?
 
-Num sei, cara, mas algo... Acho que temos algo... É estranho. Vou parecer maluco, mas eu sinto como se você fosse eu. Uma energia... Você não sente?
 
Rodrigo discordou com a cabeça. Magno continuou.
 
-Olha, sério, não sou louco. Mas é que tem acontecido tanta coisa mágica na minha vida, que agora eu vivo e duvido de tudo. Sabe? Quando o universo parece estar ao seu favor, te dando aquele tapinha nas costas para te incentivar a tomar decisões na vida?
 
As coisas pareciam começar a fazer sentidos para Rodrigo. Magno continuou.
 
-Eu andava triste, estranho, chateado após perder meu emprego! Cara, eu quase me matei!... Minha esposa havia me deixado. E de repente, uma pessoa, uma princesa... Não sei... Apareceu e mudou tudo... Num sei por que, mas acho que eu pre...
 
-Carla? – interrompeu Rodrigo erguendo os olhos na direção do homem a sua frente. – O nome dela é Carla, por acaso?
 
-Exato! – respondeu ele parecendo aliviado, como se tirasse um peso das costas. – Eu sabia que a Carlinha tinha algo a ver com isso! Eu sabia! Ela é um anjo!
 
-Você é o que dela? Um ex namorado? Marido? – perguntou Rodrigo temendo a resposta.
 
- Não! A Carla não é uma mulher qualquer, ninguém pode tê-la, cara! – respondeu Magno sentando-se um pouco mais próximo de Rodrigo.
 
-Como assim, cara? Você não tá falando coisa com coisa! Quem não ia querer uma mulher como a Carlinha?
 
- Você acredita em anjos? – perguntou em um tom sério. -Anjos da guarda? Não aquelas criancinhas loirinhas com asinhas, e cabelos cacheados. Estou falando de anjos terrestres! Pessoas que vêm ao mundo para praticar e viver exclusivamente do bem. Acredita?
 
Rodrigo se levantou pronto para ir embora.
 
-Não sei onde você quer chegar, meu amigo, mas não curto esoterismo...
 
-A Carlinha é um desses anjos. Há dezenas deles por aí. Não são simplesmente pessoas boas, como padres, profetas, benfeitores... Sério, eu pesquisei, encontrei pessoas que tiveram contato com eles. São pessoas que sentem a energia de outras pessoas, e são assim designadas para protegê-las.  Agem como se fossem nossa consciência, falam o que temos que ouvir... Injetam em nós autoconfiança suficiente para que possamos viver a vida com outros olhos quando eles partem. É sério, meu amigo, nossa Carlinha é um anjo! Nosso anjo!
 
Por mais surreal que aquilo tudo parecesse, Rodrigo sabia que fazia sentido. Carla de fato mudara sua vida, e era tudo o que suas antigas namoradas não eram. Sabia entender suas crises, e assim, afastou frequência com que elas ocorriam. Nunca iria imaginar que aquela mulher mágica, realmente fosse mágica, milagrosa, e que fosse uma proteção divina. Também percebeu que pouco sabia sobre sua história. Ficou tão encantado, que não perguntou sobre nada do passado da moça. Arrependeu-se.
 
-... A Carla não se apaixona, mas pode se apegar aos protegidos. Sinto em você que ela se apegou a ti. Seu brilho, sua felicidade está estampada no seu rosto. Ela te indicou um novo caminho, rapaz, e se você segui-lo, começará a ver sua vida de uma forma completamente nova. Graças ao dedo de Deus, e a companhia daquela pretinha linda que posou em nossas vidas. Prepare-se para senti-la e reconhecê-la no vento, nas músicas, cheiros e em tudo de bom que cruzar o seu caminho desde então.
 
Magno se levantou e apertou a mão de Rodrigo, que ainda permanecia incrédulo. Sabia que ali, Carlinha não apareceria mais. Ela queria contar sua verdadeira missão. Queria fazê-lo encontrar aquele estranho e que Magno lhe mostrasse que todos temos problemas, todos temos qualidades e defeitos, mas que podemos manuseá-los e assim, construir um novo eu, uma nova história, novos caminhos. Basta apenas nos deixarmos, nos permitirmos. Basta acreditarmos em nós mesmos.
 
Levantou-se do banco e foi para casa. Calmo, tranquilo. E com a certeza de que tudo aquilo não era um sonho, mas obra de uma mulher, a mulher de sua vida. Carlinha. Um anjo.
                                   
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8
Na vida tudo tem seu momento. Tudo, por mais fora de época que pareça, sempre acontece no tempo certo. Esse somatório de momentos às palavras, atitudes e situações, ditas, feitas ou ocorridas, forma um conjunto harmônico que podem mudar vidas. Transformar existências. É quando deixamos de apenas viver, para existir.
 
Sim, vidas. Há pessoas que ficam em sua vida, se relacionam contigo por anos, dividem experiências, histórias, espaços, mas que quando partem, sentimos tanta falta delas como de pedaços de unhas cortadas por uma manicure. Contudo, há também pessoas que por menos tempo que nos acompanhe, por menos dias que permaneçam em nossas vidas, conseguem torná-la especial, inesquecível, e transformá-la totalmente em algo novo, que acabam sendo um marco. Acabam fazendo história de uma maneira simples.
 
Rodrigo aprendeu assim. Sentiu na pele, aprendeu, e entendeu acima de tudo, que não é o tempo ao lado de uma pessoa que a faz especial, mas sim o que essa pessoa fez de especial nesse tempo ao seu lado. Conhecer Carla, viver aqueles dias ao seu lado, experimentar, redescobrir coisas que há anos não revisitava, coisas que não se lembrava de sentir, como ser importante para alguém, ou elogios no momento certo, mudou seu rumo. O fez se desprender do passado melancólico e que tanto estava lhe fazendo mal. Carla o colocou de volta nos trilhos da vida.
 
Mesmo sabendo que tudo aquilo era uma missão, que Carla era uma enviada divina para lhe ajudar a superar suas neuras e jamais desistir de sua vida, sabia que pelo menos lá em cima, ou onde quer que fosse, ele representava algo. Alguém, ou algum Deus, se importava com sua vida, e agora, sabendo disso, não seria louco de desperdiçar esse amor. Rodrigo aprendeu a se conhecer, a se respeitar e acreditar em si mesmo. Sua vida mudara. E por anos ainda voltaria ao Arpoador, esperando que uma silhueta surgisse do nada, falando ao celular, e o fizesse se apaixonar novamente, não só por alguém, mas por si próprio. Sabia que não devia mais se preocupar com o passado, não fixar muito nas coisas ruins que já se foram, e nem tentar se ludibriar com as que o futuro pudesse oferecer. Tentaria se concentrar no presente, como dádiva, como uma fase a ser superada.
 
Após a conversa, sentou-se na frente do computador, clicou sobre sua música preferida “Earth Angel” (Anjo Terrestre) dos The Penguins ,e viu que na tradução, seu destino já estava traçado, desde a vida de seu pai, pois a música falava justamente de um anjo terrestre, disseminador do amor, mas com um amor impossível de acontecer. Rodrigo pela primeira vez chorou escutando a música, mas no tempo certo, soube que ali era a hora de finalmente entender o que a canção dizia.
 
Desde então, se tornou outro cara, passando a perceber o que as pessoas precisavam, ajudando aqueles que haviam perdido a fé na vida, nas coisas e em Deus. Nos momentos em que sua crise tentava voltar, ele pensava em Carlinha, e era impressionante como parecia senti-la ali ao seu lado. Acariciando o lobo de suas orelhas, sorrindo e fazendo graça de tudo. O ambiente se inebriava com aquele perfume inesquecível, as coisas pareciam ganhar adornos luminosos nesses minutos que se seguiam as lembranças. Rodrigo podia sentir o amor de Carla ali. E queria dar mais um abraço, nem que fosse o último, na mulher da sua vida.

 
Fim
 
 
Link da música Earth Angel dos The Penguins:
 
 
 
 
 
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 13/09/2012
Reeditado em 13/09/2012
Código do texto: T3880617
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