Aline - Sentimentos
O seu longo cabelo negro dançava conforme o ritmo do vento. Os olhos dela brilhavam e com isso não era preciso se dizer mais nada, pois tudo o que sentia era possível ver através daquele fenômeno. Os raios de sol davam ainda mais claridade à sua pele branca e macia; o suor que escorria pelo seu rosto e o cansaço que a rodeava não impossibilitava os seus pés de correrem ainda mais velozes. As batidas do seu coração, a velocidade com que respirava... tudo isso era porque não queria mais ter que sofrer.
Aline amava e não amava. Amava porque, toda vez que se aproximava dele o seu coração batia mais forte, um grande sentimento a possuía e lhe dava uma imensa vontade de chorar. E não amava porque, assim que o seu coração começava a bater mais forte e assim que as lágrimas começavam a implorar para sair, ela imediatamente se afastava e nunca conseguia chegar perto o suficiente dele, do seu amor.
Ela tinha medo. Medo de se aproximar e muito mais medo de ter que perdê-lo para sempre. Cansou de procurar coragem mais que cansara de correr; e nunca achara, e talvez nunca achasse. Realmente, coragem sempre fora algo raro, principalmente se tratando de relacionamentos. Ela queria poder chegar mais perto e poder dizer àquele garoto moreno tudo o que tinha que ser dito por ela e por mais ninguém. E de fato podia, sim, ir lá e surpreendê-lo; ir lá e dizer que o amava como ninguém nunca o amou; ir lá, abrir o seu coração e finalmente se entregar à felicidade, que nunca recusa um coração em chamas. A verdade era esta: ela podia fazer aquilo. Entretanto, havia outra coisa que a impossibilitava de fazer algo, que era o fato de pensar estar sendo ignorada.
O garoto não a tratava como uma desconhecida, mas isso não entrava na cabeça da Aline. Ela não conseguia compreender que o problema era ela e não ele. Às vezes ele se aproximava com um assunto, mas ela falava pouco e tudo evaporava. E o engraçado era pensar que houve um dia em que os dois falavam muito mais do que apenas um “Oi, como vai”. Quando a dona daquele lindo sorriso não era apaixonada por ele, assim era permitido se falar, e ela até se atrevera a dizer que gostava muito dele, que ele era divertido... Mas é claro, Aline fora ingênua quando disse o que disse, pois agora que estava apaixonada por ele, não diria isso nem que depois viesse a palavra “amigo”.
Se ela se aproximasse dele, nada resolveria; seria a mesma coisa de não ter feito algo; ele a ignorava constantemente, a achava um tremendo incômodo e nunca em sua vida chegaria o momento que ele diria “eu te amo” a ela. Eram essas mentiras que ficavam rodeando os pensamentos de Aline. E por isso ela corria, corria sem parar e sem olhar para trás, o suor já se confundindo com as lágrimas que resolveram, de uma hora para a outra, cair naquela imensidão. E, ela, indo no embalo das lágrimas, também foi para o chão. Um grito agudo se formou quando Aline tropeçou e bateu forte no asfalto, dando a impressão de estar toda ralada. Porém, a verdade é que estava enrolada. O cobertor passara a envolver o seu corpo e ela não tinha nenhum arranhão em si, dando a ideia de que tudo aquilo não havia passado de uma mera ilusão.
Tirou o edredom que cobria a sua face e viu então o teto do seu quarto e a sua cama ao lado. Aquilo parecia um absurdo, mas nenhum sonho que vem à nossa mente é à toa, pensou.
A imagem do garoto moreno, cabelo crespo, óculos na face, veio à sua mente. Era verdade que não era um garoto bonito, mas isso nunca iria mudar o que ela sentia por ele, não importaria o que os outros viessem a falar.
Levantou-se e sentiu a vontade de ir ao piano. Aline conseguia ser extraordinária até mesmo se todas as coisas já tivessem sido descobertas. Ao tocar a primeira nota, compôs ali a sua primeira melodia de amor. Uma bela canção sem letras, formada apenas com o som daquele instrumento mágico e com os sentimentos daquela garota. Era a música perfeita, aquela que encanta e enfeitiça o seu ouvinte, tocando-lhe a alma e o coração. Se, por acaso, aquele garoto ouvisse aquela obra prima, não teria dúvidas e passaria a saber de imediato o que Aline sentia por ele. Mas ela... ah! Essa nunca teria coragem de tocar sabendo que ele estaria presente.
Todavia, Rafael ouvia. Aquele som o enchia de júbilo e fazia o seu coração transbordar. Via Aline tocar com aquele sorriso e ouvia, naquele som, as singelas palavras de amor que Aline lhe oferecia. Uma pena que teve que abrir os olhos e encarar a triste realidade: estava sozinho e Aline nunca seria sua. A melancolia invadiu ligeiramente aquele quarto, tornando-o completamente sombrio.
Aline, por sua vez, guardou com todo carinho a sua composição, deixando, por um momento, que a emoção tomasse conta do seu frágil coração, derrubando uma pequena lágrima naquele papel que continha as notas de sua afeição. Ela nunca que se esqueceria daquele sentimento que brotara no seu interior, mesmo que este um dia viesse a falecer.
Era domingo e estava frio. Talvez ele nem fosse à igreja, mas qual a diferença que iria fazer mesmo? Talvez ela nem o cumprimentasse e nem ficasse muito tempo com os olhos em sua direção; não podia deixar que ele desconfiasse de algo, sendo assim o ignoraria como sempre, e ela outra vez pensaria que o culpado fosse ele. Este que viesse falar com ela, era sempre assim que Aline raciocinava. E iria ficar nisso até... Pois bem, ela não queria mais pensar nisso, já estava cansada e enjoada. O que tivesse que ser, seria, enfim.
Aline nunca contara a ninguém sobre o que sentia, nem mesmo para Deus – que obviamente já sabia. Todavia, ela guardava esse segredo de todos, às vezes até dela mesma, quando então se confundia toda com os seus sentimentos. Mas a verdade nunca iria ser escondida e uma hora deveria vir à tona: Ela o amava, amava como se ama o primeiro e único amor de sua vida.
E quando o tempo passou ligeiro, sem ser visto, Aline já estava pronta em frente de casa, esperando pela mãe, pela irmã e pelo pai que dirigiria. Instantes depois, teriam eles entrado no carro, todos felizes, Aline pensativa. Contudo, e se o pai ou a mãe perguntassem o porquê dela estar assim, pensativa? E se a própria irmã notasse algo diferente nela? Não, não poderiam descobrir a verdade! Por isso Aline fingia, e fingia extraordinariamente bem. Assim, nem mesmo as suas verdadeiras amigas poderiam descobrir o seu segredo.
E lá estava ela, mais que bem-arrumada. Porém, ele não notaria, notaria? Será que perceberia que ela estava linda daquele jeito, excepcionalmente, para ele? Seja como for, estava ali com o intuito de prestar um culto, e não para ter um encontro.
– Oi – Era essa simples palavra que deveria fazer Aline congelar, contudo, ela não poderia demonstrar nenhuma expressão em seu rosto, então simplesmente o cumprimentou, usando a mesma palavra que ele usara. E foi como o domingo anterior. E talvez os próximos domingos fossem assim também, desta mesma forma. Nunca mudariam a menos que alguém tomasse alguma atitude.
O culto iria acabar, eles não se falariam mais – pelo menos não como um dia se falaram. Isso porque ambos tinham medo. Ambos tinham medo de se aproximar, e ambos tinham muito mais medo de perder o outro para sempre. O fato é que tudo se tornaria diferente se um soubesse dos sentimentos do outro... Nunca saberiam, entretanto, pois eles escondiam essa verdade para eles mesmos, no mais íntimo de seus corações.