Equalize

Equalize

De Igor Wright

Essa é a história de uma garota que se apaixonou além da realidade...

Rio de Janeiro, um sábado no início de julho. Clara está saindo da faculdade mais cedo que o normal. Afinal, é o último dia de aulas do semestre e ela só foi conferir suas notas. Após uma bela noitada num show de rock, qualquer mortal merece ir pra casa antes do término do horário das aulas pra colocar o sono em dia e se sentir de bem consigo mesmo ao superar mais um semestre brutal na faculdade. Mas no caso de Clara, dormir não é uma necessidade apenas física. Ela quer deitar em sua cama pra poder finalmente parar e relembrar a noite, madrugada e manhã incríveis que teve. Recapitulando...

I

Noite de sexta-feira no Rio de Janeiro já é alto fim de semana. Adicione a isso o fim do semestre letivo nas faculdades e a chegada da temporada de eventos de inverno e a cidade está fervendo na sexta-feira à noite, como se fosse um sabadão de verão. Clara está se arrumando empolgadíssima para ver o show de sua banda favorita, Pitty. No auge de seus 22 anos, essa linda carioca de olhos verdes sedutores e cabelo castanho claro ondulado está naquela fase da vida em que você se sente um poço de maturidade e experiência e começa a se inconformar com os rumos que sua vida tomou. Nada está bom o bastante! Você não tem grana suficiente. Não sabe se escolheu a carreira certa. Não sabe se dá orgulho a seus pais. Não sabe se está aproveitando a vida o bastante e, acima de tudo, não sente amor o suficiente. Não que pretendentes a esse posto de “amor-da-vida” de Clara estejam em falta. Ela teve vários namorados, de vários tipos, personalidades e estilos, mas nenhum deles disparou aquele sininho lá dentro do coração que alerta “Esse é O cara”. Mas nessa noite do show ela quer tudo (e mais um pouco) menos pensar em todas essas questões existenciais. Ela quer colocar sua camisa preta com a estampa “ABCDEFUCK”, seus jeans surrados, seu all-star converse preto, grandes brincos de argola prateados, um brilho labial escuro e girar o pescoço em 360 graus (vezes suficientes pra deixar eu e você e qualquer pessoa normal tontos) e o coração dela em galopada a cada petardo da banda Pitty.

Clara sai do quarto pronta e passa pela cozinha pra se despedir da mãe que lava a louça. Dona Carmem pergunta a Clara se ela vai ao show com Gabi, sua melhor amiga e companheira de baladas. Clara responde que é claro que sim, até porque a Gabi ficou de apresentá-la a um carinha super gato. Dona Carmem olha para sua filha e a encara com expressão de descrença. Ela sabe que a filha adora se apaixonar e mudar de idéia a respeito no dia seguinte.

Uma buzina toca do lado de fora da casa de Clara no bairro do Flamengo e ela se levanta prontamente. Dona Carmem, ainda lavando a louça, pede pra Clara pegar um casaco, o celular e não esquecer de tomar seus remédios. Clara dá um beijo na mãe, entra no quarto e se demora lá dentro por quase 1 minuto até que a buzina toque de novo. Ela sai ainda vestindo o casaco e dizendo:

- Tchau mãe!!! Fiz tudo que você pediu! Amanhã tem que pegar outra receita dos meus remédios. A mãe grita de longe e diz que vai fazer isso na volta da feira. Clara entra no carro de Gabi rumo ao Circo Voador, local do show.

II

A casa de shows no bairro da Lapa está repleta e abafada. O público já está ansioso pelo início do show. Gabi diz a Clara que seu amigo deve estar chegando. Clara nem dá ouvidos, pois nesse exato momento as luzes se apagam. O show está pra começar. A banda entra no palco ovacionada e a cantora já solta logo “Anacrônico” de cara. Todos pulam numa coreografia intensa e perfeita. De repente Gabi atende o celular e faz sinal pra Clara que logo volta. Clara está tão envolvida com o show de sua banda favorita que mal dá atenção a Gabi. Ela canta cada música com a identificação de quem sente que cada uma delas foi escrita para ela.

No meio do show, Gabi ainda não voltou pra perto de Clara. Ela olha no celular e vê uma mensagem de Gabi dizendo: “Emergência de menina!!! Já volto e acompanhada”. Quando Clara levanta os olhos dá de cara com um rapaz alto e moreno lhe fotografando. A princípio ela acha que deve ser um jornalista, mas com a insistência dele em lhe fotografar, a ficha cai:

- Você é o amigo da Gabi!!!

Ele sorri pra ela e se apresenta como Felipe e diz que ela deve ser a Clara. Ela o acha lindo, realmente perfeito. Começa a tocar a música Equalize, ele a abraça por trás e eles bailam ao som da linda balada. Clara não presta mais atenção em nada a sua volta. Mesmo sem olhar pro rosto de Felipe, é somente isso que ela tem na sua mente. Isso e a música. Ela ama o cheiro dele, que a inebria de uma forma que parece que é o cheiro dela mesma. Ele a vira e a beija. Ela corresponde de forma natural e instintiva.

III

Fim de show. Clara e Felipe estão sob os Arcos da Lapa. Eles conversam como se fossem velhos conhecidos. Clara se vê no reflexo dos olhos azuis de Felipe, as cores são lindas. Ele lhe explica que é fotógrafo free lancer e que adorou fotografar um show em que a atração principal estava na platéia. O coração de Clara acelera e seu rosto fica corado. Felipe a convida a sair dali com ele. Ela topa, mas antes manda uma mensagem pra Gabi dizendo que está “muito bem acompanhada. pode ir pra casa sozinha amiga. nos falamos amanhã. MUITO OBRIGADA”.

Os dois tomam um táxi e param em frente a um hotel em Copacabana, na Avenida Atlântica. Felipe pede a Clara que peça um quarto pros dois enquanto ele tenta estacionar o carro em alguma rua próxima. Ela entra no hotel, faz check in, deixa recado na recepção para deixarem um rapaz chamado Felipe subir ao quarto dela e sobe.

Felipe bate na porta do quarto, ela abre e ele está lá, sorrindo pra ela como sempre. Eles tiram os sapatos e se deitam na cama. Começam a conversar por horas a fio madrugada adentro. Eles contam cada detalhe da vida um do outro, seus gostos, desgostos, aventuras, pesares. Clara absorve cada som, gesto e trejeito de Felipe e se pergunta se ele existe mesmo. Ela adora a cara de sono dele após horas de bate-papo dizendo coisas tão malucas sobre a vida. Felipe lhe diz que ela só topou sair com ele na primeira noite porque eles eram iguais. Ela diz que ele deveria ter o manual de instruções dela, quando se lembra de sua mãe. Ela pega o celular e liga pra mãe que atende com voz sonolenta. Do outro lado da linha Dona Carmem deitada na cama da filha lhe pergunta se Clara está bem e a filha diz que nunca esteve melhor na vida, mas que só vai chegar em casa depois da aula na faculdade pela manhã. A mãe se chateia, mas tenta não deixar transparecer isso a filha. Diz que a vê em casa no almoço de sábado e pede que ela se cuide. Ao desligar o telefone, Dona Carmem olha pro criado mudo e vê o horário no rádio-relógio. São 4 da manhã. Logo ao lado ela vê o frasco com os remédios de Clara...lacrado.

IV

Está amanhecendo, Clara está no banho. Quando ela sai tem uma bandeja com as coisas que ela mais ama pro café da manhã. Panquecas, ovos mexidos e suco de abacaxi com hortelã. Ela senta na mesinha pra se alimentar, observando Felipe na cama a encarando. Eles sorriem um pro outro e ela come com avidez.

Ao fim do café, Felipe a abraça e a beija com ternura. Pra ela o mundo gira devagar e só existem Felipe e ela na Terra. O tempo para para os dois. Parece um filme em câmera lenta. Cada toque, som, gosto e respiração de um cara que ela sempre sonhou em encontrar e jamais achou que ele existisse. Ela diz a Felipe:

- Eu acho que gosto mesmo de você...bem do jeito que você é.

Ele sorri...o sorriso que ela ama.

Felipe diz que precisa ir, está atrasado pra entregar as fotos em um jornal que tem uma tiragem vespertina e pergunta se ela pode pagar a diária do hotel. Promete que a próxima é dele. Ela diz que tudo bem e que vai na faculdade. Ele calça os sapatos e diz que colocou o número dele no celular dela. Eles se beijam mais uma vez e ele sai.

V

Clara está chegando em casa, quase no horário do almoço, após passar na faculdade pra ver suas notas. Sua cabeça está nas nuvens. Ela só pensa em Felipe a cada segundo. Quase em frente a sua casa, ela toma um susto. Uma ambulância e uma viatura da polícia em frente à sua porta. Ela corre em direção à porta de casa e dá de cara com Gabi. Antes mesmo que Clara esboce uma fala, Gabi a interpela:

- Onde você estava no fim do show e com quem você saiu?

- Eu estava com o Felipe, seu amigo e passamos a noite juntos. Cadê a minha mãe Gabi??? O que está acontecendo aqui?

- Com o Felipe??? Clara!!! O Felipe não foi ao show. Ele está com catapora!

- Ele te mentiu Gabi! Porque eu estava com ele e não havia nada de errado com a pele dele, muito pelo contrário... Cadê minha mãe Gabi?!!

De repente Dona Carmem sai do quarto de Clara e logo atrás dela um enfermeiro e um policial:

- Clara, minha filha! Onde você estava? Hoje pela manhã chegou uma mensagem no meu celular com uma despesa de mais de 500 reais em um hotel de Copacabana. Pensei que você pudesse ter sido sequestrada ou algo do tipo. Me desesperei...

- Calma mãe! Eu vou te reembolsar essa grana. Eu estou bem. Passei a noite com um cara muito legal.

Dona Carmem olha pro policial, pede desculpas e encara o enfermeiro com tristeza:

- Infelizmente ou felizmente, o caso é com vocês.

Clara observa tudo sem entender nada. Dona Carmem diz:

- Eu liguei pro hotel onde você usou meu cartão de crédito e o pessoal na recepção me informou sobre sua breve estadia lá. Chegou no início da madrugada, informou que um tal de Felipe subiria, só que ele nunca apareceu. Você pediu café da manhã no quarto e saiu sozinha por volta de 8 da manhã. Sozinha minha filha! Eu falei pra você não parar de tomar seus remédios.

Dona Carmem soluçando faz sinal pro enfermeiro que está à porta com um colega. Eles entram com uma camisa de força e começam a vestí-la em Clara, que começa a chorar convulsivamente gritando:

- Mãe eu só queria que a canção se transformasse nele... pra poder gravá-lo em mim.

Os enfermeiros a colocam na ambulância. A ambulância é fechada e desce a rua.

Igor Wright
Enviado por Igor Wright em 04/09/2012
Reeditado em 10/09/2012
Código do texto: T3864867
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