A LEMBRANÇA DE UMA PESSOA MARCANTE
Embarquei no trem na estação da minha cidadezinha e me aventurei a enfrentar uma viagem de algumas horas para uma outra cidade muito conhecida por mim, um lugar onde frequentei há muitos anos atrás, da qual eu guardo doces recordações, momentos de alegrias vividos com uma pessoa que nem sei se ainda existe, devido a sua faixa etária ser a mesma minha. Não sei explicar o que se passou na minha cabeça, não sei dizer o motivo pelo qual me fez realizar essa viagem, ir à procura de alguém que talvez nem reconheça, que talvez tenha já a sua família formada, com filhos e netos. Sinceramente, é uma coisa que até me deixa confuso, me deixa a questionar o que devo fazer se por acaso encontrar esse alguém que parece ser tão especial a ponto de me fazer percorrer tantos quilômetros em um trem para procurá-lo. Talvez nem seja eu que esteja me guiando e sim o destino, uma força que me conduz para uma nova realidade, procurar algo que possa estar faltando em minha vida.
Já se passou uma hora desde que saí de minha cidade, o trajeto é o mesmo que fiz há longos anos, a paisagem não é a mesma por conta do desenvolvimento, com construções em locais onde antes não existiam. Eu via apenas o mato, pequenas e humildes habitações, o gado pastando e uma grande extensão de terras desabitadas. Pareço ter pressa em chegar ao meu destino, olho o relógio constantemente, às vezes me bate a saudade, o sentimento de não ter levado a frente essa amizade que poderia ter se transformado em amor. Penso também em desistir ou, quem sabe, chegando lá apenas dar uma volta, relembrar os locais por onde passei, apesar de já ter sofrido mudanças com certeza.
Adormeci um pouco durante a viagem e sonhei com a chegada, com essa pessoa me esperando na estação, com aquele sorriso que só eu conhecia, com aquela gentileza natural em me tratar bem, de me dar um abraço bem afetuoso. Peguei minhas bolsas e me dirigi para a pensão onde sempre ficava, com ela do meu lado, me acomodava lá e depois ia para sua residência, onde era recepcionado por seus familiares. Saímos para dar uma volta, nos demos as mãos, apesar de não haver compromisso formal entre nós, mas era como se existisse, era como se fôssemos namorados, desfrutando de momentos prazerosos pela cidade, visitando as praças e sentando num banco para que pudéssemos conversar mais tranquilamente. Foi nessa hora que juntei meu rosto ao dela, estava ansioso para dar-lhe um beijo gostoso, provar da maciez dos seus lábios. Jamais eu havia tentado dada a minha timidez. Mas reuni coragem e quando realmente o beijo ia se concretizar... acordei nessa viagem tão demorada.
Olhei o relógio pela centésima vez, pelos meus cálculos faltava menos de uma hora para a chegada ao destino final, faltava pouco para eu saber se teria alguém, não à minha espera, mas no mesmo local onde residia, se é que ainda morava por lá, o que eu estava achando difícil.
Desci do trem meio sem jeito, parecendo um adolescente tentando encontrar a primeira namorada. Meu coração estava aos pulos, eu não conseguia controlar a minha emoção, me sentia como um estranho naquela terra onde visitei inúmeras vezes, onde conheci o que era a felicidade, onde existia uma pessoa que marcou a minha vida. A pensão não mais existia, dera lugar a um prédio de dois andares onde funcionavam algumas lojas e escritórios. A casa onde ela morava era a mesma, de estilo colonial, bem conservada e pintada. Me deu coragem e bati palmas, tentando chamar alguém. Uma senhora atendeu e com um largo sorriso perguntou o que desejava. Era ela! Tinha certeza que era ela. Fiquei parado como a esperar que ela me reconhecesse, contei mentalmente alguns minutos, até que ela novamente me perguntasse o que desejava. Nesse momento surge também um senhor meio calvo, bem forte, olhar penetrante e diz: “Quem é, querida? O que esse senhor quer?” Aquilo me fez procurar terra nos pés e não achar, me fez sentir um desprezado. Reuni forças e consegui falar, disse que procurava uma pessoa de nome Nara, que morava nessa residência em tempos idos. Ela então respondeu que era sua irmã, mas que residia em outra cidade, estava casada, tinha filhos e netos. Vislumbrei melhor, era realmente sua irmã, se pareciam muito naquela época. Ela me reconheceu e convidou para entrar. Relembramos os velhos tempos, conversamos sobre os fatos passados, as festas que costumávamos frequentar na cidade, os velhos conhecidos dali, alguns nem lembrava mais. Tomei um cafezinho gostoso com biscoitos, aquele mesmo que costumava tomar quando de minhas visitas. Necy me olhou discretamente e imaginou que eu gostaria de ouvir outra resposta a respeito de Nara, mas o destino quis assim, pelo menos tive notícias, sabia agora como ela estava.
Regressei para minha cidade um tanto decepcionado, mas reconhecia que a vida não é como a gente quer e que cada um tem o seu caminho a percorrer. Talvez tivesse faltado de minha parte a iniciativa naqueles tempos de antes, quando a cortejava, quando desfrutava de momentos ao seu lado, de falar abertamente o que eu desejava. Sua timidez talvez tenha sido também uma resposta de que somente a amizade lhe interessava.