SENHORITA DE VERMELHO


Esta história é tão real que, se não fosse por ela, eu não estaria aqui, escrevendo...

Nair Lúcia de Britto


Apesar dos meus 48 anos de idade, não me considero velho. Tenho lá minhas esquisitices, uns gostos meio estranhos, algunsaté ultrapassados que se chocam com os dessa juventude que aí  está. Mas, e daí?

É meu jeito de ser. O que é que tem? Feio? Na verdade, não sou!Se uma mulher me olhar com cuidado, desculpem-me a falta de modéstia, vai me achar simpático: estatura mediana, olhos castanhos-esverdeados, cabelos escuros. O grisalho das têmporas até que me dá um certo charme.

Quando mais moço, nunca pensei em me casar. Não porque eu fosse contra o casamento; mas, sim, porque naquela época eu não tinha tempo para pensar nisso. Nem tempo, nem dinheiro... Essa é que é a grande verdade.

Sempre fui sozinho no mundo, pois perdi meus pais muito cedo; e a minha única irmã estava casada e morando longe. Seria até muito bom constituir uma família. Mas como? Se minha única riqueza era ter saúde e força de vontade.

Lutei muito contra as dificuldades, dividindo meu tempo entre o estudo e o trabalho. Eu queria, por mim mesmo, um dia ser alguém. Por isso, nas minhas horas de folga eu lia muito; principalmente os autores clássicos. Meus prediletos.

Ao conseguir ser alguma coisa na vida, porém, percebi que o tempo havia passado. Tinha um bom emprego e uma situação estável, mas a não ser algumas aventuras inconsequentes, eu nem namorada tinha.

Quando comecei a pensar sobre isso percebi que o mundo mudara, e como tudo se tornara difícil. A maioria das mulheres da minha idade já eram casadas ou, então, não eram efetivamente meu tipo.

As mais jovens eram lindas, mas tinham outra cabeça que não não tinha nada a ver com a minha. O modo de falar também era outro... Suas roupas modernas e coloridas não combinavam com meu costumeiro terno e gravata.

Deviam me achar bem antiquado!

No entanto, como seria bom se eu me casasse! Levar a mulher dos meus sonhos, de vestido branco, véu e grinalda, ao altar. Ela teria que ser simples e recatada. Quem sabe até como a musa do poeta Adelino Fontoura:

Como é divina a angélica aparência/ E a graça que ilumina o rosto dela...”

Mas esta mulher pertencia ao passado e eu estava condenado a ser um  solteirão...

Um belo dia, eu estava passeando pelo centro de São Paulo, onde eu morava. Como sempre o movimento era intenso e minha cabeça estourava. Eu estava muito aborrecido porque tinha acabado de receber a notícia de que seria transferido, no meu emprego, da capital para o interior do Estado.

Eu não podia receber bem aquela novidade inesperada, visto que me acostumara ao burburinho e ao conforto da cidade grande; principalmente aos cinemas e teatros. Fiquei imaginando como seria monótona a minha vida, na tranquila cidadezinha de Atibaia.

Nunca fui de frequentar Igreja; mas, naquele momento, eu estava passando bem em frente à Igreja de Santa Efigênia. E, não sei por que, tive uma vontade irresistível de entrar. Talvez para fugir do barulho e encontrar um pouco de paz.

Quando entrei na Igreja quase vazia, vi num dos bancos uma moça, ajoelhada, rezando. Estava tão absorta nas suas orações que nem me viu passar. Tinha um véu branco, de renda, sobre sua cabeça; e seus olhos límpidos voltavam-se suavemente para a imagem de Santo Antonio de Pádua.

-- É ela --, eu pensei, deslumbrado. -- É a mulher dos meus sonhos!

De repente ela tirou o véu, fez o sinal da cruz e dirigiu-se para a porta de saída. Quando passou por mim, me olhou e inclinou a cabeça levemente, para me cumprimentar. Fiquei todo aparvalhado, sem saber o que fazer para impedir que ela se fosse. Não podia deixá-la sair da minha vida, quando mal havia entrado. Corri ao encalço dela...

Ela me olhou surpreendida. Estava com pressa, mas me ouviu. Pedi para vê-la no dia seguinte. Ela relutou, mas afinal concordou.

-- Amanhã, aqui em frente da Igreja, neste mesmo horário.

-- Está bem. Até amanhã, então, senhorita – respondi, exultante.

O tempo nunca demorou tanto a passar. Estava prestes a rever a moça dos meus sonhos e nem sequer eu sabia o nome dela.

Cheguei ao encontro bem antes da hora, tal era minha ansiedade. Tinha pôsto meu melhor terno, combinando com uma bonita gravata. Olhava em todas as direções, sem saber de que lado ela viria... até que ela chegou.

Fiquei assombrado! Não podia acreditar no que meus olhos estavam vendo.

Ela estava vestida de vermelho, o rosto maquiado e o cabelo preso num penteado sofistificado. Sem dúvida estava linda, mas não se parecia nem um pouco como a moça simples, que eu tinha visto na noite anterior.

-- Olá! -- Ela se aproximou. A voz era a mesma.

-- Boa-noite! Como você está bonita!

Fomos conversando e andando até que eu a levei num restaurante de categoria. Enquanto jantávamos, perguntei:

-- Desculpe, mas ainda não sei seu nome.

-- Riana. E o seu?

-- Arthur. Quantos anos você tem?

-- Vinte.

Meu coração ficou apertado. Bem poderia ser mais...

Depois do jantar, voltamos a caminhar. Em frente à casa dela, despedi-me beijando sua mão.Aquela tinha sido uma noite maravilhosa. A melhor noite da minha vida. Pela primeira vez, eu estava apaixonado.

Entretanto, mais tarde, refleti que aquela moça tão jovem não podia ser para mim. Só me faria sofrer e o melhor, mesmo, seria fugir. Agora a minha transferência parecia oportuna para que eu a esquecesse.

Melhor assim.

Só que o tempo foi passando e eu não a esquecia. Um dia, resolvi pedir uma licença no trabalho e voltar para a Capital. Cheguei cedo à casa dela e presumi ser sua mãe aquela senhora que me atendeu, à porta.

-- A Riana está?

-- Riana! Aqui não tem ninguém com este nome!

Como não tinha? -- pensei, decepcionado. Eu mesmo a vira entrar naquela casa, no dia em que nos encontramos. Neste instante ela apareceu na sala, com aquele mesmo jeito singelo, na primeira vez que a vi.

-- Sou eu, mamãe, quem ele procura. Pode deixar!

Ao ficarmos a sós, ela explicou:

-- Meu nome é Nair. Mas nunca gostei desse nome, sempre me pareceu inexpressivo. Então eu o inverti e acrescentei um “a”, para torná-lo mais excêntrico. O vestido vermelho e o penteado é porque eu queria parecer mais velha; e, assim, conquistá-lo. Mas nada disso adiantou, não é mesmo? Você fugiu de mim como o diabo da cruz!

Não pude esperar mais nada. Beijei-a naquele mesmo instante, e a pedi em casamento. Casamos e tivemos uma filha. Ela tem o mesmo nome da mãe, e eu a chamo carinhosamente de Nairzinha.

 

Conto publicado na revista HORÓSCOPO Carícia, N. 611-D, em agosto de 1986, sob a edição da jornalista francesa, Micheline Gaggio Frank.
 

Nair Lúcia de Britto
Enviado por Nair Lúcia de Britto em 29/08/2012
Reeditado em 14/05/2020
Código do texto: T3855126
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