Amor e Guerra
Vi quando ela caiu e estendeu o braço pedindo ajuda. Seu ombro estava sangrando. Ela estava agachada atrás de uma pedra pois não conseguia mais se movimentar. Já tinha perdido muito sangue.
Sabia que era loucura ir até lá salvá-la. Olhei para os lados, meus amigos gritavam e lutavam tentando se agarrar aos últimos momentos de vida. Os lobisomens ganhavam terreno através das nossas fileiras.
Éramos a última esperança do Templo de Âmbar e tínhamos falhado. Somente um milagre iria nos salvar naquele ponto, mas eu não acreditava em milagres.
Ela me olhou e vi escorrerem lágrimas de medo. Lembrei da primeira vez que ela veio falar comigo:
- Oi – Disse sem ter muito mais o que dizer.
- Oi – Respondi.
- Você veio do norte?
- Sim, estou lutando com Abacuí.
- É verdade que existem monstros que nadam na areia como peixes?
- É sim, os Nhurôs caçam nas dunas gigantes perto das praias, são como...
E assim começamos nossa conversa animada, éramos dois estranhos de lugares mais estranhos ainda um para outro. Mas aquilo nos uniu ainda mais.
Se fosse para morrer, eu morreria com ela.
Corri.
Peguei minha maça abençoada por Itá; ela brilhava como a lua. Só ela era capaz de matar os terríveis homens-lobo-guarás. Um deles vinha em minha direção com a boca pingando sangue. Suas garras brilhavam no sol do meio-dia enquanto vinham ao meu encontro. Abaixei-me e com um grito afundei a cabeça do maldito que se debateu e voltou a ser um homem comum quando caiu no chão.
Outros vinham, mas não parei, pancada após pancada abri caminho no meio das feras.
Tons de vermelho pintavam a paisagem.
Um lobo chegou perto da índia da floresta. Corri o mais rápido que pude.
Subi na pedra e saltei sobre o monstro peludo. Mas ele já havia aberto o peito daquela que eu amei. Ela escorregou quase sem vida para o chão.
O ódio me movia agora; o monstro agarrou meu braço e o arrancou como se arranca um galho de uma árvore morta, e com ele foi minha maça. Quando caí, o monstro cuspiu meu braço no chão e saiu para continuar a matança.
O mundo ficava negro enquanto em volta do meu ombro, ficava rubro. Olhei para a índia que tinha tentado salvar; ela ainda estava viva e me olhava com um pequeno sorriso nos lábios.
Tentei chegar mais perto mas minhas forças já tinham ido para muito longe.
Antes de mergulhar na escuridão vi uma índia vindo em nossa direção. Ela carrega um belo arranjo de flores macacarecuia. Já tinha ouvido histórias daquela deusa. Ela iria nos guiar dali para frente.
Rudá era seu nome.
Breve Glossário:
Abacuí: Divindade regente dos povos do nordeste.
Nhurôs: Monstros parecidos com tubarões, nadam nas areias das dunas.
Itá: Divindade da Prata e do Ouro
Rudá: Divindade do Amor
Macacarecuia: É uma espécie de árvore originária da Amazônia que tem frutos redondos que pendem em cachos e flores exuberantes.