Cantata II
Era uma tosse enlouquecedora, quase não podia respirar direito, mas precisava chegar até lá. Precisava acertar as contas com o passado, antes que fosse tarde. Caminhou mais rápido, apesar de que aqueles últimos passos pareciam quilômetros intermináveis. Ao longe avistou a praça e o coreto, tão conhecidos seus, avistou a igrejinha tão igual aos tempos de outrora.
À medida que seus olhos iam visualizando cada detalhe daquele lugar, sua mente vagava por tempos bastante idos e felizes, mas que foram deixados para trás como um monte de entulho. Chegando ao pé das escadas da igreja, seus olhos ficaram turvos e as pernas fraquejaram sobremaneira, que ele pensou que não fosse conseguir continuar. Respirou o mais fundo que pôde, reequilibrou as emoções e subiu.
Ao entrar naquele ambiente tão singelo quanto agradável, ele se deparou com uma cena idêntica a que presenciou no último natal, mas que passou desapercebido por todos. Mas naquele dia seria diferente, ele precisava daquele alívio, daquela redenção. Havia reunido toda a coragem que ainda lhe restava, apesar de que, há mais de trinta anos, suas atitudes eram extremamente covardes e egoístas.
Era no dia dos pais que ele pediria perdão aos filhos que havia abandonado, sem nenhum escrúpulo. Sentou-se no último banco da igreja lotada, que abrigava toda a cidade, no seu louvor a Deus, agradecendo as bênçãos recebidas. Ouviu o coro em sua cantata pelo dia dos pais, fechou os olhos a espera do momento oportuno para a sua súplica.
Após os encerramentos das cantigas, o prefeito subiu ao palco para os agradecimentos e começou aquela oratória simples e emocionada que ele já havia também presenciado. Em meio ao clamor das palavras, o orador, tão querido de todos, chamou a família para participar daquele momento. Ao ver seus filhos, netos e ex mulher subindo no altar, uma crise de tosse súbita o acometeu, chamando a atenção de todos que ali estavam.
O burburinho foi geral, diante do estranho que passava mal. O prefeito e sua esposa correram a acudi-lo e foram seguidos pelos filhos. Ao se deparar com Fátima, cara a cara, ele não se conteve, começou a chorar e implorar por perdão. Ela, assustada, pois aquela figura grotesca não lhe lembrava ninguém conhecido, recuou alguns passos. Mas aquela voz não lhe enganava, era ele, seu ex marido, que tanto a fez sofrer, que tanto a humilhou e abandonou, ali, à sua frente.
Seu esposo também o reconheceu, pois foram tão amigos no passado, e as lembranças vieram. Seus filhos nem imaginavam de quem se tratava, pois um era muito pequeno e a outra nem sequer havia nascido. Depois do susto, Fátima se aproximou, olhou-o nos olhos e percebeu que aqueles eram seus derradeiros instantes e que ele precisava de alento. Um abraço emocionado selou aquele momento. Fátima chamou seus dois filhos mais velhos:
- Arnaldo, Janete, venham aqui, por favor! Os dois se aproximaram, contagiados pela emoção da mãe diante da situação.
Fátima olhou-os e disse: abracem-no, é o pai de vocês. Os dois caíram num pranto emocionado e abraçaram o pai, como se nada tivesse acontecido. Quase sem conseguir falar, ele balbuciou um obrigado, ensaiou um sorriso e fechou os olhos, em paz!